Em uma taberna em Sciringesheal ele pediu outra
caneca de cerveja. Não estava bêbado e parecia estar longe disso, ponderava e
conversava com um homem ao seu lado, havia homens armados do lado de fora da
taverna, eram seus. Quando uma jovem veio deixar a sua caneca, descuidou-se e
topou, derramando cerveja aos seus pés. Fior disse que não precisava se
incomodar. A garota apressou-se em retirar o avental para enxugar o chão
molhado. O homem ao seu lado sorriu ao ver os seios fugirem no desespero da
jovem que se inclinava.
- Adoro uma vagabunda
desastrada – riu o homem com um dente de ouro que o acompanhava, Irago.
Estendeu a mão e deu um tapa na bunda da garota que espatifou-se em cima da
cerveja. – Gosto ainda mais quando se
suja.
O taberneiro observou
irritado e preocupado o comportamento do freguês e foi até lá tirar satisfação.
- Se querem
prostitutas vão pro Mud, por favor – soou mais como suplica do que como um
carão - não tratem minhas empregadas assim.
Fior indicou com o
olhar um homem que estava encostado em uma pilastra próxima a sua mesa, era
alto e grosso como um urso, a barba negra e estufada dava a aparência de que
ele sairia do controle a qualquer momento.
- Bern, quando você
quiser tirar satisfações comigo, converse com nosso amigo aqui. – disse Fior.
Bern encolheu-se e ajudou
a garota a se levantar, não sem lançar olhares cautelosos para Fior e o homem
urso na pilastra.
- Não importune mais
o velho do que eu já faço, Irago. – Disse Fior.
- Você sabe que eu
não resisto a um rabo desses, eu vou levar ela.
- Sossegue, mais
tarde, antes vamos resolver nossas coisas. – Irago sorriu, um pouco inquieto,
mas assentiu.
Fior
era o tipo de homem focado e estava pronto para dar continuidade ao assunto
quando os recém-chegados na taverna chamaram-lhe a atenção. Eram três, dois
homens e um garoto, ele conhecia aquele garoto, era Eldorin.
-
Quieto – fez para Irago, que estava falando alguma coisa.
Lamark
foi até o taberneiro e perguntou se Fior andou passando por ali. Bern, com
muito contra gosto apontou o homem antipático que estava na mesa que acabara de
visitar.
-
Está ali – indicou Lamark para os outros.
Eles
caminharam entre as mesas, Torkil olhando para o olhar suspeito do grandalhão
próximo e uma sensação de que não sairia dessa taverna sem ter partido a cara desse
homem lhe bateu. Chegando à mesa de Fior, Torkil disse:
-
Estamos interrompendo alguma coisa?
-
Na verdade estão – disse Irago.
-
Não estão – disse Fior – por favor, sentem-se conosco. – Irago olhou irritado
para Fior, mas agiu como se já fosse acostumado com isso. Puxaram algumas
cadeiras e sentaram-se a mesa. Quando todos ficaram em silêncio, esperando o
primeiro som soar, como se fosse uma centelha de fogo em uma amarração de
palha, Torkil perguntou.
-
Continua comerciando em Dublin, Fior? – Fior não esperava esse tipo de
pergunta, respondendo, despreocupado.
-
Sim, estarei partindo próxima quinzena. Qual o seu interesse?
-
Meu interesse é com quem você comercia.
-
Com vários.
-
Tem uma pessoa em especial.
-
Gorto.
Fior
ficou em silêncio, encarando Torkil, tentando imaginar quais as suas intenções.
- Eu o conheço.
-
Pelo que sei, mais do que apenas conhece.
-
E no que isso lhe traz interesse?
-
Eu pretendo mata-lo. – Fior franziu o cenho. – e você irá me ajudar.
-
A guerra mexeu com você, Torkil. Voltou sem miolos. – Fior quebrou a caneca que
tinha em mãos na mesa e tentou atingir os cacos nele. Torkil interceptou o
golpe e retornou com um soco rápido que lançou Fior para trás em sua cadeira.
Irago já sacava uma pequena adaga quando Lamark perfurou sua coxa, pressionando
para que continuasse sentado – você fica aqui.
O
homem mau encarado que estava guardando Fior agiu, agarrando Torkil, e, com sua
enorme força, lançando ele em cima de uma das mesas próximas. Lamark pegou a
caneca mais próxima e a lançou em cheio em seu rosto. Isso não pareceu
incomodá-lo, pegou uma das cadeiras e a desferiu em Lamark em um golpe pesado.
