sábado, 14 de dezembro de 2013

A mensagem da cruz IV

O rugido do gigante fez tremer os céus, a nevasca e o frio com ela pareceram aumentar com o chamado do grande monstro, tudo escurecia, o Sol era uma lembrança distante naquela escuridão e tormento, mas era preciso derrotá-lo e só ele poderia fazer isso. Cerrou os olhos e sacou a espada, era preciso um golpe apenas e conseguiria derrota o temível. Preparou-se, correu, pulou, rolou, correu outra vez, era incansável! O gigante também sacara sua espada, martelando a terra por onde ela passava, mas isso não fazia o jovem temê-lo, precisou o golpe e acertou seu calcanhar, e a força foi tão grande que este foi ao chão.
- GRRRRRHHHHHHHH – Gemeu tenebrosamente, fazendo a terra tremer mais que um mar tempestuoso. – Maldito pequenino, irei desossá-lo!  - Sua mão o agarrou como se fosse um boneco de palha e o jogou no ar, pegando-o novamente, jogando-o outra vez, cada vez mais alto.  Uma voz veio de algum lugar:
- Cuidado para não o deixar bater no Sol! – O gigante ria, e o jovem também.
- Vou jogá-lo tão alto, nanico, que irá trazer um pedaço do Sol para mim!
E então Torkild Landson jogou-o mais uma vez e agarrou Lamarkson nos braços que ria descontroladamente, daquelas risadas que a criança atrapalhasse até mesmo para respirar.  Lamark estava ali, nas sombras de um carvalho, observando toda aquela guerra.
- É nanico, parece que você tem um Sol ai contigo, ahn? – Largou o pequeno no chão, enquanto este implorava por uma nova guerra.
- Vamos lá, tio, mais uma batalha daquelas! Agora você vai ser o monstro do mar!
- Por hoje já foi derramado sangue demais, grande guerreiro, deixemos para outro dia – disse, fazendo um cafuné na cabeça do garoto.
- Vamos! – insistiu Lamarkson – meu pai irá me ajudar! – apontou para as sombras onde estava - Ele é bem forte também! Acredita que mais que eu?
- Você jura?
- Rá! Precisa ver só!
-Pode apostar que verei pequeno, agora venha, sua mãe vai implicar se não voltarmos, e vai implicar com seu pai também.
Quis teimar, mas aceitou deixar a batalha para outro dia. Foram até onde Lamark os esperava, a criança correu a frente, brincando com tudo que era possível brincar enquanto os dois se deterão em uma caminhada mais lenta.
- Ele gosta de você. – Disse Lamark.
- Também gosto dele, vai ser melhor que você quando crescer.
- Vai ser melhor que você também.
Era um dia claro, o Sol deitava seus olhos confortavelmente na pele deles, mesmo a brisa fria fazendo o seu trabalho tão bem, era um momento agradável.
- Impressionante como depois de tantos anos isso aqui não mudou muito, não é? – Disse Torkild, observando a fazenda em que cresceram juntos enquanto caminhavam. Lamark sorriu. Torkild apontou para Lamarkson. - O pequeno lembra você, era tão impossível quanto, só que a beleza ele puxou a mãe, você é feio como um bode.
-Coisa que ambos puxamos ao nosso pai, você principalmente. Ele tem as bochechas dela.
- De quem?
- Da Silned, oras, são boas de apertar.
            Caminharam por várias casas da propriedade, passando por muitas cabras, cachorros, e até mesmo algumas vacas, perto do grande edifício, passaram pela forja do Velho Skild, onde várias barras de aço estavam empilhadas em um canto enquanto um grande forno era instigado por carvão, depois, vinha à área de treinamento do senhor das armas do Velho Lamm, Esgmund, onde estava a gritar e ordenar.
- Formação, seus vagabundos! Ora, quero uma coisa decente! Mas que maldição! – se referia a uma parede de escudos mal formada. – Vocês querem ir à guerra com isso? É isso mesmo? – Foi até a parede mal formada e deu um empurrão com o pé, o rapaz que segurava o escudo, junto com os demais próximos a ele, foi ao chão, se esbarrando todo entre eles em meio à lama. - Precisam estar prontos para o ponta-pé da guerra, suas galinhas, mas que porcaria!  
            Lamarkson não estava mais correndo e brincando, estava absorto no momento, sem conseguir tirar os olhos da confusão do treinamento. Esgmund veio até eles, com braços grossos, e a barriga ainda mais, rosto inchado e barba grisalha com aquele olhar de javali selvagem.
