domingo, 6 de julho de 2014

O Caminho para Valsgarde XIII

Já estava escurecendo quando chegou na fazenda dos Land, fizera bastante esse caminho nos últimos tempos e esperava que continuasse sendo assim, gostava de lá, gostava deles. Eldorin desmontou seu cavalo e retirou sua bagagem que estava amarrada a cela, pendurou-a as costas e saiu dos estábulos. Não usava nenhuma capa, sentindo a brisa agradável ao seu redor, deu uma boa olhada na paisagem que ia desaparecendo na escuridão até alcançar o grande portal do edifício central da fazenda. Deixou suas coisas no balcão próximo e procurou se informar aonde estava o pai.
- Na árvore Skald, com o velho Lamm – disse a criada. Ele agradeceu e seguiu em frente, passando pela cozinha e saindo do edifício, quando alcançou a descida que havia, seguiu pela trilha até avistar a árvore mencionada, foi até lá e encontrou o mesmo círculo de amigos que presenciara um certo tempo atrás. Estavam envolta de uma fogueira recém acessa, próximo a ela havia uma mesa onde alguns mapas se encontravam estendidos com várias marcações e rotas. O velho Lamm estava curvado sobre ela, apontando lugares e lugares para Torkil, enquanto Lamark estava sentado ao pé da fogueira conversando com o pequeno Lanark, olhou em volta procurando o pai até encontra-lo mais à parte que os outros, encarando o céu crepuscular.
- Hmm, mande chamar os outros, Eldorin chegou, seja bem-vindo, filho – anunciou o velho Lamm quando o avistou.
- Obrigado – cumprimentou com um sinal de cabeça, passando pelos bancos de tronco, cumprimentando também Lamark e seu pequeno filho, indo em direção do velho e de Torkil.
- É bom revê-lo – disse Torkil, dando uns tapinhas em seu ombro, após agradecer as boas vindas dos Land, foi até o pai que ainda estava absorto com o crepúsculo. Tocou-lhe o ombro e ele voltou de seu devaneio, sendo surpreendido por um sorriso sincero em seu rosto.
- É sempre um orgulho para o pai ver o menor de seus filhos se tornar um homem – abraçou-o, Eldorin retribuiu satisfeito. Não vira Larza nem o seu sobrinho Eldred. O velho indicou que sentasse em um dos bancos, enquanto os outros chegavam para definirem os últimos ajustes sobre a viagem, estavam decididos a partir no dia seguinte. Esgmund, Guth e alguns outros homens de armas do velho Lamm estavam ali, quando o ultimo tomou seu lugar, ele começou a discorrer.
- Bem, meus amigos, é chegado o grande dia em que tanto nos preparamos. Todos aqui sabem do nosso objetivo, um objetivo que irá salvar nossa era. O pai de todos mostrou-nos Valsgarde em um sonho profético. Nossas volvas urgem com predestinação deste acontecimento e é nosso papel realizar esse dever. Aqui, tenho em minha frente – olhou-os - os grandes heróis da nossa Escandinávia. Nós iremos reergue-la, iremos salvá-la. Traremos mais uma vez nossa era de ouro. Mas para isso, temos muito trabalho a ser feito. Nosso primeiro objetivo é chegar a Valsgarde e encontrar o poderoso artefato abençoado por Odin. A única coisa que unira todo o real poder da Escandinávia em um poderoso punho sobre nossos inimigos é a lendária espada Balmung. Sim – disse, vendo alguns olhares – a espada que Sigurd usou para arrasar o terrível dragão Fafnir. Mas vocês já sabem do que estou falando, amanhã partirá nossa comitiva. Um barco apenas, uma viagem rápida e discreta. Ninguém fora daqui deve saber do que estamos objetivando. Muitos olhares em algo tão poderoso pode virar uma catástrofe, então tudo ao seu tempo. Partirá a nossa comitiva formada por 35 voluntários, dentre eles os meus próprios filhos, Lamark estará encarregado de encontrar o artefato, enquanto Torkil liderará essa expedição.
Alguns conversaram, pesando as decisões do velho Lamm, ele esperou que pensassem um pouco antes de voltar a sua fala.
- Valsgarde se encontra na Suécia, próxima de Uppsala, em Uppland, o lugar sagrado da Escandinávia. Vocês partiram pela costa norueguesa, seguindo as estrelas do oeste e em ao sul, acompanhando a costa sueca, até alcançarem o encontro do rio Fyris com o mar. Não será difícil encontra-lo, ele é muito usado para comércio, e algum de vocês, como Esgmund, já passou por lá mais de uma vez. Após encontrarem essa rota, seguiam pelo rio Fyris, provavelmente precisaram dar alguma satisfação ao porto sueco de Uppsala quando passarem por lá. Talvez alguns ainda lembrem de mim, mas deem alguma garantia de que estão em viagem de paz, eles não costumam ser complicados. Sigam a dentro até alcançarem a região de Oresund. – Ia falando e apontando nos mapas abertos na mesa a sua frente. – Aqui precisarão encalhar o barco e seguir a pé até a região do lago de Malarem. Encontrarão Valsgarde, é o sagrado cemitério antigo, é um enorme cemitério de barcos e até aqui posso guia-los. A espada estará lá, precisaram encontra-la no grande cemitério. – seria difícil, e talvez impossível encontrar algo assim na imensidão que se calculava ser Valsgarde, lendo isso nos olhos, falou - Mas não se deixem se desesperar, é o destino, e ele agira em seu momento, por enquanto, esse é o nosso dever. – encerrou.
Estava decidido e todos estavam de acordo. Conversaram noite adentro, enquanto jantavam a última grande refeição que teriam em dias. Lamark terminou de comer e foi chamado pelo velho, que estava com o inventário do barco para ser confirmado, quando Torkil o reteve – deixe-o comigo. – Disse – vá aproveitar sua noite com ela, ela precisa disso, e você também – sorriu e Lamark ficou grato por isso.
Deixou sua caneca de hidromel sobre a mesa e despediu-se dos amigos mais próximos. Subiu a trilha, passando através do grande salão, e uma sensação de saudade e despedida apertou-lhe o peito com antecedência. Passou pelo centro da fazenda, seguindo até a sua cabana, ainda havia uma luz acesa lá. Abriu sua porta com cuidado para não acordar ninguém. A casa estava silenciosa, andou por entre os quartos, verificando cada cômodo. Lanark estava dormindo e para a surpresa de Lamark, Helga também estava ali, adormecera em uma cadeira próxima a cama, com os pés apoiados nela. Pegou um cobertor e a cobriu, enquanto arrumava o lençol que Lanark durante o sono afastara de sua cama, cobrindo-o também, mexeu em seus cabelos e deu um beijo em sua testa, Lanark fungou durante o sono e virou-se na cama. Saindo o quarto, foi até o seu mas não encontrou Silned ali, caminhou até a parte dos fundos de sua casa e a encontrou ali. Estava sentada na relva baixa, olhando o céu que tremeluzia em luzes curiosas, comum em algumas noites na Escandinávia, era chamada de aurora boreal. Sentou-se ao seu lado e ela imediatamente encostou sua cabeça em seu ombro.
- Espero que isso seja um bom sinal – disse ela.
- E é. – ele respondeu.
- Eu vou sentir sua falta. – ela disse, passando o braço ao redor de seu corpo, deitando o rosto em seu peito.
- Lanark irá cuidar de você
- Eu estou falando sério – disse, se aninhando ainda mais em seus braços. Ele tocou o seu rosto, virando-o, para que pudesse olhar em seus olhos, não disse nada, apenas puxou-a para um beijo. Ela retribuiu, subindo as mãos para acariciar seu cabelo enquanto ele puxou-a ainda mais ao beijo, aproximaram-se até caírem para trás, deitando-se enquanto o beijo tornava-se uma sede desesperada nos lábios de cada um, sempre buscando mais um no outro, deixando a satisfação percorrer todo o corpo para cada beijo que era retribuindo. As mãos de Lamark iam agarrando o seu corpo, puxando-o para si, como se aquilo fosse uni-los para sempre, como se fossem tornar-se um só. E nesse momento, só o contato da pele quente do outro pode aliviar a dor de não poderem ser um único ser, incumbindo dedos desesperados de abrirem caminho entre as roupas para fazerem-nas irem embora. Abriu seu colete, desafivelando os nós que prendiam o decote em seu busto, deixando que soltasse os alvos seios dela. Beijou-os, estavam quentes e senti-los em sua pele era um deleite. Ela agarrou seus cabelos pressionando-o contra eles, deixando escapar suspiros de sua boca, puxou Lamark de volta para aliviar-se em mais beijos, suas mãos também procuravam tirar-lhe a túnica que usava, puxando-a de baixo para cima, para que passasse-a por sua cabeça. Abraçaram-se ainda mais, sentindo o corpo quente de cada um.
Mas nunca é o suficiente, e logo os beijos se tornam mais incansáveis, mais insaciáveis. As mãos procuram desesperadas descobrir qualquer parte do corpo, para que possam se encontrar ainda mais naquele abraço ávido. Subiu o seu vestido, passando a mão em sua coxa, apertando enquanto sentia ela se arrepiar com o toque do vento noturno. Ela desamarrou a presilha de sua calça enquanto o beijava, procurando o seu membro, para encontra-lo firme, quando o alcançou, puxou-o para fora. Continuaram o beijo enquanto se aproximavam ainda mais, Silned trouxe-o para entre de suas pernas para que sentisse ele roçar nela. Os beijos parecem tornar-se mais incontroláveis, sendo impossível fazer qualquer coisa sem estarem com os lábios juntos. Cada vez mais sentia o seu membro entrar dentro dela, agarraram-se e ele foi até o fim, sentiu ela apertar o cabelo de sua nuca e suspirar, suspendendo o beijo em que estavam. O seu quadril começa a mexer-se deixando que a cada volta perpasse uma sensação eletrizante entre ambos.
