sábado, 13 de fevereiro de 2010

Antes que o Diabo descubra que você morreu


Então você morre, sua vida se esvai de todo seu corpo, você sente toda a sensação de perda, todo calor indo embora, seu corpo ficando frio, seu olhos fechados, seu corpo sem forças, seus pulmões sem puxar mais nenhum ar, seu coração sem bater, sim, sem bater , sua língua, suas mãos, tudo, tudo, o fim, e assim, o fim da linha e você pensa: ''será que aproveitei mesmo minha vida?Será que fui um maldito cristão suficientemente bom pra sentar ao lado do Senhor ou o Diabo vai me pegar?O que fiz de certo?O que fiz de errado?'' bla bla bla. Hoje não é um bom dia para ser mal, não é? Devia ter aproveitado mais, talvez aquela noite com os amigos, ou ter falado a verdade sobre o amor, tudo agora parece expectativas absurdas na sua posição atual, morto. Rezar, talvez seja uma boa!Quem sabe algum anjo não vem salvar você, não é?Mas onde esta sua fé? No que você acredita?Bem, eu acredito na morte e acho que você também, essas coisa a gente pensa que nunca chega até nós, mas chega, afinal, essa é graça. De repente você percebe que não é algo tão ruim assim, onde esta a dor?Onde esta a preocupação?Medo? Não, a morte liberta, a morte é um par de asas. Esse é meu trabalho, eu liberto as pessoas do cárcere da vida. Eu as levo para casa.

Amém

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Par de Botas


-->
Era noite, o corvo parou na janela, fazia noites que ele espiava aquela bota, aquele coturno, tão lindo, tão preto, preto como ele, ele estava apaixonado e disse para si mesmo ''hoje vou roubar esse par de botas''. Se imaginava com o maravilhoso par, tão satisfeito, quem sabe ''o Corvo de botas'',se um gato de botas rendeu um conto talvez até merecesse uma historia . Era o que ele queria, e essa era a noite. A janela do apartamento estava aberta, ele voou e pousou nela, espiou e entrou. Estava escuro la dentro e de certo ele era o único, apressou-se para agarrar o objeto tão estimado mas foi surpreendido por um som ao fundo...
-Quem esta ai?
O Corvo se encolheu, mas que azar, o dono estava em casa, odiava quando acontecia isso.
-Quem?Eu ouvi um bater de asas...é você?-Ele escutou o som de uma arma sendo engatilhada, se encolheu, espreitou e observou, era um homem, ele estava tão aflito, tinha uma foto no colo, uma arma em uma das mãos e na outra enxugava os olhos com um lenço florido.
-Sei que é você...-continuou. O corvo pareceu indeciso, não era algo que se via todo dia, na verdade, era sim, na noite passada viu coisas piores mas isso não convém, o corvo então arriscou falar.
-Sabe mesmo?-Grasnou e o homem respondeu:
-Claro que sei, você veio me levar, não foi?
-Levar?-soou espantado, como assim levar?Tudo que ele queria levar era o par de botas.-bem, não você exatamente.
-Sim, não é você aquele que leva as pessoas quando elas morrem?
-Não, não sou eu, talvez seja um engano...-Papo furado, ele queria o seu par de botas!Mas ele estava curioso, claro, naquela cidade, naquela noite, naquele mundo, ele sentia o cheiro de mais um suicídio patético, mas talvez, talvez houvesse algo mais que patético nisso, talvez algo trágico...
-Claro que é você, você é a morte e veio me levar, escutei seu bater de asas, nunca acreditei de verdade nisso tudo.
O Corvo pasmou, isso era tão cômico!O corvo adorava fingir, adorava dramatizar, ele insistiu...
-Ah, então você percebeu que chegou sua hora...
-Eu escolhi minha hora - disse o homem apontando a arma pro peito. Tão aflito, tão triste, o por que disso?
-Por que quer tirar sua vida, por que me chama?Por que tão triste?
-Por que o amor me força a isso...eu...eu falhei com ele...- o corvo observou ''ele''?Seria um tal daqueles gays como as pessoas falam?E observando a imagem no colo, reparou que realmente era de outro homem.
-O amor só força a amar.
-Mas eu não o amei, devia ter dito que o amava de verdade, eu não devia ter deixado ele ir embora, agora...agora eu, eu sinto a necessidade de pagar esse erro com minha vida.
-Bobagem!- Grasnou o corvo -Você amara de novo, a vida é um moinho, sejamos os cupins dela, não se entregue a uma derrota sem pensar em se levantar...-parou, sentiu-se satisfeito, estava falando coisas tão, como posso dizer, boas?E se ele salvasse esse homem?Talvez valesse o par de botas. Será que ficaria mais interessante se falasse alguma coisa com‘’nevermore’’?
-Não...não dessa vez, eu quero morrer, eu quero chorar, eu o amo como jamais amei alguém.
Ridículo, pensou o corvo, esses homens, jurando a Deus e o mundo que amam, que são isso e aquilo quando não conseguem lidar com eles mesmos. Aquele era um homem fraco, ele se merecia, Deus sabe que o corvo tentou, agora ele quer o seu par de botas.
Voou e pousou sobre o belo par e os agarrou, olhou para o homem e disse:
-Vou levar eles, ok?
O homem pasmou, se sobressaltou, olhou arregalado e disse:
-Minha nossa, um animal que fala!
Se não fosse tão escuro o homem teria visto o sorriso do corvo:
-Minha nossa, um homem que ama!