            -Ah, grandes, espero que não se deixem desanimar pelo que viram – referia-se ao treinamento fracassado – a prática tem sido assídua e esses são novos recrutas, em breve estarão prontos para uma parede ao lado dos senhores, ah! Torkild! Achei que não iria revê-lo! –Disse, apertando as mãos com ele. – Ainda lutaremos juntos outra vez.
- Eu sei que sim, como está a situação de homens? – Sabia que a maioria havia partido com ele para nunca mais pisarem nessa terra outra vez, era preciso saber quantos ainda restavam.
- Temos um bom contingente, cinco barcos em excursão e dez aqui, com você retornaram mais 15, isso somente aqui do velho Lamm, ainda velho continua tendo essa grande influencia no poder militar e vocês estão ai, para dar continuidade ao legado dele – riu - e ele o de vocês – apontou para Lamarkson. Brincava com um pedaço de madeira, tentando imitar o movimento de algum dos homens, Esgmund aproximou-se dele e deu uma espada de madeira. – Tome, consegue segurar?
Não respondeu, pegou a espada e a empunhou, bem de mau jeito, tinha quase o seu tamanho e pesava mais que qualquer coisa que já tenha brincado, a não ser a lança de caça, mas aquilo não foi uma brincadeira.
- Esse garoto vai pegar o jeito, sabia? Traga-me ele pelas manhãs, ele já pode começar a ter umas aulas.
- Eu o trarei – disse Lamark.
Retomaram a caminhada, passando pelo grande salão, Silned e Larza estavam lá, esta com a pequena criança em seu colo, já estava um pouco maior que a ultima vez, tentando ir ao chão para brincar, ficou feliz ao ver Lamarkson.
- O pequeno Eldred fica animado em ver outro pequenino – disse, procurando um sorriso a muito distante de seu rosto. Lamarson não gostou muito do comentário, havia acabado de segurar uma espada! Pequenino não! Larza tentou por a criança em pé, que andou de mau jeito até tombar de leve apoiando-se no chão com as duas mãos estendidas, com olhar intrigado e sério, forçou-se a se levantar e ficar em pé apenas com seus próprios pés, desequilibrou, apoiou-se na mãe e caiu com a bunda no chão.
            - Este aqui esta deixando de ser um pequenino que com certeza vai ajudar Eldred a deixar de ser um também, não é mesmo? – Lamark olhou para seu filho e viu seu olhar indignado, deu uma tapa leve em sua nuca. – Não faça essa cara de bode ou eu trarei capim pro seu jantar. Quer sua criatura de volta? – perguntou a Silned, que sorriu para seu filho e o tomou em um abraço de saudade. Lamark riu. – Parece que não o vê há semanas.
            - Foi quase uma semana para mim – Disse Silned.
            - Foi esta manhã, ah! Que grude entre esses dois.
            - Fale como se você não fosse assim, grudava em nossa mãe mais que o cheiro ruim do cavalo do nosso velho pai. – comentou Torkild – vamos, há coisas que quero falar com você antes de conversarmos com ele.
            - Vamos – Lamark inclinou-se para beijar a testa de seu filho e a boca de sua mulher.
            Saíram do salão, caminharam pelo planalto que havia do outro lado do edifício, passaram por vários cercados, em uns havia porcos, outros cabras, cachorros iam e vinham, dando cheiradas neles. Em seguida havia ali uma descida com alguns degraus de madeira, caminharam por ali, chegando a um espaço amplo, havia quatro árvores ali, uma delas, a árvore Skald, onde o velho Lamm apreciava passar seus dias. Perto dela havia uma tenda, meio de pano, meio de pedaços de madeira, com uma mesa, algumas bancadas, onde Lamm costumava deixar suas coisas, ali se via sua antiga cota de malha, e algumas das várias espadas que usou em seus tempos de destruição. Sentaram ali e resolveram aguardar o retorno do pai.
- O velho quer te falar sobre um sonho, um sinal. – Lamark adiantou o assunto.
            - E o que diz o sonho?
            - Algo sobre o nosso destino.
            Aguardaram ali durante um tempo, suficiente para apreciar o lugar, Lamark era acostumado com aquele lugar, mas Torkild já havia um tempo se desabituara a ele. Gostava de lá, das crianças correndo, dos cachorros latindo, das cabras, das caçadas, achou que nunca mais pisaria ali. Lamark observava os devaneios de seu irmão, imaginando o que se daria após a conversa com o seu pai, havia muitos planos a serem elaborados pela frente, a busca proposta pelo Velho Lamm ainda é um segredo, é necessário que seja. Ele e seu irmão serão os grandes responsáveis pela realização desse plano, juntos, são o braço o forte do Velho Lamm, e este, é o punho de ferro dos nórdicos. É chegada a hora do clã Land assumir a conquista final sobre as terras além-mar.