Vira-se, levando-o junto, para cima, montando sobre ele, inclinando para que continuasse a beijá-lo enquanto sentia seu membro todo dentro dela. Deslizando sobre ele, enquanto sua mão toca seu rosto, seu peito, acariciando com um misto de carinho e paixão. Até que parece que isso ainda não é o suficiente, movendo-se com mais velocidade, com mais força. Lamark a puxa e gira, virando-a para baixo, dessa vez ficando por cima, agindo com mais força, a beijando e mordendo enquanto seus corpos movem-se desesperados para se juntarem. Até que o beijo torna-se uma coisa ritmada com o corpo, e por um momento, parece que o corpo de ambos age em sintonia, eles finalmente tornam-se um só.
***
            Torkil havia explicado a ela que partiria em breve, mas que não se sentisse má por isso, e ela não se sentia realmente quando soube disso no começo, mas com o tempo que passou junto dele e das pessoas na fazenda, passou a vê-lo um pouco mais como pai, parecia que ela tinha mesmo uma família. E agora ele estava indo embora, e um certo rancor passou por sua mente. Ele foi acordá-la nesta manhã e a levou para quebrarem o jejum juntos. Serviu à na cozinha e sentou ao seu lado, comeram em silêncio enquanto ela ia pensando porque tinha de ser assim, porque os homens partiam e as mulheres ficavam? Porque ela não podia ir junto com ele?
            - Posso ir com você? – quebrou o silêncio. Ele a olhou e riu.
            - Pode.
            - Posso?
            - Não. – voltou-se para ensopado – Um dia te levarei em uma viagem, mas nesta não.
            - Porque?
            - É perigoso.
            - Mas você vai, se é perigoso, porque você não fica?
            - Porque – pensou um momento – se eu não for, as coisas podem ficar ainda mais perigosas.
            - E quem disse se eu não for não será mais perigoso também?
            - Sossegue, garota – respondeu – o seu papel é ficar aqui.
            - Não posso ter outro papel?
            - Não – pensou – não ainda. Pense nisso, pense em seu papel e quando voltar te ajudarei nisso, prometo.
            - E se você não voltar? – ela disse, meio insegura.
            - Eu voltarei – riu – eu tenho uma maldição de destino.
            Terminaram de comer, Torkil levantou-se e foi para fora, ver como estava o andamento do inventario, verificando então que já estava tudo em ordem e em seu devido lugar. Os empregados estavam preparando para desencalhar o barco e leva-lo para o pequeno cais, onde estavam descarregando as bagagens. Lamark juntou-se a ele.
            - Será uma viagem rápida – disse Torkil.
            - Duas semanas, talvez?
            - Talvez menos, o que irá demorar mesmo vai ser encontrar a coisa.
            - Eu não faço ideia de como faremos isso.
            - Nem eu.
            O velho Lamm veio caminhando, acompanhado por Esgmund, quando chegou perto deles, Esgmund cumprimentou e foi adiantar outras coisas da viagem.
            - Parece que está quase tudo pronto – disse o velho.
            - Sim – disse Lamark.
            - Tomem cuidado, estejam atentos, não sabemos se Olaf esta farejando pros lados da Suécia, é preciso que sejam cautelosos e sobre Valsgarde – olhou-os apaziguador – não se preocupem, vocês a encontraram.
            Concordaram e foram começar as despedidas. Lanark estava com Silned próximo do cais, quando Lamark voltou do barco após embarcar sua bagagem. Correu e o abraçou, Lamark levantou-o aos braços e brincou com seu cabelo – está crescendo feito um javali, olha só como esta pesado! –disse balançando-o nos braços, Lanark riu – sentirei saudades, cuide de sua mãe – beijou-o e o colocou de volta no chão. Aproximou-se de Silned, abraçando-a, sentindo seu rosto deitar sem seu ombro e um tímido beijo enquanto ela roçou uma última vez em sua barba.
            - Se cuide, e não esqueça, eu te amo.
            - Eu também te amo.
            - Aqui, eu e Lanark fizemos – deu um pequeno bracelete feito de couro trançado com um pedaço de madeira atravessado – eu entrelacei, e Lanark esculpiu essa espada.
            - Uma espada, é? – riu vendo o pedaço de madeira tosco.
            Torkil foi até Helga, estava sentada próxima do cais, assistindo a tudo, viu a despedida de Lamark e desejou que todos voltassem são e salvos, as vezes a dor é maior de quem fica do que quem parte. Também ficara apreensiva por Eldorin, gostava dele, era um bom amigo, sempre que visitava a fazendo, caminhava e brincava com ela e Lanark, mesmo não sendo muito bom nisso.
            - Estou partindo, mas voltarei, cuide-se. – Disse, meio sem jeito.
            - Por favor, volte, pai – sorriu – estarei te esperando.
            Torkil retribuiu o sorriso e se abraçaram, foi o primeiro abraço que recebeu dela desde que veio a Noruega, e pensou na última vez que fez isso, será que ela tinha um ano, dois? – obrigado.
Eldored e Eldorin vinham descendo do centro da fazenda. – Então, Vamos lá? – Perguntou Torkil, voltando-se para eles.
- Cuide do meu filho, Torkil – pediu Eldored.
- Eu não falharei dessa vez. – e ao relembrar de Eldar, lembrou de Larza e do pequeno Eldred. – Onde está Larza?
            Eldored olhou amargo para trás – ela não sai do quarto, não quer saber se partiremos ou não, me desculpe por arrumar uma hospede tão...
            - Não se preocupe – respondeu.
            - Ah, eu em envergonho de ter causado isso a vocês, mas, enfim – virou-se para Eldorin – Vá e represente nossa família nessa grande causa – abraçou o filho.
            - Não falharei – disse, indo ao cais, com sua bagagem as costas, antes disso deu um rápido aceno e um sorriso a Helga, que retribuiu tímida, quando voltou-se, Torkil encarava ele.
- Estou de olho em você, seu carniceiro.
Caminharam juntos, sendo recebido e cumprimentado pelos que já estavam no barco. Todos já haviam entrado, com exceção de Torkil e Lamark. O velho Lamm e Eldored foram dar o último adeus quando ambos entraram no barco. Cabeça de Lobo era como se chamava o grande barco dos Lands, Com um comprimento de 20 metros, o mastro erguia-se quase 10 metros no ar, com uma vela com listras brancas e azuis, pronta para ser desfraldada assim que ganhasse o alto mar e em sua proa uma cabeça de lobo arregalava os dentes vorazes aos ventos nórdicos.
            - Que os deuses guiem o caminho de Valsgarde a todos vocês. – Despediu-se o Velho Lamm quando os Torkil indicou que soltassem a corda e balançassem os remos. Cabeça de Lobo seguiu no mar tranquilo, e pela brisa ser leve, os remos iam e vinham, acertando a água, empurrando cada vez mais o barco ao seu destino. Cada um assumiu seu lugar enquanto atravessavam a grande baia que molhava as margens da fazenda, contornando, até ultrapassarem os fiordes que erguiam-se temerários e assombroso, e eles demoraram para saírem de vista quando fizeram o contorno em direção ao oeste. A viagem seria tranquila, pois não precisariam distanciar-se muito da costa, foram acompanhando a Noruega até o dia afundar-se no mar e continuarem seguindo, lendo as estrelas. Assim como o primeiro dia, o segundo não trouxe nenhum problema, com Cabeça de Lobo subindo e descendo as ondas que aqui e ali levantavam-se mais ousadas. Quando o vento ficou forte, descansaram os braços e soltaram a grande vela, que inflou-se e lançou o barco a frente.
            E assim os dias seguiram, umas vezes encaravam a imensidão azul que abraçava todo o horizonte à direita deles, outras o enorme céu, que conseguia ser maior que o oceano que navegavam e por fim sempre aquela última olhada para a linha distante que era a costa Norueguesa. No dia seguinte alcançaram a fronteira da Noruega com a Suécia, definida pela grande cordilheira montanhosa que divide o território de cada país. Constatando isso, aproximaram mais o barco da costa, para que não perdessem a entrada do rio Fyris. Acompanhando a via costeira sueca, não se via muita distinção entre ela e a Noruega, a não ser pelo frio que parecia ser bem menos severo para esse lado. A medida que seguiram, foi possível ver que o número de montanhas diminuía, dando lugar a campos mais abertos e verdes, até que, alguns dias observando a bela paisagem, conseguiram observar o encontro do rio Fyris. Nessas alturas, já estavam bastante próximos, mas com a cautela de não levantarem suspeitas, nem muito menos assustar ninguém. Aproximaram-se então da região sueca, entrando no país através do rio que corria grande e largo, dando espaço para que avançassem com uma boa velocidade.
            A vista sueca revelava um pais belo e agradável, aqui o frio não era tão rigoroso quanto seu país vizinho, com uma paisagem verde e aconchegante, para todos os lados podia-se observar os campos de relva sibilando com o vento e grandes árvores erguendo-se com grossa vegetação cercando-as. Mas esse espaço verde foi dando espaço para algumas fazendas. Nenhum fazendeiro pareceu incomodar-se com a passagem dos estrangeiros, demorando-se pouco tempo observando-os, logo retomando o trabalho na terra. Agora eles estavam remando, para que pudessem manobrar o barco com cuidado nas áreas rasas. Com um bom tempo seguindo pelo rio, observando as colinas verdes preencherem os seus arredores, começaram a avistar os sinais de que a grande Uppsala estava se aproximando. As pequenas começavam a dar lugar para verdadeiros edifícios engenhosos, com porto e barcos encalhados, em certa parte do percurso, precisaram manobrar para passar por dois barcos encalhados que quase trancavam todo o caminho. Desceram ainda mais, vendo os arredores da cidade surgir por onde passavam, até que enfim avistaram a grande Uppsala e realmente era enorme. A cidade possuíam grandes edifícios de madeira com belos adornos, um em especial destacando-se mais que os outros, ao longe, seu teto esculpido e bem trabalhado assemelhava-se a um grande barco de barriga para cima, a partir dele a cidade crescia repercutindo a beleza de cada casa erguida. Muito além, em uma distância que não poderia ser vista por onde estavam passando, havia três curiosas formações, três colinas erguiam-se lineares, com a mesma altura, uma ao lado da outra, onde alguns teimavam em dizer que eram os túmulos de Thor, Odin e Freya. E com toda a prosperidade que o condado de Uppsala revelava, era difícil duvidar disso. Quando se aproximaram, o elaborado porto possuía vários barcos aportados, revelando mais além um grande portão de madeira. A guarda responsável olhou curioso para os recém chegados, e como o Velho Lamm sugeriu, para dar as devidas satisfações. Era necessário explicar o que trazia estrangeiros adentrando o território.
