quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Sobre influência e um pouco da natureza humana


- É verdade que a sua influência é assim tão má, Lord Henry? - perguntou-lhe, alguns momentos depois. - Tão má como diz Basil?
- Uma boa influência é coisa que não existe, Mr. Gray. Toda a influência é imoral, imoral sob o ponto de vista científico.
- Porquê?
- Porque exercer a nossa influência sobre alguém é darmos a própria alma. Esse alguém deixa de pensar com os pensamentos que Lhe são inerentes, ou de se inflamar com as suas próprias paixões. As suas virtudes não lhe são reais. Os seus pecados - se é que os pecados existem - são emprestados. Tal pessoa passa a ser o eco da música de outrem, o actor de um papel que não foi escrito para si. O objetivo da vida é o nosso desenvolvimento pessoal. Compreender perfeitamente a nossa natureza - é para isso que estamos cá neste mundo. Hoje as pessoas temem-se a si próprias. Esqueceram o mais nobre de todos os deveres: o dever que cada um tem para consigo mesmo. É certo que não deixam de ser caritativos. Dão de comer aos que têm fome e vestem os pobres. Mas as suas almas andam famintas e nuas. A coragem desapareceu da nossa raça. Ou talvez nunca a tivéssemos tido. O temor da sociedade, que é a base da moral, o temor de Deus, que é o segredo da religião - eis as duas coisas que nos governam. E, contudo...
- Volte a cabeça um pouco mais para a direita, Dorian, seja um rapaz
bem comportado - disse o pintor, absorvido pelo seu trabalho e apercebendo-se apenas de que surgira no rosto do jovem uma expressão que nunca lhe vira antes.
- E, contudo - continuou Lord Henry na sua voz Grave e musical, e fazendo um gracioso gesto com a mão, tão característico, mesmo já nos tempos de Eton -, se um homem devesse viver a sua vida em toda a plenitude, dar forma a todos os sentimentos, expressão a todos os pensamentos,
realidade a todos os sonhos, creio que o mundo ganharia um novo impulso de alegria que nos levaria a esquecer todos os males do medievalismo e a regressar ao ideal helénico. Talvez mesmo a algo mais refinado e mais rico que o ideal helénico. Mas o mais ousado de todos nós teme-se a si mesmo. O selvagem mutilado que nós somos sobrevive tragicamente na auto-rejeição que
frustra as nossas vidas. Somos punidos pelas nossas rejeições. Todo o impulso que esforçadamente asfixiamos fica a fermentar no nosso espírito, e envenena-nos. O corpo peca uma vez, e mais não precisa, pois a acção é um processo de purificação. E nada fica, a não ser a lembrança de um prazer, ou o luxo de um pesar. Ceder a uma tentação é a única maneira de nos
libertarmos dela. Se lhe resistimos, a alma enlanguesce, adoece com as saudades de tudo o que a si mesma proíbe, e de desejo por tudo o que as suas leis monstruosas converteram em monstruosidade e ilegalidade. Diz-se que as grandes realizações deste mundo ocorrem no cérebro. É também no cérebro, e só aí, que ocorrem os grandes erros do mundo. E até o senhor, Mr. Gray, que se encontra na flor da juventude, viveu paixões que o atemorizaram, teve
pensamentos que o apavoraram e, quer acordado, quer a dormir, teve sonhos
tais, que a sua simples lembrança, fariam corar de vergonha...
- Não continue, por favor! - balbuciou Dorian Gray -, Sinto-me confuso. Nem sei que dizer. Há decerto uma resposta adequada, eu é que a não consigo encontrar. Não diga nada. Deixe-me pensar Ou, mais exactamente, deixe-me tentar não pensar.

O Retrato De Dorian Gray. - Oscar Wilde

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Sobre o ano que passou

''Não foi um ano mau, esse. Pelo menos, ninguém me assassinou.''

Charles Bukowski