            O velho Lamm chegou, carregava um arco às costas e puxava um javali morto por uma corda, havia duas flechas espetadas nele, uma na cabeça e outra na barriga. Sentou-se cansado próximo dos filhos.
            - Logo mais nem para caçar um maldito javali servirei mais, maldição do tempo sobre o corpo – largou o arco de um lado e o javali do outro. Chamou um dos empregados e pediu que levasse o javali para a cozinha de Gori.  – Como esta a cicatrização dos seus ferimentos, Torki?
            - Quase não as sinto mais, apenas a da mente permanece incurável. – Respondeu Torkild, o velho Lamm gostou disso.
            - Sim, sim, e eu tenho a cura para isso, algo que é necessário para todos nós, não falo só de mim e vocês, falo de nossa terra, nosso povo. É necessária a cura para os nossos corações tormentosos, para as nossas perdas, é necessário derramar sangue para fazer nosso peito aquecer novamente.
            Ai estava uma mensagem que aqueceria o povo nórdico mais que o fogo durante um duro inverno. A guerra, o prazer em lutar, em por em jogo a vida, cada luta, cada combate feito, é o momento derradeiro da vida de qualquer um, seja na vitória sobre a morte, em sorrir para mais um dia de conquista, ou se é o fim, onde se perde a aposta e se segura com firmeza o cabo de sua arma para apreciar a visão da chegada das valquírias em seu ultimo instante de vida. Isso era nórdico, disso que era feito o espírito de um nórdico. E é disso que querem que a Noruega esqueça.
            - Eu o vi, e ele me disse o que devemos fazer. – Disse o Velho.
            - Quem você viu? – Perguntou Torkild.
            - Odin.
            Nesse momento, são interrompidos por um dos moradores, ele traz algo embrulhado em um pedaço de pano, tinha um cheiro forte e ele fazia certa careta quando chegou aflito para eles.
            - Meu senhor, desculpe a interrupção, mas pediram para lhe entregar isso com urgência. 
O velho Lamm tomou o pacote e o desembrulhou.
- Pelo frio do Hel, o que diabos é isso? – Largou na mesa a coisa que revelou ser  uma mão decepada. O odor subiu e deixou no ar aquele cheiro de ferro e carne. O Velho Lamm olhou-o indignado para o sujeito, agarrou-o pela gola e o trouxe para perto de seu rosto, o olhar irado.
- Que maldita brincadeira é essa, seu desgraçado? Mas que porcaria você me trouxe?
- Eu, eu, eu não sei, senhor, pediram para entregar-lhe isso!
- Quem?
- Não sei, ele estava com um capuz, e tinha pressa, acabou de sair!
- Mas que maldita maldição maldosa! Lamark tente pegar esse miserável, e você, vá com ele, agora!
Lamark levantou-se como um raio e arrastou o sujeito com ele. Torkild falou.
- Pai, há um anel nesta mão. – Realmente havia um, o sangue derramado e coagulado havia coberto e escurecido grande parte da mão. Torkild pegou um pedaço do pano e limpou para que pudessem identificar alguma coisa. E conseguiram.
- Esse anel pertence a Eldored...
-E provavelmente a maldita de sua mão, mas que desgraçado, precisamos ir a sua fazenda, venha, reúna alguns homens e pegue alguns cavalos, vamos partir imediatamente!
Levantou-se, pegou seu arco e algumas flechas em sua aljava de couro de bode e saiu correndo gritando ordens e mais ordens. Torkild disparou, subindo os degraus de madeira e entrando no grande salão, puxou um dos empregados e disse:
- Traga-me Esgmund e mais dez de seus homens, prepare tantos cavalos para isso, rápido, seja mais rápido que o trovão de Thor! – O homem o fez. Próximo dali estava Silned, Larza e as crianças. Chamou Silned que se levantou e foi em sua direção.
- O que houve? – percebeu a tensão e urgência nos modos de Torkild.
- A fazenda de Eldored foi atacada, procure deixar Larza ocupada, leve-a para algum cômodo e fique lá com ela e as crianças.
- Como você sabe disso? Onde está Lamark?
***
            Lamark cavalgava como um trovão cavalga as nuvens, seguia a trilha pela qual Levin, o sujeito que entregou o pacote, viu o homem encapuzado partir. Levin vinha logo atrás.
            - Ele não deve ter ido muito longe, senhor, pedi que trouxessem algo para ele comer ou beber para retardá-lo um pouco, achei os modos suspeitos demais para deixá-lo partir imediatamente.
            - Fez bem, o que ele disse quando lhe entregou o pacote?