            - Olá – Torkil anunciou quando pararam o barco na guarnição do portão – sou Torkil Landson, somos seus vizinhos, viemos da Noruega para uma expedição seguindo adentro pelo Fyris, para a região de Oresund. – O guarda encarou-o desconfiado.
            - E posso saber o que traz vocês tão longe de casa para o interior de nosso pais?           - Ainda há aqueles que persistem nos antigos costumes, Uppland é um lugar sagrado para muitos de nós, é uma viagem importante para os nossos corações. – o guarda pareceu compreender.
            - Entendo, Landson, espero que compreenda que precisaremos de uma garantia de que não irão perturbar a nossa paz. – indicou para o barco – quero hospedes que aguardem aqui na nossa guarnição o retorno de seu barco.
            - Nós compreendemos. – Virou-se para a tripulação – preciso de dois voluntários para passar alguns dias em Uppsala, quem? – nem todos estavam animados para suspender a viagem ao interior sueco, mas era um mal necessário. Guth e Frigg ofereceram-se para descansar e esticarem as pernas em Uppsala enquanto seus colegas não retornassem.
            - Voltaremos em breve – Torkil concluiu a negociação enquanto Eldorin e Alest ajudavam a passar algumas bagagem a Guth, enquanto Frigg ainda estava saindo do barco. O guarda deu o sinal aos responsáveis pelo grande portão, que foi aberto momentos depois da confirmação. Seguiram então viagem ao interior da Suécia pelo rio Fyris.
            Viajaram o resto daquele dia, até encalharei o barco e armarem um acampamento, partindo assim que o céu deu indícios de sua intenção em clarear. A viagem era mais vagarosa através do rio, manobrando nas áreas rasas e nas várias curvas, porém a paisagem que os cercava era tranquila e isso afetou o espirito deles. Realmente existia ali uma coisa especial, algo divino no ar em que respiravam, e isso enchia-os de satisfação. Porém, com mais um dia de viagem pelo rio, a paisagem começou a alterar-se, a vegetação tornando-se mais densa e menos amistosa, certos percursos do rio, o céu era coberto pelas grandes árvores que curvavam-se sobre a grande correnteza. A esta altura, já deviam estar próximos do lago Malarem, então era necessário encalharem o barco e seguirem a expedição a pé. Quando encontraram uma trégua da vegetação, aportaram. Todos desceram e prepararam o acampamento para mais uma noite. A densa vegetação passava uma tenebrosa impressão.
            - Tem certeza que é melhor pararmos por aqui? – perguntou meio incerto Eldorin a Lamark, enquanto um ia passando as bagagens e ferramentas para o outro ir retirando-as do barco.
            - Não temos muita escolha, Esgmund imagina que já estamos no ponto certo de desembarcarmos, isso se não tivermos passado do ponto. Mas não se preocupe, logo estaremos voltando para casa.
            - Não é isso, é só que tenho uma má impressão daqui.
            - Estamos em uma terra sagrada, tente não confundir a intenção dos Deuses.
            - Eu sei.          
            Procuraram galhos e troncos apodrecidos para fazerem uma boa fogueira, um dos homens já descascava algumas lebres trazidas na viagem, enquanto outro já preparava um caldeirão com água para ser fervido o ensopado. Apesar de cada um estar com sua ocupação, em cada íntimo, sentiam uma opressão no ar. Aquela era uma Floresta densa e obscura, encará-la muito os desencorajavam, fazendo com que se virassem e procurassem afastar esse tipo de pensamento.           
            Torkil estava no barco, observando os poucos vestígios do céu através de um pequeno rasgo no teto criado pelas enormes árvores. Ainda estava claro, muito embora onde estavam parecia já ser tarde da noite. Deviam estar pertos, Esgmund encontrara uma trilha que saia da clareira em que haviam resolvido parar. Estava tentando ver a direção em que a luz desaparecia no céu, para poder situar a posição e poderem partir com mais certeza do caminho que estavam trilhando, por sorte, o lago Malarem era gigantesco o que significava que invariavelmente chegariam a ele. Foi quando um grito puxou-o de volta de seus devaneios.
            Virou-se para o acampamento, os homens estavam reunidos ao redor de alguém caído, houve certa comoção, ouviu o som de lâminas abandonado suas bainhas e o gemido de alguma criatura. Pulou fora do barco e correu através do acampamento, abrindo espaço para ver o que acontecera. Nogzi, um dos jovens tripulantes que estava voltando da floresta com um tanto de lenha, estava no chão ferido, sua perna estava rasgada, entre frangalhos de sua roupa e de sua pele, enquanto do seu lado jazia um lobo rosnando em seu leito de morte, assim que meteu os olhos nele, Esgmund desceu o último golpe, sessando com sua vida.
            - O que diabos foi isso? – perguntou.
            - Eu não sei, esse lobo atacou Nogzi quando estava voltando da floresta, mas que maldição – disse Esgmund, cuspindo, limpando com as costas da mão o resto de saliva que escorreu de sua boca.        
            - Raios, alguém precisa cuidar desse ferimento – disse Torkil, procurando Yves, o responsável pelos cuidados medicinais da expedição. Se apressou, era pequeno e atarracado, carregava várias bolsas, abriu espaço entre os espectadores, ajoelhando-se e dando ordens para lhe auxiliarem, foi quando um uivo cortou o silêncio da floresta. Não era um simples uivo, era um tenebroso rugido, que reverberou no coração de cada um.
            - É uma alcateia. – disse Lamark.
            O uivo continuou rugindo alto e ameaçador até que foi silenciado. Todos encararam a escuridão entre as árvores e por um momento o único som foi o gemido de dor de Nogzi. Yves preparou ataduras enquanto tentava amenizar o máximo que podia o ferimento aberto pela mordida do lobo.
            - Mantenham-se juntos, eles não atacarão enquanto não nos separarmos, eles sabem que não podem conosco. – Disse Torkil. – Aumentem a fogueira.
            Escureceu e foi definida as vigílias para a noite, Lamark estava sentado à beira do rio, roendo os pequenos ossos de uma lebre, enquanto Torkil partia um pedaço de pão e lhe entregava.
            - Eu não esperava por isso – disse, pegando o pão.
            - Eu também não, mas eles não ousarão se aproximar.
            - Aquele ali pareceu bem ousado. – continuou Lamark, Torkil teve de concordar.
            - O fogo também irá afastá-los, fique de olhos abertos.
            Apesar da apreensão, a noite seguiu-se sem mais preocupações, a não ser por outro uivo, mas um solitário, do outro lado do rio. Quando amanheceu, dez ficaram para cuidar da embarcação e de Nogzi, o restante partiu. Subiram uma comprimida trilha entre as árvores, e por mais que tenham andado grande parte daquele dia, tudo que viam eram árvores e mais árvores. A paisagem escureceu rápida, e com ela, vultos mais escuros começavam a cruzar o caminho. Farfalhar de passos na distância eram ouvidos com maior frequência, porém foi com alívio que eles saíram da densa vegetação para encontrar um grande lago, o lago Malarem.
            Quando Lamark sentiu os pulmões encherem-se com ar renovado, toda a comitiva caiu de joelhos à beira do lago, aliviados, pois encurralados como estavam entre as árvores eram presas fáceis para uma matilha. No entanto foi com desgosto que outro homem gritou, o último a sair da borda da floresta, com um enorme lobo agarrado ao seu ombro, a criatura lançara-se no momento de descuido do pobre Svante ao se animar em sair da floresta. Caiu de joelhos, agarrando as orelhas do animal, mas a criatura girava sua cabeça para todos os lados, aumentando o ferimento, outro lobo surgiu, mordendo o calcanhar de sua vítima, puxando-o e arrastando-o para dentro da floresta. Svante caiu de cara no chão, enquanto o primeiro lobo preparava outra mordida. Foi quando Esgmund lançou um de seus machados no animal, que pegou de mal jeito, resvalando no grosso pelo cinzento. O lobo abocanhou a nuca de Svante e um ‘’ track’’ ressoou do corpo agora inerte de Svante. O animal virou-se e rosnou para eles, enquanto o outro arrastava o corpo para a floresta. Esgmund lançou-se sobre o lobo, mas esse esquivou-se e desapareceu na densa mata, não havia nenhum vestígio sequer do ataque, a não ser pela trilha vermelha feita pelo corpo em direção a borda da floresta.
            Passaram aquela noite com três grandes fogueiras acessas, encarando a floresta, com o grande lago estendendo-se as suas costas.
            - Como eles foram capazes de fazer aquilo? – inquiriu Esgmund, indignado.
            - Aqueles desgraçados estão confiantes, aqueles malditos animais são piores do que nós em uma caça. – suspirou Torkil. – se continuarmos dando espaço, eles continuaram avançando, cada um tenha a sua tocha e, pelo bom olho de Odin, fiquem atentos.
            Partiram cedo aquela manhã, seguindo ao longo do Lago Malarem, era enorme, parecendo uma porção do mar, sendo quase impossível ver o seu outro lado. Na medida em que continuavam a caminhada, as árvores iam dando mais espaços, até ficarem contidas em pequenos conjuntos. Com uma visão mais ampla do ambiente, não demoraram em percorrer uma boa distância. Porém, quando a noite desceu, foi com certo temor que passaram o resto dela encarando olhos vermelhos indo e vindo na escuridão, tímidos demais para se arriscarem.
