sábado, 27 de novembro de 2010

Êxtase


Naquele ano, em que eu estava com dezesseis anos, chegou uma trupe de atores italianos com uma carroça pintada em cuja traseira montaram o palco mais elaborado que eu já havia visto. Encenaram a velha comédia italiana com Pantaleão e Polichinelo, e os jovens amantes Lelio e Isabella, o velho médico e todas as velhas tramas. Eu assistia a tudo enlevado. Nunca havia visto nada como aquilo, com aquele talento, vivacidade e vitalidade. Eu adorava mesmo quando as falas eram tão rápidas que não se podiam acompanhar.
Quando a trupe terminou e recolheu o que pôde da multidão, vagabundeei com eles pela estalagem e ofereci a todos o vinho que não tinha dinheiro para pagar, só para poder conversar com eles. Sentia um amor indizível por aqueles homens e mulheres. Eles me explicaram que cada ator tinha seu papel por toda a vida, e que não decoravam as falas, pois improvisavam tudo no palco. Você sabia o seu nome, conhecia o personagem, interpretava-o e o fazia agir e falar como pensava que ele devia fazer. Aí estava a genialidade.
Era a chamada de commedia dell'arte.

Eu estava encantado. Apaixonei-me pela jovem que interpretava Isabella. Entrei na carroça com os atores e examinei todos os trajes e o cenário pintado, e quando estávamos bebendo de novo na taberna, eles me deixaram interpretar Lelio, o jovem amante de Isabella, depois aplaudiram e disseram que eu tinha o dom. Eu podia improvisar assim como eles.
A princípio, pensei que não passasse de bajulação, mas de uma maneira muito real não me importava se fosse bajulação ou não. Na manhã seguinte, quando a carroça partiu da aldeia, eu estava nela. Estava escondido na traseira com algumas moedas que conseguira economizar e toda minha roupa embrulhada num cobertor. Eu ia ser ator.
Pois bem, seguindo a velha comédia italiana, Lelio devia ser muito bonito; ele é o amante, como já expliquei, e não usa máscara. Se tem boas maneiras, dignidade, pose aristocrática, tanto melhor, pois isto faz parte do papel.
Bem, a trupe pensava que eu havia sido abençoado em todas essas coisas. Eles me orientaram logo para a próxima apresentação que fariam. E, no dia anterior à nossa encenação do espetáculo, circulei pela cidade — um lugar muito maior e mais interessante do que nossa aldeia, com certeza — anunciando a peça juntamente com os demais.
Estava no paraíso. Mas nem a viagem, nem os preparativos, nem a camaradagem com meus colegas atores chegaram perto do êxtase que senti quando enfim pisei naquele pequeno palco de madeira. Eu ia em busca de Isabella cheio de paixão. Descobri o dom de dizer versos e ditos espirituosos que jamais suspeitara ter na vida. Podia ouvir minha voz ressoando nos muros de pedra à minha volta. Podia ouvir as risadas da multidão vindo a mim. Quase tiveram que me arrancar do palco para me fazer parar, mas todo mundo sabia que havia sido um grande sucesso.
Naquela noite, a atriz que representava minha enamorada concedeu-me seus favores mais especiais e íntimos. Dormi em seus braços e a última coisa que me lembro ouvir ela dizer foi que, quando fôssemos a Paris, encenaríamos na feira de St.-Germain e depois deixaríamos a trupe e ficaríamos em Paris, trabalhando no bulevar de Temple, até entrarmos na própria Comédie Française e nos apresentarmos para Maria Antonieta e o rei Luís.
Quando acordei na manhã seguinte, ela havia ido embora junto com todos os atores, e meus irmãos estavam lá.
Eu nunca soube se meus amigos foram subornados para me abandonar, ou se apenas fugiram de susto. Mais provável que seja o último. Seja como for, fui levado de volta para casa mais uma vez.

O Vampiro Lestat - Anne Rice

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Ganância de copas



Bom, vou contar um certo acontecimento, podem acreditar ou não, mas o que resolvi escrever aqui vale a pena ser lido.
Era uma noite daquelas, estava só em casa, a madrugada já chegava e infelizmente não havia encontrado nenhuma programação para a noite. Procurei alguma bebida, em vão, a última eu havia bebido no dia anterior. Procurei alguma comida no armário, mas como sempre eu havia esquecido de fazer compras. Fui até a janela e olhei o céu azul, era noite de lua e o céu estava com uma tonalidade diferente. Resolvi descer e ir para o jardim, deitar e observar as estrelas. Fiquei lá um tempo, uma estrela me chamou atenção e fiquei a observar ela. Pensei:
-Será que há alguém nessa estrela me observando como estou fazendo agora?-
E me dei conta que foi o pensamento mais ridiculo daquela noite.
Era hora de entrar, já passava da meia noite. Liguei a Tv e procurei por algo interessante, fiquei a passar os canais e nada bom me chamou a atenção. Vi passar uns jogos, uns filmes sem sentido, algumas musicas e enfim decidi parar em um seriado. Deitei-me no sofá e voltei minha atenção a TV. Sabe aquela sensação estranha de que está sendo observado? Apesar de só ver alguém indagar dessa forma em filmes, sei que sabem do que estou falando, enfim, era uma sensação incomoda, mas resolvi ignorar, continuei a ver TV. Estava quase adormecendo quando vi um rosto se projetar da parede do corredor. Fiquei quieto sem parar de olhar até ter certeza de que estava realmente vendo aquilo. Era um rosto pertubador, havia uma expressão psicotica, olhos arregalados me fitando como um louco. Era algo fantasmagorico, era meio apagado, estava e não estava ali, os olhos às vezes se mostravam visiveis, outras se tornavam totalmente escuros e indecifráveis como lentes de oculos escuro. Ficamos a nos encarar e de fato era real, o que quer que fosse aquilo estava ali e não era sono ou fantasia. Após concluir isso um medo fez arrepiar os pelos do meu pescoco e eu congelei naquele olhar sinistro. O medo estremeceu todo meu corpo, mas eu tinha que fazer algo o que fez a razão prevalecer, pensei em tentar me comunicar com aquilo, mas tive receio que qualquer movimento meu o fizesse ir embora. Tentei falar, mas minha voz estava presa, não saia, simplesmente não falei. Tentei me mexer também e estava sem forças, não conseguia mover sequer os dedos, somente os olhos que ficaram vidrados observando o rosto. E ele pareceu se mexer, a boca comecou a se abrir e sim, ele iria falar algo...!
- A sua... – O som saiu com um vácuo sobrenatural, e se eu tinha algum medo, ele se intensificou com aquele som...
- ... A sua ganância de copas...
E, como que interrompido, fechou a boca e se recolheu para a sombra da parede.
Fiquei a olhar para o mesmo lugar durante vários minutos e só me dei conta de que já podia me mover quando percebi minha respiração arfante, me levantei e em uma explosão de coragem corri para o corredor a procura daquilo, acendi a luz, corri para o quarto, verifiquei as camas, não, não estava lá.
Desde então essa frase... esse sentido...
A minha ganância de copas.