O rugido do gigante fez tremer os céus,
a nevasca e o frio com ela pareceram aumentar com o chamado do grande monstro,
tudo escurecia, o Sol era uma lembrança distante naquela escuridão e tormento,
mas era preciso derrotá-lo e só ele poderia fazer isso. Cerrou os olhos e sacou
a espada, era preciso um golpe apenas e conseguiria derrota o temível.
Preparou-se, correu, pulou, rolou, correu outra vez, era incansável! O gigante
também sacara sua espada, martelando a terra por onde ela passava, mas isso não
fazia o jovem temê-lo, precisou o golpe e acertou seu calcanhar, e a força foi
tão grande que este foi ao chão.
- GRRRRRHHHHHHHH – Gemeu tenebrosamente,
fazendo a terra tremer mais que um mar tempestuoso. – Maldito pequenino, irei
desossá-lo! - Sua mão o agarrou como se
fosse um boneco de palha e o jogou no ar, pegando-o novamente, jogando-o outra
vez, cada vez mais alto. Uma voz veio de
algum lugar:
- Cuidado para não o deixar bater no
Sol! – O gigante ria, e o jovem também.
- Vou jogá-lo tão alto, nanico, que irá
trazer um pedaço do Sol para mim!
E então Torkild Landson jogou-o mais uma
vez e agarrou Lamarkson nos braços que ria descontroladamente, daquelas risadas
que a criança atrapalhasse até mesmo para respirar. Lamark estava ali, nas sombras de um carvalho,
observando toda aquela guerra.
- É nanico, parece que você tem um Sol
ai contigo, ahn? – Largou o pequeno no chão, enquanto este implorava por uma
nova guerra.
- Vamos lá, tio, mais uma batalha
daquelas! Agora você vai ser o monstro do mar!
- Por hoje já foi derramado sangue
demais, grande guerreiro, deixemos para outro dia – disse, fazendo um cafuné na
cabeça do garoto.
- Vamos! – insistiu Lamarkson – meu pai
irá me ajudar! – apontou para as sombras onde estava - Ele é bem forte também!
Acredita que mais que eu?
- Você jura?
- Rá! Precisa ver só!
-Pode apostar que verei pequeno, agora
venha, sua mãe vai implicar se não voltarmos, e vai implicar com seu pai
também.
Quis teimar, mas aceitou deixar a
batalha para outro dia. Foram até onde Lamark os esperava, a criança correu a
frente, brincando com tudo que era possível brincar enquanto os dois se deterão
em uma caminhada mais lenta.
- Ele gosta de você. – Disse Lamark.
- Também gosto dele, vai ser melhor que
você quando crescer.
- Vai ser melhor que você também.
Era um dia claro, o Sol deitava seus
olhos confortavelmente na pele deles, mesmo a brisa fria fazendo o seu trabalho
tão bem, era um momento agradável.
- Impressionante como depois de tantos
anos isso aqui não mudou muito, não é? – Disse Torkild, observando a fazenda em
que cresceram juntos enquanto caminhavam. Lamark sorriu. Torkild apontou para
Lamarkson. - O pequeno lembra você, era tão impossível quanto, só que a beleza
ele puxou a mãe, você é feio como um bode.
-Coisa que ambos puxamos ao nosso pai,
você principalmente. Ele tem as bochechas dela.
- De quem?
- Da Silned, oras, são boas de apertar.
Caminharam
por várias casas da propriedade, passando por muitas cabras, cachorros, e até
mesmo algumas vacas, perto do grande edifício, passaram pela forja do Velho
Skild, onde várias barras de aço estavam empilhadas em um canto enquanto um
grande forno era instigado por carvão, depois, vinha à área de treinamento do
senhor das armas do Velho Lamm, Esgmund, onde estava a gritar e ordenar.
- Formação, seus vagabundos! Ora, quero
uma coisa decente! Mas que maldição! – se referia a uma parede de escudos mal
formada. – Vocês querem ir à guerra com isso? É isso mesmo? – Foi até a parede
mal formada e deu um empurrão com o pé, o rapaz que segurava o escudo, junto
com os demais próximos a ele, foi ao chão, se esbarrando todo entre eles em
meio à lama. - Precisam estar prontos para o ponta-pé da guerra, suas galinhas,
mas que porcaria!
Lamarkson
não estava mais correndo e brincando, estava absorto no momento, sem conseguir
tirar os olhos da confusão do treinamento. Esgmund veio até eles, com braços
grossos, e a barriga ainda mais, rosto inchado e barba grisalha com aquele
olhar de javali selvagem.
-Ah,
grandes, espero que não se deixem desanimar pelo que viram – referia-se ao
treinamento fracassado – a prática tem sido assídua e esses são novos recrutas,
em breve estarão prontos para uma parede ao lado dos senhores, ah! Torkild!