            No dia seguinte, partiram assim que o sol tocou a barriga do céu. Afastaram-se do Lago, seguindo por um campo aberto, subindo e descendo algumas colinas que deixavam o vento suspirar por entre a relva. Então a paisagem foi se alterando, com contornos montanhosos desenhando-se na distância, o conjunto de árvores novamente voltava a tornar-se denso, enquanto ao meio de tudo uma grande mudança de relevo descia, formando um caminho que levava as montanhas mais além. Seguiram cautelosos a medida em que iam descendo pela trilha. O farfalhar voltou e o som inquietante mexia com eles. Estavam desprotegidos e vulneráveis andando ali, obrigados a seguirem em uma fila. Quando o Sol começou a deitar o rosto no horizonte, jogando sua grande sombra na medida em que se escondia atrás das montanhas, os uivos retornaram.
            Foi então que saltando da borda da floresta, um enorme lobo cinzento aterrissou voraz a frente deles, era incrivelmente grande, do tamanho de um homem, rosnou e uivou, era um sinal. Ao redor deles, lobos saltaram, e era apavorante a incrível quantidade que existia daquelas criaturas ali. Se eles eram 18, havia quase o dobro de lobos, parecendo um formigueiro caindo em cima de um pedaço de fruta. Esses animais astuciosos eram perigosos e estratégicos que trabalham em matilha, perseguindo e estudando suas presas, vendo o ponto fraco e o deslize, prontos para aproveitarem qualquer descuido. Estranhamente ali estavam realmente confiantes e ousados, provavelmente acompanharam a comitiva por todo o percurso, esperando o melhor momento para ataca-los.
            Eldorin instintivamente virou suas costas, deixando a mordida do animal raspar pela bagagem que estava em suas costas, passou rolando mas já virando em pé para ele. Nesse tempo sacara sua espada e deslizara em direção ao lobo, ganhando espaço, até que o animal saltou novamente sobre ele, deixou-se cair com a espada levantada em direção do lobo, que, quando caiu com a boca arreganhada cheia de dentes para mordê-lo, foi vítima do próprio peso sobre a lâmina, Eldorin terminou o serviço, encravando a espada até o cabo, depois empurrou o animal morto para o lado e viu seus companheiros em uma luta selvagem contra as malditas criaturas.
            Lamark também já matara um dos lobos, quando outro saltou em sua direção, foi preciso no momento em que abaixou-se, deixando o animal cair para os lados, virando no ângulo perfeito para atingir o animal com sua espada, correu para auxiliar Esgmund que caíra para trás com um outro agarrado ao seu braço. Seu golpe desceu com força no crânio do animal, que amoleceu a mordida e foi lançado longe por Esgmund, que levantou-se com ajuda, agarrado ao antebraço, mas ainda com a espada firme em mão.
            - Esses lobos precisam ser esfolados, mas que merda – disse, vendo o sangue escorrer por entre o punho que acabara de levantar – fez um maldito estrago.
            - Você está bem? – perguntou Lamark, tentando encontrar Eldorin na confusão que se desenrolava.
            - Não se preocupe comigo – disse Esgmund, colocando o escudo – não podemos lutar individualmente com eles, precisamos nos reunir.
            - Tem razão – concordou Lamark – Aqui, todos aqui! – gritou, chamando a todos – raios, todos para cá! Mas que merda, onde está Torkil?
            O grande lobo cinzento que pulara a frente da comitiva avançara sobre Torkil que ia guiando a expedição. Torkil foi rápido, rechaçando o golpe com o punho da espada que foi sacada no preciso momento que o animal aproximara-se. Era o macho alfa, o líder que coordenava aquele ataque e certamente, se ele fosse morto, provavelmente os outros fossem embora. Por isso avançou sobre ele, mas o esperto animal, recuou deixando os golpes passarem no ar, e, usando de sua versatilidade, saltou sobre ele assim que viu seus golpes desferidos em vão. Caiu sobre ele, os dentes prendendo-se em seu ombro, o enorme peso jogando Torkil ao chão, parecia que lutava com um homem, tamanho era o lobo. Porém os dentes do animal não encontraram caminho para a carne por baixo da cota de malha, tentando então balançar a mordida para estraçalhar o couro terrivelmente duro que ele encontrara.
            Torkil socou a barriga do animal que não se deixou desanimar enquanto tentava arrancar-lhe a carne. A curta distância em que estava não tinha como agir com sua espada, largou-a, tentando alcançar o punhal que escondia em sua bota, mas era difícil com aquele lobo do tamanho de um urso em cima dele. Começou então a sentir os primeiros dentes a romperem os elos de sua cota de malha, as patas do lobo cravando-se em sua roupa na medida em que prendia os dentes cada vez mais nele. As patas coçavam e rasgavam, atingindo seu rosto, abrindo um corte transversal por sua boca ao queixo.
A dor não o atingia, estava com o sangue muito quente enquanto tentava alcançar o punhal, tentando então girar para o lado oposto e então lançar-se. O lobo prendeu seu ombro quando tentou esticar-se, mas foi o suficiente para agarrar o punhal. Voltou-se enfiando o punhal através de vários socos na barriga do lobo. A princípio, a mordida apertou ainda mais, até que começou a vacilar, e por um momento, pareceu que o animal pensou em desistir, mas um lampejo em seu olhar quis dizer que morreriam juntos ali, mordendo, determinado a arrancar a vida de seu inimigo também. Percebendo que o animal não lhe largava o ombro, pressionou ainda mais o punhal contra a barriga, porém sentiu sua mão vacilar quando mais uma presa rompeu outro elo, metendo os dentes em sua carne, com uma pressão que nunca sentira antes, se não saísse logo dali, teria seus ossos fraturados.
 Foi então que em um último gesto desesperado puxou o punhal que furara o lobo o máximo que pode e por um segundo seus olhos se encontraram. Os olhos do lobo eram castanhos, e eles pareciam humanos, na medida em que retribuía o seu olhar, e naquele trocar de olhares, pareceu que perdeu-se o tempo em uma eternidade até que o animal fechou-os quando Torkil conseguiu arrebentar sua carne, abrindo um grande corte de cima a baixo, na lateral de sua barriga até as costelas, partindo uma ou duas com a força em que puxara.
Lamark estava olhando em volta, para ver quem ainda não conseguira se reunir ao grupo, quando sentiu o medo atingir o coração como uma flecha disparada da escuridão; Torkil era um dos corpos jogados pelo chão. Saiu da formação, e ainda que um ou dois lobos tivessem vindo em sua direção, acertou um com a boça do escudo e o outro com a ponta da espada, abrindo caminho até o irmão, estava sob o enorme lobo que avançara sobre a comitiva. Ao se aproximar viu o enorme lobo estremecer, firmando a espada em punho e levantando o escudo, pronto para agir caso o animal avançasse sobre ele também. Foi então que o lobo saltou, só que um salto estranho, caindo para o lado de Torkil. O alivio estremeceu seu braço, fazendo soltar a espada, quando viu Torkil levantar-se. 
Estava agarrado ao ombro, o corpo coberto de sangue, no qual percebeu, grande parte não era dele mas sim do enorme lobo que agora jazia morto aos pés deles. A matilha farejou e rosnou quando viu o corpo do líder, intimidaram-se e partiram, disparando como um raio para dentro das árvores, não antes que um último remanescente rosnasse como se quisesse dizer que aquilo não iria ficar assim. Lamark foi ajudar o irmão.
- Acho que tirei o ombro do lugar – rosnou entre os dentes, pressionando o ferimento – aquele diabo tem a força de três homens, mas que maldição.
- Você ficará bem – disse Lamark, passando o bom braço de Torkil por sobre o ombro, ajudando a leva-lo aos outros, que também se aproximavam.
- Muitos feridos? – perguntou.
- Alguns – respondeu Lamark – alguns mortos.
Sentaram-no encostado em uma árvore, enquanto tentava endireitar as costas e tampar o sangramento. Ajudaram a tirar seu gibão e sua cota de malha, travando os dentes tamanha a dor que sentia martelar em seu ombro, um choque que fazia com que encolhesse o braço o máximo que podia, dificultando ainda mais tirar sua roupa. Quando finalmente conseguiram, viram o belo estrago que havia sido feito, o lobo conseguira penetrar quatro dentes em sua carne, dois na frente e dois as costas, no entanto, realmente não conseguira ir mais longe que isso, o verdadeiro dano estava na força em que fora empregada, deslocando o ombro. Estava torto, com o braço caído, abaixo da linha normal de seu busto. Após derramarem uma boa quantidade de água quente sob os ferimentos, constatando que realmente não estavam tão profundos, voltaram a atenção ao ombro.
  - Ele precisa colocar mesmo o ombro no lugar –disse Esgmund, que acabara de lavar o braço com um pouco de água, enfaixando-o, sendo possível observar os pequenos furos vermelhos surgindo sob a atadura. – O maldito Yves ficou para trás, mas acho que sei dar conta disso, venham cá. Lamark, vou precisar de sua ajuda.
Puxaram Torkil, deitando-o no lugar mais regular que conseguiram encontrar, após Esgmund apalpar bastante o ombro, sentindo onde havia o deslocamento, pediu a capa de alguém, dobrando-a de forma que parecesse uma grande faixa, passou uma ponta por baixo do ombro enquanto outra vinha por cima, de forma que pudesse laçá-lo. Indicou que Lamark segurasse o braço, enquanto Eldorin agarrasse os pés de Torkil.
- Quando eu mandar, puxem com força.
- Você sabe o que está fazendo? – Perguntou Torkil. Esgmund olhou para ele, olhou para o ombro, para Lamark e para a capa que estava prestes a puxar. – Eu não sei, acho que sim.
