domingo, 13 de novembro de 2011

Meu Enterro


Não parecia um dia triste como pensei que seria. Não havia chuva, não havia pessoas chorando, nem aquele ar mórbido e triste característicos dos enterros. Fazia um sol tremendo e os pássaros cantavam nas copas das arvores com contagiante alegria. Isso me desapontou um pouco, por que querendo ou não, um dia triste para o seu próprio enterro calharia. Vi as pessoas ao meu redor e poucas estavam chorando, na verdade, ninguém estava, confundi aquela senhora com alergia, achei que ela estava. Não achei ninguém conhecido também, alguns rostos estranhos que sequer lembro, mas nenhum familiar meu, nem um amigo sequer, nem mesmo ela, ah, ela eu pelo menos achei que apareceria, mas não.
Já não basta o fato de estar morto e ser abraçado pela fria morte, ver então que ninguém se importava com isso me incomodou. Andei entre eles e observei a cerimônia. Era tediosa como todas as que eu já tinha visto, mas vi que o padre tinha certa pressa em terminar, ouvi-o dizer para um dos homens perto da cova ‘’vamos acabar logo com essa, preciso almoçar com a minha mãe hoje’’. O coveiro lançava a areia para os ares com gosto, como se cada pá que enterrava e retirava lhe desse mais uma moeda no bolso e seu rosto era visivelmente alegre. Percebi então a miserabilidade da vida, então era isso, cá eu vendo meu enterro miserável, um enterro miserável para uma vida miserável, e eu que esperava algo tão diferente, inusitado talvez, algo com alguma banda tocando algum clássico digno de despedida de algum ente querido, percebi que faltou o ente querido. Aproximei-me de dois homens que conversavam e ouvi o dialogo deles que dizia bem assim:
- Me falaram que não prestava na vida. – Disse um homem baixo e careca, mas com uma seriedade sem igual.
- Eu ouvi dizer que se drogava. – Disse o outro, magro e de óculos.
- E não foi por isso que morreu? Deus tenha a alma dele... Pobre coitado.
- É, pobre diabo, isso sim.
- É, diabo.
- Ao diabo, esse ai.
Engoli em seco e sai de perto, ao diabo eles, que mais tarde vou me empenhar em fazer isso. Fiquei intrigado por não reconhecer as pessoas ali, talvez fosse uma conseqüência da minha morte, não lembrar, pelo menos recentemente, mas de fato não via ali os meus chegados, nem meu irmão, juraria minha alma que pouco vale que ele estaria aqui, pelo menos ele! Ah, isso me incomoda profundamente, a vontade que tenho é de importunar a todos! Como posso ser esquecido e obliterado dos pensamentos deles com a mesma facilidade que deixei a vida? Olhei para o padre, suado e agoniado com a cova que ainda não tinha sido aberta, por certo que resolveram me enterrar ali de ultima hora, e reparando agora, vi que minha cova era aberta no canto do cemitério, bastante escondido e mal localizado, perto de um banheiro, e raios, não é que tem um banheiro ali? Ora, mas que miseráveis são! Nem para me dar uma cova decente? Ri comigo mesmo. Mas ri com raiva. Olhei carrancudo pra tudo aquilo e reparei em uma figura que chamou minha atenção na hora em que pus os olhos, era uma garota, uma garota linda por sinal, e chorava! Aproximei-me para vê-la. Era mesmo linda, seus cachos loiros caiam sobre os ombros nus e com um lenço de renda limpava a ponta dos olhos das lágrimas que escorriam e borravam sua maquiagem. Era de uma pureza tão sem igual, de uma doçura tão grande! Então, seu celular tocou. Ela relutou em atender o telefone mas a persistência a fez tira-lo da bolsa e atender.
- Alo? – Disse com uma voz dura, alta e mal humorada. – olhe, não, hoje não, o que? Sim, o programa é mil e quinhentos, sim, eu faço oral e anal, o que? Sem camisinha? Ora! Mas vá a merda seu puto! - e desligou o telefone. Prefiro não comentar isso.
Cruzei os braços e esperei a maldita cova ser aberta e enfim, abriram. Então, o momento que eu tanto esperava; meu caixão! Dois pedreiros o traziam e um topou em uma pedra e deixou-o cair. Um xingou o outro, o outro retribuiu o xingamento e o padre entrou na conversa e xingou também, a diferença é que ele usava o nome de Deus no fim de cada xingamento. Depois de muita conversa, resolveram-se levantar o meu caixão e colocá-lo na cova.
Era tão estranha essa sensação, ver a si mesmo dentro de uma caixa de madeira, ver as pessoas carregarem como se não houvesse vida ali dentro, o que era verdade, mas, ainda assim... Eu, eu preciso me ver, preciso me encarar uma ultima vez. Avancei a passos largos e passei por todos, o que não era problema já que ninguém me via, saltei na cova e abri o caixão, sim, eu abri ele com facilidade, tamanha era a baixa qualidade de tudo e então...
Um homem velho, enrugado e pálido estava sorrido cadavericamente para mim, mas, esse não era eu, mas que...
- Que diabos é isso em nome de Deus! Saia daí seu maluco! – Disse o padre, enfurecido.
- Você está falando comigo? – Indaguei duvidosamente, levantando minha cabeça para o padre que cuspia mil blasfêmias para mim. – você consegue me ver?
- Mas que baixaria é essa!? Saia já daí seu lunático, não está vendo que está atrapalhando o enterro desse senhor!?
- Senhor, mas esse não é meu enterr...
Fui puxado pelos dois pedreiros que me arrastaram pela grama enquanto todos me lançavam olhares reprovadores e curiosos, me jogaram na calçada do cemitério e por trás de mim fecharam o portão. Meu rosto bateu no chão e cortei meu lábio, passei o dedo e senti o cheiro de ferro do sangue, lambi-o e me levantei.
-É, parece que não morri de novo.