Achei que não iria revê-lo! –Disse, apertando as mãos com ele. – Ainda
lutaremos juntos outra vez.
- Eu sei que sim, como está a situação
de homens? – Sabia que a maioria havia partido com ele para nunca mais pisarem
nessa terra outra vez, era preciso saber quantos ainda restavam.
- Temos um bom contingente, cinco barcos
em excursão e dez aqui, com você retornaram mais 15, isso somente aqui do velho
Lamm, ainda velho continua tendo essa grande influencia no poder militar e
vocês estão ai, para dar continuidade ao legado dele – riu - e ele o de vocês –
apontou para Lamarkson. Brincava com um pedaço de madeira, tentando imitar o
movimento de algum dos homens, Esgmund aproximou-se dele e deu uma espada de
madeira. – Tome, consegue segurar?
Não respondeu, pegou a espada e a
empunhou, bem de mau jeito, tinha quase o seu tamanho e pesava mais que
qualquer coisa que já tenha brincado, a não ser a lança de caça, mas aquilo não
foi uma brincadeira.
- Esse garoto vai pegar o jeito, sabia?
Traga-me ele pelas manhãs, ele já pode começar a ter umas aulas.
- Eu o trarei – disse Lamark.
Retomaram a caminhada, passando pelo grande
salão, Silned e Larza estavam lá, esta com a pequena criança em seu colo, já
estava um pouco maior que a ultima vez, tentando ir ao chão para brincar, ficou
feliz ao ver Lamarkson.
- O pequeno Eldred fica animado em ver
outro pequenino – disse, procurando um sorriso a muito distante de seu rosto. Lamarson
não gostou muito do comentário, havia acabado de segurar uma espada! Pequenino
não! Larza tentou por a criança em pé, que andou de mau jeito até tombar de
leve apoiando-se no chão com as duas mãos estendidas, com olhar intrigado e
sério, forçou-se a se levantar e ficar em pé apenas com seus próprios pés,
desequilibrou, apoiou-se na mãe e caiu com a bunda no chão.
-
Este aqui esta deixando de ser um pequenino que com certeza vai ajudar Eldred a deixar de ser um também, não é mesmo? – Lamark olhou para seu filho e viu seu
olhar indignado, deu uma tapa leve em sua nuca. – Não faça essa cara de bode ou
eu trarei capim pro seu jantar. Quer sua criatura de volta? – perguntou a
Silned, que sorriu para seu filho e o tomou em um abraço de saudade. Lamark
riu. – Parece que não o vê há semanas.
-
Foi quase uma semana para mim – Disse Silned.
-
Foi esta manhã, ah! Que grude entre esses dois.
-
Fale como se você não fosse assim, grudava em nossa mãe mais que o cheiro ruim
do cavalo do nosso velho pai. – comentou Torkild – vamos, há coisas que quero
falar com você antes de conversarmos com ele.
-
Vamos – Lamark inclinou-se para beijar a testa de seu filho e a boca de sua
mulher.
Saíram
do salão, caminharam pelo planalto que havia do outro lado do edifício, passaram
por vários cercados, em uns havia porcos, outros cabras, cachorros iam e
vinham, dando cheiradas neles. Em seguida havia ali uma descida com alguns
degraus de madeira, caminharam por ali, chegando a um espaço amplo, havia
quatro árvores ali, uma delas, a árvore Skald, onde o velho Lamm apreciava
passar seus dias. Perto dela havia uma tenda, meio de pano, meio de pedaços de
madeira, com uma mesa, algumas bancadas, onde Lamm costumava deixar suas
coisas, ali se via sua antiga cota de malha, e algumas das várias espadas que
usou em seus tempos de destruição. Sentaram ali e resolveram aguardar o retorno
do pai.
- O velho quer te falar
sobre um sonho, um sinal. – Lamark adiantou o assunto.
-
E o que diz o sonho?
-
Algo sobre o nosso destino.
Aguardaram
ali durante um tempo, suficiente para apreciar o lugar, Lamark era acostumado
com aquele lugar, mas Torkild já havia um tempo se desabituara a ele. Gostava
de lá, das crianças correndo, dos cachorros latindo, das cabras, das caçadas,
achou que nunca mais pisaria ali. Lamark observava os devaneios de seu irmão,
imaginando o que se daria após a conversa com o seu pai, havia muitos planos a
serem elaborados pela frente, a busca proposta pelo Velho Lamm ainda é um
segredo, é necessário que seja. Ele e seu irmão serão os grandes responsáveis
pela realização desse plano, juntos, são o braço o forte do Velho Lamm, e este,
é o punho de ferro dos nórdicos. É chegada a hora do clã Land assumir a
conquista final sobre as terras além-mar.