Então puxaram, Torkil gritou, Esgmund fez força enquanto Eldorin e Lamark também fizeram, até ouvirem com sonoridade o ombro estalar. Então Esgmund aproximou-se, pressionando o peito, enquanto recolocava o ombro, mais um estalo e estava feito.
- Pronto – sorriu, vendo a cara de dor de Torkil – agora só precisa mantê-lo em repouso.
- Repouso – Torkil riu, enquanto delirava de dor.
Passaram a noite ali, no meio da pequena trilha. Uma grande pira foi acessa, com os corpos daqueles que caíram. Não dormiram, e assim que conseguiram acalmar os nervos, com a chegada do alvorecer, deram continuidade a caminhada. Estavam próximos, ao que tudo indicava, o grande vale mais além, nos contornos montanhosos, deveria abrigar o grande lago Valsgarde. Seguiram pela trilha, que cada vez mais se alargava, revelando o vale a frente, uma circunferência montanhosa que parecia abraçar um grande lago na distância. Torkil andava, sentindo a luxação em seu ombro morder seu corpo, vacilando vez em outra em seu passo. Eldorin ficara ao seu lado, para tentar lhe prestar qualquer assistência, mesmo que ele insistisse que não precisasse dela. Encerrado mais um dia de caminhada, calcularam que no próximo estariam finalmente chegando em Valsgarde. E com resiliência renovada partiram no dia seguinte, agora adentrando no vale, passando por uma vegetação menos densa, mais espaçada. As árvores não eram grandes e tenebrosas, pelo contrário, parecia que ali era um lugar sagrado. Algo novamente encheu os espíritos deles, fazendo com que seguissem essa caminhada sem muito esforço. Quando por fim saíram da cobertura das árvores puderam encarar pela primeira vez o grande lago Valsgarde.
Era imenso, um lago negro que parecia cobrir todo o horizonte, não fosse pelas montanhas que parecia contorna-lo, como uma mulher que segura uma grande bacia. Devia ser terrivelmente profundo e a nevoa que subia de sua água emanava uma tensão e um mistério reverente. Porém, sua superfície não era lisa, era infestada por grandes embarcações escandinavas, um grande cemitério de barcos. É costume não só na Noruega, como também em todos os outros países escandinavos, o sepultamento de um grande senhor ser realizado em seu barco, com todos os bens que possuía. Alguns eram enterrados, outros eram incendiados enquanto partiam para sua última viagem ao longo das misteriosas águas, aqui, no entanto era diferente. Dizem que somente os grandes heróis nórdicos vieram para as águas de Valsgarde, e que nenhuma chama conseguiu queimar nenhum barco aqui, todos ficaram intactos, e por isso dizem que é um lago sagrado. Apesar disso, aqui e ali, havia embarcações ao meio, outras com a barriga para cima, outras encalhadas na areia, e muitas outras aos pedaços. Era terrivelmente sinistro observar aquela grande circunferência pontilhada para todos os lados por fragmentos de barcos.
- Valsgarde – suspirou Lamark.


          

quinta-feira, 26 de junho de 2014

O destino dos pagãos XII

- Então você é minha irmã? – perguntou Lanark.
- Não, eu acho que sou sua prima. – respondeu Helga.
- E qual a diferença?
- Eu não sei direito, mas não sou sua irmã.
Estavam colhendo conchas na beira da água, na abertura em que o mar espreitava entre as montanhas para molhar as terras dos Lands, algumas pequenas e coloridas, outras um pouco maiores.
- Minha mãe disse que você consegue ouvir o mar se aproximar uma dessas do ouvido – disse Lanark, mostrando uma concha um pouco maior que as outras. Helga sentou-se na areia e pegou a concha.
- Hmmm, eu não estou ouvindo nada.
- Você precisa colocar bem próximo do ouvido.
- Assim?
- Uhum. – Lanark esperou silencioso Helga dizer que estava ouvindo o mar ali.
- Acho que ouvi dessa vez- ela disse e Lanark sentiu-se aliviado.
- Será que tem barcos dentro dessa conchinha também? Se lá tem água. – disse Lanark pegando a concha de volta, sentando-se e colocando-a entre suas pernas, analisando-a. – Se dentro dessa conchinha tem o mar, então...
- Talvez. – Disse Helga levantando-se – vamos?
- Vamos. - Lanark largou a concha na areia.
Já não estava tão frio como antes e os dias retornavam vagarosamente para iluminar o tempo, podia se ver o verde voltar a vegetação e o calor fazer uma breve visita a Escandinávia. Caminharam juntos até a fazenda, passando por entre alguns pequenos barcos encalhados. Lanark estava mostrando a fazenda para que Helga familiariza-se com ela. Para ele foi uma grande novidade ganhar uma nova pessoa na família, e sentia-se feliz pelo tio ter voltado são e salvo, melhor ainda era ver que o pai também voltou bem. E agora tinha essa nova amiga, pelo menos ele achava que era.
Helga esforçava-se para não parecer alguém estranha demais aos costumes locais, mas bastou um pouco de tempo para ver que as coisas seguiam de forma simples e tranquila por aqui. Silned, mãe de Lanark, ensinara-a a costurar e rendar, tentou aprender a cozinhar algo, mas se dava melhor lidando com os animais da fazenda. Isso era bom pois eles traziam uma paz que ela ainda não encontrara para si mesma. Tirou um tempo para passear com o pequeno Lanark e conhecer melhor a fazenda, era bom porque se sentia à vontade em andar com ele.
            Quando chegaram ao centro da fazenda, Lanark despediu-se dela e juntou-se a outras crianças. Ela estava velha demais para fazer o mesmo, o máximo que podia era procurar aprender alguma coisa com alguém. Voltou para os currais onde provavelmente Geri, um dos funcionários, estaria esperando ela para dar uma mão.
            Próximo da casa do velho Lamm, na área de treinamento, Torkil estava encerrando o treino da manhã. A maioria dos garotos conseguira pegar jeito com a coisa, muito embora um ou outro desse mais trabalho para pegar no tranco. Eldorin abandonaram os treinamentos para voltar a sua fazenda, resolvera aprender a administrá-la com a ajuda de Esgmund nesses dias que precediam a grande viagem. Quanto a Eldored, resolvera ficar para auxiliar o velho Lamm nos fechamento dos planos para a viagem.
            Torkil terminou de guardar os últimos equipamentos e saiu em direção a trilha que levava para o ancoradouro da fazenda, Lamark estava esperando-o. Alongou e sentiu os músculos retesando-se e depois relaxando. Não tivera tempo de pôr os olhos em Helga mas sabia que ela devia estar se virando por ai. Descendo a trilha viu-a ir em direção aos currais, provavelmente estava indo ajudar Geri com as vacas e bodes. Ela gostava disso.
            Caminhou até o pequeno cais da fazenda onde encontrou Lamark e Guth desencalhando o barco de pesca. Não chegava a ser grande como um barco longo nem tão pequeno quanto uma balsa. Devia ter um comprimento de 5 a 6 metros, nas laterais havia um par de remos, e embaixo dos bancos possuía um estoque de arpões usados para atingir as pequenas baleias que costumavam caçar. Tirou os sapatos na beira da água e entrou, ajudando a desencalhar o barco junto com os outros, quando este desprendeu-se do solo, todos pularam para dentro. A água estava fria, mas não tão fria como usualmente era, o céu estava claro, ainda que não o dia inteiro, ele já deixava o dia se estender cada vez mais. No horizonte Erguia-se os fiorde e muito timidamente podia se ver o mar crescendo mais além. Lamark e Torkil tomaram os remos enquanto Guth preparava os arpões.
            - Aonde iremos dessa vez? – perguntou Torkil.
            - Um filhote de baleia anã perdeu-se do grupo na enseada mais próxima, aqui à oeste – apontou Guth, parando de emendar um dos arpões para indicar o lugar na imensidão de agua e rocha. – é a presa perfeita. Foram dias ruins no escuro de sempre, precisamos retomar nosso estoque.
            - Sim – concordou Lamark, puxando e empurrando seu remo.
            A água começou a escurecer na medida em que se distanciavam da praia, atingindo um tom negro. Ambos iam olhando a fazenda ir diminuindo na distância. Foram mudando a rota até irem mais a leste, para onde Guth havia explicado. Remaram em silêncio, remoendo pensamentos inquietos. A viagem estava se aproximando, a grande busca.
– É aqui. – anunciou Guth. Torkil e Lamark pararam de remar e agora puseram-se a inspecionar as águas próximas. Era uma região próxima a um dos grandes fiordes, formando um tipo de meia circunferência. Ao se aproximarem, pode-se perceber a claridade da água rasa em contraste com a profunda em alguns lugares. Provavelmente isso reterá a pequena baleia de sua família, na qual nunca mais voltaria a reencontrar.
Não demoraram para perceber um janto de água a pouco mais de 50 metros de onde estavam, era ela. Voltaram-se em sua direção e remaram de forma vagarosa. Guth preparou um dos arpões e indicou para os irmãos, para saber quem iria disparar.
- Deixe comigo – disse Lamark. Levantou-se e subiu na ponta do barco, preparando o arpão, enquanto vasculhava a área em busca de sua presa. Pela área ser mais rasa, conseguiu observar a mancha negra que se deslocava a alguns metros.
- Tem certeza que era um filhote? – riu, indicando o caminho para que remassem o suficiente para conseguir fazer um bom lançamento. A mancha não era tão pequena, devia possuir uns 6 metros de comprimento, o que indicava que deveria ser um jovem adulto. – Isso é bom.
- Ou mal – disse Guth. Lamark resmungou e preparou o primeiro lançamento. Disparou, a lança voou até descer na direção da mancha a menos de 10 metros, raspou em algo e mergulhou na água.