            - ‘’Uma mensagem para o Velho Lamm e seus costumes pagãos. ’’
            - Isso me cheira a merda, isso me cheira a cristãos. – Resmungou Lamark.
            - Aqueles que falam do Deus pregado? Mas eles não falam de paz?
            - Eles falam mentiras.
            Era algo infrutífero, o fugitivo ainda possuía muita vantagem em sua fuga. Ainda era possível ver as marcas de seu cavalo na estrada, contudo começava a chover e logo qualquer pista que deixasse para trás seria apagada. Em meio a seus devaneios investigativos, Levin o interrompe.
            - Senhor, olhe aqui! Parecem pegadas. – Levin conseguiu observar isso já que ia a um passo mais lento, Lamark reteve seu cavalo e virou-se para ver o que tinha ali.
            - Ele saltou do cavalo e fez com que continuasse a correr para tentar nos despistar. – examinando um pouco a cena foi possível observar que realmente havia marcas do salto do cavalo feito pelo sujeito e do caminho que se seguia para dentro da floresta. – Fique aqui e cuide dos cavalos, eu o seguirei, fez bem, Levin.
            - Somente minha obrigação e gratidão aos Land.
            Lamark chegou à margem da floresta, examinando cuidadosamente as ultimas pegadas antes de se perderem entre as raízes e arbustos. A chuva engrossava, antes agravável, agora um pouco fria, mas isso não o incomodava. O som da água nas folhas e troncos era alto e ressoava por todos os lados. Encontrou uma pequena trilha entre as árvores, e seguiu-a, passando por troncos caídos, raízes retorcidas, pisando na terra úmida. Logo avistou uma cabana e assim que a viu, abaixou-se e observou melhor. Havia fogo lá, alguém deve ter acendido para se aquecer. E de fato viu o homem, estava colocando uma capa encharcada no lado de fora e voltava, com um pouco de frio para dentro. Lamark seguiu, buscando não ser percebido, permanecendo imperceptível em meio à chuva, floresta e frio. Ele era isso e isso era ele.
            Aproximando-se da cabana, sacou a espada, com o chiado metálico sendo abafado pela chuva. Deu a volta ficou a frente da porta e a chutou. Os trincos e a fechadura voaram, entrou e apontou a espada para o homem, que descalçava uma das botas. Ele olhou incrédulo para Lamark. Era esguio e possuía um nariz curvado, largou a bota e disse:
            - O que esta havendo? Posso saber por que você arrombou a minha porta? – Antes que Lamark dissesse algo, o homem lançou um punhal, saltando em seguida pela janela, disparando no meio da floresta. O punhal havia atingido a coxa de Lamark, arrancou à maldita lamina que devia estar escondida na bota que o sujeito tirara no exato momento em que entrou, maldita oportunidade. Retomou a perseguição, agora, conseguindo ver o homem na distancia, ele era rápido, se esgueirando entre as muitas árvores. Mas Lamark conseguia acompanhá-lo, não era uma questão de pressa, mas sim de paciência, era uma caçada.
            A floresta ficava mais densa e escorregadia, tudo desfavorecendo uma perseguição, porém, o importante era ter em mente não perde-lo de vista. Lamark corria, respirava, corria e respirava. Correr cansa, mas é algo com que pode se acostumar. Esse tipo de perseguição parece um jogo, é preciso ter precisão em cada passo, estar atento, desviando dos muitos obstáculos, sempre com o foco no objetivo. Não demorou muito para o sujeito diminuir o ritmo e logo a distancia entre eles diminuírem. Constantemente o homem olhava para trás para constatar com desgosto que Lamark se aproximava.
            Estava quase lá, o homem, cansado, praticamente desistindo, pensava quais eram suas chances de sobrevivência se parasse para enfrentar Lamark. Sabendo de seu fim, resolveu subir em uma árvore, agarrou-se ao tronco, meteu o pé em um galho, depois em outro, e em mais um, agarrando firme cada pedaço do tronco que conseguisse encaixar bem a mão até que foi puxado para o chão.
            Quando bateu no solo, sentiu o choque fazer tremer todo o seu corpo. Uma maldita raiz contundiu sua coluna.
- Ai, ai, ah santo Deus, que dor, ai! Calma ai, amigo! Temos um mal entendido aqui!
            - Talvez haja, você trouxe uma mensagem para o velho Lamm?
            - Ah! Uma mensagem? Eu não sei do que você está falando.
            Lamark observou o pequeno artefato de madeira pendurado no peito do homem em formato de cruz. Pisou em seu joelho, fazendo força, de forma a prejudicar a articulação com uma dor rasgada.
            - Céus, fui eu! Fui eu! O que você quer de mim?!
            - Trouxe uma mensagem do Velho Lamm para você. 

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