O
velho Lamm chegou, carregava um arco às costas e puxava um javali morto por uma
corda, havia duas flechas espetadas nele, uma na cabeça e outra na barriga.
Sentou-se cansado próximo dos filhos.
-
Logo mais nem para caçar um maldito javali servirei mais, maldição do tempo
sobre o corpo – largou o arco de um lado e o javali do outro. Chamou um dos
empregados e pediu que levasse o javali para a cozinha de Gori. – Como esta a cicatrização dos seus
ferimentos, Torki?
-
Quase não as sinto mais, apenas a da mente permanece incurável. – Respondeu
Torkild, o velho Lamm gostou disso.
-
Sim, sim, e eu tenho a cura para isso, algo que é necessário para todos nós,
não falo só de mim e vocês, falo de nossa terra, nosso povo. É necessária a
cura para os nossos corações tormentosos, para as nossas perdas, é necessário
derramar sangue para fazer nosso peito aquecer novamente.
Ai
estava uma mensagem que aqueceria o povo nórdico mais que o fogo durante um
duro inverno. A guerra, o prazer em lutar, em por em jogo a vida, cada luta,
cada combate feito, é o momento derradeiro da vida de qualquer um, seja na
vitória sobre a morte, em sorrir para mais um dia de conquista, ou se é o fim,
onde se perde a aposta e se segura com firmeza o cabo de sua arma para apreciar
a visão da chegada das valquírias em seu ultimo instante de vida. Isso era
nórdico, disso que era feito o espírito de um nórdico. E é disso que querem que
a Noruega esqueça.
-
Eu o vi, e ele me disse o que devemos fazer. – Disse o Velho.
-
Quem você viu? – Perguntou Torkild.
-
Odin.
Nesse
momento, são interrompidos por um dos moradores, ele traz algo embrulhado em um
pedaço de pano, tinha um cheiro forte e ele fazia certa careta quando chegou
aflito para eles.
-
Meu senhor, desculpe a interrupção, mas pediram para lhe entregar isso com
urgência.
O velho Lamm tomou o
pacote e o desembrulhou.
- Pelo frio do Hel, o que
diabos é isso? – Largou na mesa a coisa que revelou ser uma mão decepada. O odor subiu e deixou no ar
aquele cheiro de ferro e carne. O Velho Lamm olhou-o indignado para o sujeito,
agarrou-o pela gola e o trouxe para perto de seu rosto, o olhar irado.
- Que maldita brincadeira
é essa, seu desgraçado? Mas que porcaria você me trouxe?
- Eu, eu, eu não sei,
senhor, pediram para entregar-lhe isso!
- Quem?
- Não sei, ele estava com
um capuz, e tinha pressa, acabou de sair!
- Mas que maldita
maldição maldosa! Lamark tente pegar esse miserável, e você, vá com ele, agora!
Lamark levantou-se como
um raio e arrastou o sujeito com ele. Torkild falou.
- Pai, há um anel nesta
mão. – Realmente havia um, o sangue derramado e coagulado havia coberto e
escurecido grande parte da mão. Torkild pegou um pedaço do pano e limpou para
que pudessem identificar alguma coisa. E conseguiram.
- Esse anel pertence a
Eldored...
-E provavelmente a
maldita de sua mão, mas que desgraçado, precisamos ir a sua fazenda, venha,
reúna alguns homens e pegue alguns cavalos, vamos partir imediatamente!
Levantou-se, pegou seu
arco e algumas flechas em sua aljava de couro de bode e saiu correndo gritando
ordens e mais ordens. Torkild disparou, subindo os degraus de madeira e
entrando no grande salão, puxou um dos empregados e disse:
- Traga-me Esgmund e mais
dez de seus homens, prepare tantos cavalos para isso, rápido, seja mais rápido
que o trovão de Thor! – O homem o fez. Próximo dali estava Silned, Larza e as
crianças. Chamou Silned que se levantou e foi em sua direção.
- O que houve? – percebeu
a tensão e urgência nos modos de Torkild.
- A fazenda de Eldored
foi atacada, procure deixar Larza ocupada, leve-a para algum cômodo e fique lá
com ela e as crianças.
- Como você sabe disso?
Onde está Lamark?
***
Lamark
cavalgava como um trovão cavalga as nuvens, seguia a trilha pela qual Levin, o
sujeito que entregou o pacote, viu o homem encapuzado partir. Levin vinha logo
atrás.
-
Ele não deve ter ido muito longe, senhor, pedi que trouxessem algo para ele
comer ou beber para retardá-lo um pouco, achei os modos suspeitos demais para
deixá-lo partir imediatamente.
-
Fez bem, o que ele disse quando lhe entregou o pacote?
-
‘’Uma mensagem para o Velho Lamm e seus costumes pagãos. ’’
-
Isso me cheira a merda, isso me cheira a cristãos. – Resmungou Lamark.