- Quase – disse, enquanto puxava a corda do arpão, quando terminou de recolher, preparou um novo lançamento, agora, enquanto Guth e Torkil manejavam os remos para que se aproximassem novamente da baleia. Conseguira atingi-la, porém não o suficiente para penetrar sua carne, talvez se chegassem mais perto. Quando a avistou novamente, preparou-se e esperou até que estivessem a menos de 7 metros. Apesar do arranhão, a baleia não estava irritada, aproveitando sua quietude, lançou. O arpão ficou em pé, fincado na carne do animal, balançou-se e desapareceu dentro da água quando a baleia mergulhou assustada. E realmente não se tratava de uma baleia criança, era um adulto, pois tentou reagir ao ataque, lançando-se para cima, cabeceando o barco. Lamark desceu com o impulso, caindo sentado. Apesar de já ter a baleia presa, era necessário abatê-la. Como esta era grande demais, não podiam arrastá-la para o barco e acerta-lhe marretadas. Guth passou outro arpão para Lamark, enquanto Torkil manejava o barco para que pudessem reencontrar o animal.
Seguindo a corda que prendia o arpão preso a baleia, viu-a surgir irritada com o ferimento, pronto para outra investida. Lamark foi rápido, lançando o arpão no que poderia ser a cabeça do animal, que, devido à proximidade, fora atingida com todo o potencial do disparo. Vacilou, chocando-se no casco do barco, resvalando e passando direto. - Rápido, Seguindo a corda que prendia o arpão preso a baleia, viu-a surgir irritada com o ferimento, pronto para outra investida. Lamark foi rápido, lançando o arpão no que poderia ser a cabeça do animal, que, devido à proximidade, fora atingida com todo o potencial do disparo. Vacilou, chocando-se no casco do barco, resvalando e passando direto. – Rápido, passe-me outra! – exclamou Lamark.
            Guth apressou-se em passar mais um dos arpões, Lamark mirou e lançou, atingiu a baleia em suas costas. – Mais uma e será o suficiente- disse.
            A baleia estava zonza, contornava o barco, tentando atingi-lo de alguma forma.
            - Às vezes me espanto com a percepção desse animal. – Disse Torkil.
            - Eu também. – Completou Lamark. Lançou o arpão, dessa vez fora preciso e profundo, penetrando mais que os outros. A baleia ainda tentou reagir, mas sua vida a abandonou. Puxaram-na, preparando-se para amarrá-la com firmeza, para que pudesse ser levada para o cais da fazenda. Foi quando outro espirro na água revelou que esta baleia não estava sozinha. Guth largou os arpões que retirara, levantando-se para que fosse possível ver.
            - Encontramos nosso filhote. – Anunciou. Torkil e Lamark trocaram olhares.
            - Provavelmente este adulto veio procurar o filhote. – Disse Torkil.
            - Como você fez indo a Irlanda. – Falou Lamark.
            - Só que você teve sorte – disse Guth sentando ao lado deles – ela está chorando. Esses monstros se parecem mais conosco do que imaginamos.
            - Monstros.
***
           
            Estava arando a terra, com o retorno do Sol, finalmente podiam voltar a trabalhar na fazenda. Espreguiçou as costas já um pouco velhas enquanto observou a filha e sua mulher carregarem água aos seus animais. Quando retomou o trabalho observou que o cabo do arado estava se partindo. Deu uma boa olhada e viu que com um conserto poderia retardar a rachadura. Foi até o lado de fora de sua casa, onde usava uma pequena tenda como oficina, procurou um martelo e algum pedaço de tabua velha. Quando ouviu cavalos.
            Largou o arado e foi até a porteira da fazenda ver quem chegava. Uma grande comitiva surgiu no caminho. Eram homens vestidos em aço, de 10 a 15 guerreiros, dentre eles, viu um que se sobressaia por sua austeridade. Todos entraram pela porteira escancarada de sua fazenda, ele só podia vê-los fazerem isso.
            - Quem é o dono desta terra? – Disse um dos homens que acabara de descer do cavalo, indo em sua direção.
            - Sou eu, senhor. – o homem encarou-o.
            - Vive sozinho aqui, senhor? – sentiu o suor frio descer atrás de sua orelha. Eram homens do rei, eles andavam vasculhando a área nas últimas semanas. Estavam caçando pagãos. Ele era pagão, assim como sua mulher e filha. Soubera do alarde que Olaf fizera nos últimos tempos, mas esforçara-se para manter seu culto discreto, no entanto era complicado pois sua mulher era uma volva, uma mulher xamã ou bruxa, como eles chamavam. Era difícil esconde-la quando fazia um papel para a comunidade próxima. Vinham a ela todas as semanas em busca de ajuda e conselhos, como poderia escondê-la?
            - Moro aqui com minha mulher e filha. – não adiantaria mentir.
            - Onde elas estão?
            - Nos currais, estão alimentando o pouco de gado que tenho. – o olhar do homem não foi simpatizante. Mandou três dos outros irem vasculhar a fazenda enquanto tirava um pergaminho da roupa.
            - Temos uma denúncia de que aqui mora uma bruxa.
            - É engano, com certeza, meu senhor – apressou-se em dizer.
            - Isso não parece engano – avançou, puxando a gola de sua camisa, revelando um pequeno martelo entalhado.
            - Isso, isso não quer dizer nada – tentou dizer, mas os homens já arrastavam sua mulher e filha.
            - É está aqui – disse um dos homens largando a sua mulher aos pés do sujeito. – Eu a reconheço.
            - Sim, eu imagino que sim. Levem-na. – disse o homem, arrastando a mulher para longe.
            - Ei! Soltem ela, seu desgraçado filho de um bode! – rugiu, mas um guarda o acertou enquanto outro o deteve.
            - E quanto a filha? – perguntou o outro, sem se preocupar com sua reação.
            - Façam o que quiser. – disse, sem demonstrar emoção alguma. A garota gritou e um dos guardas a levou para longe enquanto outro tentava se aproveitar, puxando a garota para si.
             - Não – anunciou o homem austero que não descera do cavalo, como os outros. – Essa pagã terá o mesmo destino de sua mãe. – e, olhando para ele – e de seu pai. Levem-nos. – Disse, virando-se e partindo, a comitiva preparou-se para segui-lo, enquanto os demais preparavam os prisioneiros, a última coisa que ele viu foi o olhar de desgosto do guarda – Olaf nunca nos dá prazer. – Ensacaram sua cabeça com um saco de batata.
            Não teve ideia do tempo em que balançou-se no lombo do cavalo, quase de cabeça para baixo. Sentia-se enjoado e com frio, mas estava desesperado demais para pensar nisso. Não podia fazer nada, estava de mãos atadas. Após um longo período de caminhada, foi descido do cavalo e jogado no chão. Pela areia que sentiu e do som que ouviu, deviam estar em uma praia. Não foi necessário se preocupar demais com o que sua percepção conseguia lhe dizer pois logo puxaram fora o saco de sua cabeça. Levaram-no ao homem austero. Estava encarando as rochas próximas a praia. Virou-se quando largou-o aos seus pés.
            - Sabe quem eu sou? – perguntou o sujeito.
            - Eu não sei, meu senhor.
            - Eu sou um bom homem. – Disse, ajoelhando-se, e encarando-o nos olhos – eu sou Olaf Tryggvason, rei da Noruega e salvador de seu povo. – Ainda encarava-o e temeu o que devia passar em sua mente, sentiu-se fraco e a única coisa que conseguiu fazer foi perguntar por sua mulher.
            - Onde está minha mulher? – quis logo saber, mas o olhar de Olaf não foi apaziguador.
            - Sabe que sua mulher é uma volva, e isso é um crime contra Deus.
            - Minha mulher só faz o bem a nossa comunidade, nunca previu ou jogou o mal para ninguém.
            - Não importa – sentiu a raiva surgindo na voz possante de Olaf – não importa – repetiu – se ela faz o bem se a fonte é o mal, ela precisa ser punida, e você e sua filha também, foram cumplices desse crime contra o grande Senhor Jesus Cristo.
            - Os Deuses falam por ela, senhor, ela tem ajudado os camponeses, nunca fez o mal – suplicou.
            - Seus deuses não passam de demônios! – Olhou irado – Seres do mal agindo contra a vontade de Deus. Então assume que sua mulher falava com demônios?
            - Demônios? Não, não, demônios?
            - Ela fala com demônios, ela precisa pagar por isso.
            - Senhor, eu juro, por fa...
            - Chega! – exaltou-se – Tenho outra coisa que quero tratar com você.
            - O que você quer saber? Promete que não fará mal a minha família se te ajudar, por favor, me diga que não hesitarei em ajuda-lo. – Engoliu em seco, ao que parecia, não estava em posição de fazer nenhuma exigência. Olaf ficou em silêncio.
            - Me diga, sabe do incidente em Nidaros? Da Igreja que foi queimada?
            - A igreja de Nidaros?
            - Sim.
            Ele sabia.
            - O que você quer saber?
            - Sabe de alguém que tenha estado por trás desse atentado?
            - Eu não sei muito, senhor, só sei que foi um dos senhores pagãos remanescentes. Foi o boato que ouvi nas redondezas.
            - Que senhor?
            - O velho. – disse, com amargura.
            - O velho Lamdrak?
            - Sim, é o que eles dizem, eu juro que é a única coisa que sei.
            Olaf encarou-o com um olhar cansado, levantou-se e apontou para as rochas agora, quase submersas com a maré cheia. – Ali está sua mulher.
            - Minha mulher? Onde? – perguntou, confuso, mas Olaf não o respondeu. Procurou com o olhar, desesperado para encontrar algum sinal dela. Foi então que a viu, estava amarrada a uma das rochas, a água beirando seu queixo. Apressou-se para correr e nadar em sua direção, pisando com força na água até conseguir se lançar em um mergulho, nadando desesperado. Não contou quantas braçadas deu nem quantas ondas chocaram-se em seu rosto até alcança-la, estava quase submersa, apenas seu olhar o assistia se desesperar. Mergulhou ao seu redor para tentar libertar suas amarras. Estava fortemente presa a pedra, eram muitas voltas, seria impossível libertá-la sem uma navalha. Subiu para respirar e encarou o seu mesmo olhar, e ele dizia para desistir. Ignorou isso e mergulhou, tentando arrancar à dentadas alguma das amarras. O tempo passava e em sua agonia e pressa, quebrou um dente, ferindo a gengiva com o caco. Subiu para respirar e ela já estava coberta pela água, mergulhou e a encarou, ainda o olhava. Tentou subir para pegar um pouco de ar para passar por sua boca, mas quando encontrou seus lábios, eles estavam fechados. Soprou o ar neles mas nada aconteceu, estavam fechados e frios.           
            Olaf deu um último olhar ao horizonte, verificando o desespero do pobre miserável antes de instigar o cavalo trilha acima. Um de seus guardas, o homem que carregava as sentenças e as listas dos suspeitos de paganismo na região, aproximou-se e perguntou – não vai contar da filha para ele? – ela também estava amarrada as pedras.
            - Vou deixar que descubra sozinho. – Olhou sombrio para o guarda – é o destino que todo pagão merece.

            

domingo, 15 de junho de 2014

Fogo do inferno XI

Já havia parado de chover e o cheiro da estiagem pairava no ar, ia pisando incerto e com passos trêmulos pela trilha lamacenta que serpenteava até a estrada de comércio que levava a Nidaros. Um manto velho surrado descia em capuz, cobrindo-lhe o rosto. O cheiro de estrume de vaca deixava claro que havia passado a última noite em um curral. Quando alcançou a terra mais compacta da estrada e seguiu por ela, encontrou alguns guardas que não deixaram de notar o péssimo cheiro que sentiram do sujeito. Eram apenas dois e não havia mais ninguém na estrada. Um sabor sádico perpassou-os e decidiram provocar.
- Ei, saco de bosta, não pense que vai entrar aqui fedendo a merda, de meia volta e retorne da fossa que saiu – riu o guarda, retirando a bainha da cintura para acertar o mendigo. O pobre homem encolheu-se e procurou seguir seu caminho, fingindo não ter sido chamado atenção. O guarda adiantou-se e o reteve.
- Será que tem bosta dentro dos seus ouvidos, amigo? Que tal se um pouco de surra não tira a merda que você tem na cabeça? – empurrou o sujeito que foi ao chão. O homem espatifou-se na lama, tentando se proteger das pancadas que começou a receber. O guarda acertava pancadas pesadas com a espada embainhada, torcendo para deixar o máximo de lesões possíveis no vagabundo. Foi então que o sujeito virou-se e acertou uma pisada em seu joelho, que dobrou-se para trás, ferindo a articulação e rasgando algum tendão. O guarda foi direto ao chão, caindo de cara na lama, o mendigo desembainhou a espada que foi usada para surrá-lo e a enterrou na barriga, bem abaixo da costela. O guarda gritou de dor mas o mendigo travou a espada e fez com que terminasse rápido.
O outro guarda não estava crendo no que assistia, mas quando pensou em alardear dois outros mendigos surgiram as suas costas e silenciaram ele com uma navalha em sua garganta.
- Arraste-os para a borda da floresta – disse o mendigo olhando ao longo da estrada, verificando se ninguém vinha por ela. Os outros obedeceram e arrastaram os corpos – tirem espada, cota e capa, talvez precisemos – completou Lamark.

Fundada por Olaf Tryggvason, Nidaros era a capital do seu dito reinado e uma das maiores cidades da Noruega. Possuía um grande centro de comércio proporcionado pelo porto próximo do encontro do rio Nidelva e Trondoheimsfjorden. As coisas fluíam rápidas lá, o centro era movimentado e cheio de lojas e tavernas, no porto os homens não paravam de descarregar mercadorias e espólios, enquanto uns negociavam a carga, outros partiam para exportar peles e importar grãos. No centro do mercado haviam trocas de servos por animais e mais ao fundo podia-se ver uma tinturaria, tingindo tecidos, onde escorria pela terra os resquícios da tintura, deixando-a com tonalidades interessantes. Mas o que realmente atraía os olhares para essa cidade era o ponto religioso erguido lá. Saindo do centro e seguindo para longe da margem do rio Nidelva, subia-se ao ponto mais alto de Nidaros, a colina de Storheia. Lá fora erguida a primeira Igreja da Noruega. 
Caminharam em meio as árvores guiado por Guth, que vestia, assim como Lamark, um manto surrado e fedido, desceram uma pequena encosta até encontrarem uma cabana abandonada em meio a uma clareira. Estava velha e metade havia desabado, esquilos fugiram quando se aproximaram. Guth adiantou-se e depois de um momento revirando pedaços podres de madeira, arrastou para fora um grande baú.
- Aqui, Lam, aqui tem o suficiente – disse ele, destravando a tranca e revelando seu conteúdo. Dois grandes garrafões e vários outros menores potes contendo óleo de baleia. Lamark sorriu.
- Eu aposto que sim. Essa maldita igreja não é como as outras, é o que lhes digo, ela é resistente pois foi erguida com aço e pedra, não podemos simplesmente chegar lá e jogar palha queimada para infernizar esses desgraçados, precisamos de mais e isso – apontou para o baú – irá servir.
Era noite de uma comemoração mística cristã, o natal, segundo o Velho explicou, onde festejavam o nascimento do pequeno deus cristão, o próprio Cristo. Em Nidaros haveria o grande evento ministrado por Olaf, e este seria o momento escolhido pelos deuses para retribuir o mal que ele tem feito e ainda assim, um sacrifício aos deuses em homenagem ao yule que se aproximava em alguns dias. Semanas se passaram enquanto rastreavam informações em Nidaros para saber do dia comemorativo e de como as coisas procederiam na cidade. Guth havia chegado antes de Lamark e os outros dois companheiros, Alest e Modric. Descobrira detalhes da cerimônia e sua localização. Agora que haviam verificado o baú, sentaram enquanto Alest tirava de uma bolsa escondida em suas vestes e desenrolava alguns pães e queijo. Quando Lamark pegou o seu, cheirou e preferiu não comentar, ao contrário de Guth.
- Mas que merda, Alest, você usou esse pão pra limpar o traseiro?
Lamark cuspiu.
            Os peregrinos subiam o monte de Storheia vagarosamente através de uma trilha pouco íngreme, seguindo para a proeminente comemoração enquanto um sino reverberava através do início do crepúsculo. A maioria era de mulheres, arrastando crianças e maridos carrancudos. Outros iam ansiosos e tensos, nem todos queriam estar ali, pelo que parecia.
            - A cidade toda veio ver essa mijada? – rugiu Modric de entre as árvores próximas.
            - Parece que são obrigados a isso. – completou Lamark.
            - E são mesmo, eu conversei com um taberneiro – Guth foi explicando – e segundo ele ‘’ louco aquele que não vai’’. Disse que podem ser acusados de paganismo caso não compareçam e não foram poucos os que sofreram na mão dessa gente para aceitar ir para a porcaria do evento. Todo ano é assim.
            - Me pergunto como isso foi acontecer.
            - Dizem que tem magia por trás.
            Era interminável a procissão de peregrinos que subiam o monte, o que tornava simples o acesso ao grande templo erguido no topo da cidade. Havia algumas barracas sendo erguidas a frente da grande igreja e algumas cadeiras foram colocadas para os convidados privilegiados, ao que parecia. A igreja era enorme, maior que qualquer edifício que Lamark já tenha visto nas terras escandinavas, suas paredes eram de pedra e seu teto era de telhas de cerâmica forradas com palha. Sua torre subia alta e em seu tomo zunia incansável um grande sino de bronze. Mais à frente um grande palanque de madeira fora projetado e em meio a isso tudo havia um espaço aberto, o que provavelmente seria para uma apresentação. Não podiam começar a agir ainda, era necessário esperar, tinham muitas mentes atentas no momento.
            Não demorou até todos serem indicados que a cerimônia teria início. Um sacerdote cristão, que Guth explicou se chamar padre ou bispo, subiu ao palanque e deu início.
            - In nómine Pátris et Fílii et Spíritus Sáncti. Amen. – disse, fazendo um sinal em sua fronte com a mão e que a maioria repetiu. – queridos irmãos, hoje estamos reunidos. – era um homem alto e calvo, vestia uma túnica negra com uma facha vermelha rendada em dourado caída sob os ombros. Tinha um olhar cansado mas severo, olhou a todos e continuou – hoje é a sagrada noite do nascimento do menino Jesus.
            Modric cochichou com Lamark. – Ele vai nascer agora?
            - Eu achei que ele já tinha nascido -  completou Alest.
            - Deve ser alguma coisa do tipo.
            - Deve ser.
            O sacerdote continuou a falar sobre a comemoração é deu sinal para uma encenação começar. Um casal chegava a uma tenda cheia de palha para dar à luz a uma criança. Ao que parecia três príncipes foram guiados por uma estrela para presentear o recém-nascido, e com isso todos aplaudiram e fizeram algumas preces ao deus que acabara de nascer. Assistiram em silencio até que fitaram inquietos quando o sacerdote deu lugar a um novo palestrante; Olaf Tryggvason. Lamark já havia visto ele anteriormente quando acompanhou seu pai na última reunião onde os Jarls e senhores nórdicos reuniram-se para debaterem a proposta de Olaf, de legitimar o cristianismo como religião oficial e obrigatória da Noruega. Fora acordado que cada um poderia ter seu próprio culto, muito embora fosse necessário oficializar um, onde todos concordaram em deixar que o cristianismo fosse aceito, contando que fosse dada a liberdade de escolha de cada um para decidir o que queria seguir. A princípio o acordo foi selado e seguido, no entanto Olaf não demorou muito para trair o tratado. Passou a fazer o que já sabemos, a caçar os pagãos.