-
Aqueles que falam do Deus pregado? Mas eles não falam de paz?
-
Eles falam mentiras.
Era
algo infrutífero, o fugitivo ainda possuía muita vantagem em sua fuga. Ainda
era possível ver as marcas de seu cavalo na estrada, contudo começava a chover
e logo qualquer pista que deixasse para trás seria apagada. Em meio a seus
devaneios investigativos, Levin o interrompe.
-
Senhor, olhe aqui! Parecem pegadas. – Levin conseguiu observar isso já que ia a
um passo mais lento, Lamark reteve seu cavalo e virou-se para ver o que tinha
ali.
-
Ele saltou do cavalo e fez com que continuasse a correr para tentar nos
despistar. – examinando um pouco a cena foi possível observar que realmente
havia marcas do salto do cavalo feito pelo sujeito e do caminho que se seguia
para dentro da floresta. – Fique aqui e cuide dos cavalos, eu o seguirei, fez
bem, Levin.
-
Somente minha obrigação e gratidão aos Land.
Lamark
chegou à margem da floresta, examinando cuidadosamente as ultimas pegadas antes
de se perderem entre as raízes e arbustos. A chuva engrossava, antes agravável,
agora um pouco fria, mas isso não o incomodava. O som da água nas folhas e
troncos era alto e ressoava por todos os lados. Encontrou uma pequena trilha
entre as árvores, e seguiu-a, passando por troncos caídos, raízes retorcidas,
pisando na terra úmida. Logo avistou uma cabana e assim que a viu, abaixou-se e
observou melhor. Havia fogo lá, alguém deve ter acendido para se aquecer. E de
fato viu o homem, estava colocando uma capa encharcada no lado de fora e
voltava, com um pouco de frio para dentro. Lamark seguiu, buscando não ser
percebido, permanecendo imperceptível em meio à chuva, floresta e frio. Ele era
isso e isso era ele.
Aproximando-se
da cabana, sacou a espada, com o chiado metálico sendo abafado pela chuva. Deu
a volta ficou a frente da porta e a chutou. Os trincos e a fechadura voaram,
entrou e apontou a espada para o homem, que descalçava uma das botas. Ele olhou
incrédulo para Lamark. Era esguio e possuía um nariz curvado, largou a bota e
disse:
-
O que esta havendo? Posso saber por que você arrombou a minha porta? – Antes
que Lamark dissesse algo, o homem lançou um punhal, saltando em seguida pela
janela, disparando no meio da floresta. O punhal havia atingido a coxa de
Lamark, arrancou à maldita lamina que devia estar escondida na bota que o
sujeito tirara no exato momento em que entrou, maldita oportunidade. Retomou a
perseguição, agora, conseguindo ver o homem na distancia, ele era rápido, se
esgueirando entre as muitas árvores. Mas Lamark conseguia acompanhá-lo, não era
uma questão de pressa, mas sim de paciência, era uma caçada.
A
floresta ficava mais densa e escorregadia, tudo desfavorecendo uma perseguição,
porém, o importante era ter em mente não perde-lo de vista. Lamark corria,
respirava, corria e respirava. Correr cansa, mas é algo com que pode se
acostumar. Esse tipo de perseguição parece um jogo, é preciso ter precisão em
cada passo, estar atento, desviando dos muitos obstáculos, sempre com o foco no
objetivo. Não demorou muito para o sujeito diminuir o ritmo e logo a distancia
entre eles diminuírem. Constantemente o homem olhava para trás para constatar
com desgosto que Lamark se aproximava.
Estava
quase lá, o homem, cansado, praticamente desistindo, pensava quais eram suas
chances de sobrevivência se parasse para enfrentar Lamark. Sabendo de seu fim,
resolveu subir em uma árvore, agarrou-se ao tronco, meteu o pé em um galho,
depois em outro, e em mais um, agarrando firme cada pedaço do tronco que
conseguisse encaixar bem a mão até que foi puxado para o chão.
Quando
bateu no solo, sentiu o choque fazer tremer todo o seu corpo. Uma maldita raiz
contundiu sua coluna.
- Ai, ai, ah santo Deus,
que dor, ai! Calma ai, amigo! Temos um mal entendido aqui!
-
Talvez haja, você trouxe uma mensagem para o velho Lamm?
-
Ah! Uma mensagem? Eu não sei do que você está falando.
Lamark
observou o pequeno artefato de madeira pendurado no peito do homem em formato
de cruz. Pisou em seu joelho, fazendo força, de forma a prejudicar a
articulação com uma dor rasgada.
-
Céus, fui eu! Fui eu! O que você quer de mim?!
-
Trouxe uma mensagem do Velho Lamm para você.
Nenhum comentário:
Postar um comentário