            Era alto e sério, tinha o cabelo curto e rente aos ombros, a barba era bem cortada e os olhos eram resolutos. Vestia uma túnica vermelha, mas podia se ver a cota de malha por baixo dela, era presa ao meio por um cinto onde pendia uma espada ricamente detalhada. No peito pendia uma cruz dourada incrustada com uma única pedra vermelha e na fronte uma delicada e discreta coroa circundava sua cabeça. Subiu ao palanque e acenou, todos presentes se ajoelharam até ele abaixar a mão e indicar para levantarem-se.
            - Irmãos, louvado seja Deus, nosso senhor. – Todos ressoaram uma resposta. – Nessa noite especial, não deve ser uma noite apenas de comemoração, mas também de lembrar de nosso dever, um dever para o nosso Cristo senhor. Sabemos que a evangelização é o nosso trabalho dado pelo espirito santo e devemos dar continuidade ao que cristo começou na Roma antiga.
            Falava sério e trazia uma força em sua voz, todos olhavam com venerada contemplação, principalmente aos sacerdotes que estavam ao seu redor. Lamark indicou aos outros. – é hora.
            Esgueiraram-se para longe da comemoração e contornaram o grande pátio onde estava havendo a celebração. Aprofundaram-se entre as árvores até alcançarem estacas velhas que antes delimitavam o fim da colina onde então precipitava um precipício, seguiram por ali para não dar chance de serem detectados, contornando a comemoração, traçando o caminho para que conseguissem encontrar a parte de trás da Igreja. Lamark ia a frente, Modric e Alest carregavam o baú e Guth vinha atrás.
            Quando alcançaram o outro lado, continuaram à margem da floresta e observaram. Havia guardas ali, mas poucos, apenas dois, só precisavam ser silenciosos. Lamark assobiou e um dos guardas encarou a escuridão que a noite tornara-se em dúvida, virou-se para o outro e conversaram entre si. Lamark saiu das sombras, com a capa de mendigo escondendo seu rosto.
            - Ei você! – indicou um dos guardas – o que está fazendo ai?
            Lamark acenou a mão, indicando que não era nada demais, arrastou-se até eles e estendeu a mão suja. – esmola para um miserável.
            - Dê o fora daqui – disse um preparando-se para enfiar um ponta pé, mas o outro o conteve.
            - Não faça isso, aqui – remexeu no bolso de sua túnica- aqui, tome, isso deve servir para comp... – foi interrompido por uma flecha em seu peito, largou sua bolsa de moedas e olhou incrédulo o projétil que praticamente brotou em seu corpo. Quando o segundo guarda deu pela situação, Lamark já apunhalara sua barriga, tampando sua boca para silenciá-lo. Indicou para os outros saírem das sombras. Abriram o baú.
             - É preciso que isso seja derramado no telhado e nas paredes. Traçaremos um caminho de óleo interligado para que se inflame de uma só vez. Guth, prepare as garrafas, Modric, você escalará comigo. Alest, você e Guth irão cuidar da parte de trás do edifício. – indicou, apontando para a grande porta e a imensa parede. – Quero derramar na torre, quero dar um espetáculo para Olaf e para os nossos deuses. – todos concordaram, e assim foi feito.
            Modric tirou de sua bolsa cordas e ganchos de aço. Passou-os para Lamark, dando-lhe um cinto de couro por onde passou a corda do gancho, prendendo-a. Fez o mesmo a si mesmo e analisaram o edifício.
            - É alto, mas já subi em coisas maiores – disse Modric. A parede era lisa e não havia apoio algum, a não ser por uma janela fechada no meio do caminho, o que indicava que precisariam usar uma picareta. Devia ter de 15 a 20 metros e daria uma boa queda caso algum pé escorregue-se no mármore molhado da geada. Guth e Alest estavam esperando eles subirem para despejar onde conseguissem sem serem detectados. Então a primeira picaretada atingiu a parede lisa e encontrou as aberturas entre os tijolos. Forçando os músculos, começaram a se impulsionar para cima e a marcha começou. Não demorou até alcançarem a janela e conseguirem descansar um pouco. Prenderam o gancho no portal para aparar alguma possível queda e seguiram. As brechas escorregadias obrigava-os a cravar mais profundamente para sentirem-se firmes, dando um tanto de trabalho mas nada ocorreu de errado até conseguirem alcançar o topo do telhado. Tentaram subir, desajeitados, em cima das telhas, com cuidado para não quebrar nenhuma delas. O céu estava limpo, apesar do vento frio que soprava, o que era bom, sem chuva o fogo correria com maior liberdade até alcançar sua intensidade.
            Lá de baixo, no grande pátio, podia-se ouvir o sacerdote lendo a passagem do livro sagrado cristão. Por cima dos telhados Lamark observou a celebração e algo faiscou em seus olhos. Conseguiu observar Olaf, havia voltado e sentado com os outros sacerdotes, assistindo a celebração.
            Voltou-se para Modric, estava retirando vários jarros de óleo de sua bolsa, passou dois para Lamark e pegou dois, deixou o pacote com os outros jarros e as cordas. Começaram a derramar o óleo. Primeiro na parte da frente do telhado, mais próximo a torre, deixando escorrer entre as telhas até que a palha estivesse bem úmida. Seguiram dessa maneira até molhar a maior área possível que conseguiram. Lamark foi até a torre, subiu nela, escalando e apoiando-se nas dobras. Não era tão alta, e no seu topo encontrou uma grande cruz. Encolheu-se um pouco por trás, para que não fosse percebido seu contraste na escuridão. Levantou o braço e derramou o óleo na cruz, voltando-se para deixar escorrer um tanto de óleo para que possa ser inflamado junto ao telhado.  
            Desceu com cuidado, voltando e tomando cuidado para não escorregar nem pisar na parte molhada, ao alcançarem a outra extremidade, deixou que o resto de óleo que possuía escorresse pelas laterais e pela parte de trás, para que entrasse em contato com o despejado por Guth e Alest. Retornaram e desceram por uma parte limpa da parede, apoiando o pé com firmeza até encostarem no chão. O cheiro forte do óleo pairava no ar.
            Após trocarem as vestes sujas de óleo, acenderam uma tocha. Lamark ajoelhou-se sobre uma perna e fez uma prece aos deuses nórdicos. Era yule e nesse momento na fazenda do velho Lamm deveriam estar comemorando o fim do ponto alto do inverno, o retorno do Sol. Estariam fazendo sacrifícios aos deuses, pedindo uma farta colheita, filhos fortes, boa luta e paz no coração. E ele faria o mesmo. Levou a tocha até uma poça de óleo próxima e deixou o fogo tocar o líquido.
            - Dedico aos deuses esse gesto – disse, deixando largar a tocha – que esse seja a minha oferenda aos antigos deuses de nossa terra, ao nosso pai, ao pai de todos, o grande deus de um único olho. Que em sinal de vingança ele carregue a morada do nosso inimigo. - Então fez se o fogo.
            No pátio parecia que a celebração estava chegando no momento final e mais uma vez a palavra foi dada a Olaf Tryggvason. Todos estavam cansados de assistir a interminável celebração, mas estavam temerosos do que poderia acontecer se fossem embora, mesmo assim um homem velho decidiu partir, sendo interceptado por guardas que o fizeram voltar para o lugar onde estava, xingando consigo mesmo.  
            Olaf havia terminado sua prece quando foi chamado para dar sua última palavra na noite. Estava satisfeito, embora muito trabalho ainda precisasse ser feito. Permitiu-se um gosto especial a si mesmo por tudo que conseguira conquistar e somente essa noite resolveria relaxar quanto a isso. Amanhã seria Natal e era uma época crista de comemoração e recolhimento, de nascimento para uma nova pátria, uma nova Noruega, limpa e pura. Ainda precisaria passar por muita luta para afastar todo o pecado e reivindicar essa terra de Deus, mas ele seria seu guerreiro, seria sua espada.
            Levantou-se e caminhou reparando nos olhares ansiosos de sua plateia. Será que ainda não compreendiam que ele estava salvando-os? Fizera bem e não se arrependia disso. Subiu no palanque e todos o contemplaram com reverencia, era o rei. Não qualquer rei, o rei que os salvou. Agradeceu mais uma vez a Deus em silêncio e voltou-se para eles.
            - Irmãos, foi com grande satisfação que tivemos essa bela e tão grandiosa comemoração, sei que Deus e o seu santo filho estão nos olhando do céu em meio as estrelas – apontou – vejam, não é de espantar que justamente hoje a chuva tenha sido contida? Digo a vocês que foi mais uma ação de Deus para que pudéssemos ter nossa celebração. – e todos olharam com reverência ao céu.
            - Padre Estevan deu-me a honra de encerrarmos a missa orando a oração que o Cristo em pessoa nos ensinou. É importante todos nós orarmos em união porque o inimigo de Deus está em toda parte. – disse deixando suas palavras pesarem sobre todos – e o inimigo de Deus é nosso inimigo. Quem não orar conosco, certamente que não quer unir-se a nós na luta contra o mal e o pecado e porque não iriam querer? Porque devem ser maldosos também. Então, ai daquele que Deus não observar orando! – finalizou, acertando um tapa no palanque, fazendo estalar na madeira. Os espectadores encolheram-se como se o tapa tivesse sido em seus rostos.
            - Bom – olhou severamente a todos, fechou os olhos e então começou – Pai nosso que estas nos céus – disse e esperou um momento, aguardando que todos repetissem suas palavras, então disse mais uma vez, de forma rígida – Pai nosso que estas nos céus! – e, irando-se por ninguém continuar a sua oração, bateu na mesa irritado – o que vocês estão pensando?
             Quando olhou-os, estavam todos horrorizados encarando algo às suas costas. Quando virou-se viu os padres levantarem das cadeiras chocados, voltou-se para a direção em que olhavam e viu a igreja, viu seu contorno brilhante e por um instante achou que estava observando um milagre, a igreja que ele erguera, a primeira em solo pagão, um marco para a cristandade, estava brilhando de divindade... até que a realidade mordeu sua nuca e viu que não era algo divino, era fogo.
            - Santo Deus, o que é isso?

            - É fogo! É o fogo do inferno! – Gritou um padre desesperado.