Este conseguiu rolar para trás, deixando que a cadeira se arrebentasse em
Irago.
Fior
desajeitadamente tentava rolar e se levantar da cadeira, quando sentiu a
navalha fria em sua garganta. Eldorin disse: - Você vem comigo.
O
grandalhão lançou-se sobre Lamark que havia esquivado de seu golpe quando foi
acertado por Torkil em sua nuca por outra cadeira.
O
taberneiro Bern preocupou-se – Ah, minhas cadeiras!
O
homem dobrou e Torkil lançou-se as suas costas, travando seus braços na
garganta do homem, procurando estrangulá-lo. Lamark aproveitou a deixa para
tentar atordoar mais o homem, acertando um soco em seu rosto, entortando seu
nariz. O miserável agora girava e batia irado para todos os lados, quando
tentava voltar os braços para arrancar Torkil, Lamark vinha e lhe fustigava
mais um soco e, na medida que tentava acertar Lamark, mais sentia o ar esvair.
Mas o desgraçado tinha o pulmão de uma baleia, encontrando forças para andar
para trás e se lançar de costas contra uma das mesas, caindo com tudo por cima
dela e indo ao chão. Aquilo quase esmagou Torkil e suas costelas, acabando por
afrouxar o estrangulamento. Por sorte, entre as lascas de madeira, pratos e
canecas que haviam por todos os lados, encontrou uma lasca pontuda. Quando o
desgraçado levantava-se desajeitado, ergueu-se o máximo que pode, agarrando-se
a seu pescoço, ficando a maldita lasca em sua garganta. O infeliz ainda lhe
acertou uma cabeçada no nariz e quando virou-se, com a lasca em sua garganta
borbulhando sangue, ainda tinha vida. Porém Lamark veio dar fim a isso,
quebrando mais uma cadeira na cabeça dele. Este caiu pesado, fazendo a lasca
penetrar mais fundo no ferimento. Torkil levantou-se desajeitado, tentando
colocar o nariz no lugar.
-
Essa foi boa – sorriu vermelho – onde está Fior?
-
Eldorin está com ele – apontou Lamark – vamos, precisamos sair pelas portas dos
fundos, Fior tem homens esperando lá fora.
Arrastaram
Fior para fora, passando pela cozinha e deixando um trocado pelos danos
causados. Ia irado, tentou gritar mas Eldorin cortou-lhe o queixo, para mostrar
que falava sério. Ensacaram sua cabeça e o colocaram dentro de uma carroça de
bois. Seguiram para fora da cidade, indo para algum lugar onde pudessem ter
privacidade e não corressem nenhum risco. Quando acharam seguro, saíram da
estrada e desceram por uma trilha. Torkil guiava a carroça enquanto Lamark
acendia uma tocha, pois eram os dias escuros na Escandinávia. Arrastaram Fior
para fora da carroça e o sentaram, puxaram o saco de sua cabeça e começaram.
-
Agora iremos conversar.
-
O que vocês querem? – perguntou, indignado.
-
Precisamos de sua ajuda.
-
E o que fazem pensar que irei ajudar, depois dessa merda toda?
-
O que você faz pensar que te fará sair vivo daqui? – Lamark encostou a navalha
em sua barriga. Fior manteve o olhar carrancudo. – Eu não vou tomar parte nos
planos insanos de vocês. O Gorto pode ser pirado mas ele tem condições e não
tem quem queira se meter com aquele puto.
-
Bem, nós queremos. Precisamos nos infiltrar no castelo dele em Dublin e você
tem negócios com ele que podem acabar nos ajudando nisso.
-
E porque acham que vou ajudar a matar o homem que é o meu melhor cliente?
- Porque você acabou
de encontrar clientes melhores.
E era verdade.
Então foi tudo
preparado, caixotes com 50 escudos, 50 machados e tantas espadas foram
preparados, foram preenchidos com grãos e cereais para que não houvessem
desconfianças. Foram escolhidos 30 homens para partirem na viagem, seriam 50,
mas Fior exigiu que tivesse pelo menos 20 de seus homens no Barriga Cheia.
Ainda assim, um segundo barco dos Land partiria para auxiliá-los em algum
imprevisto, porque imprevisto era a coisa mais previsível nesse momento.
Depois do jantar, na
véspera da viagem, Torkil e Lamark conversavam em uma fogueira, nos arredores
da fazenda.
- Preciso que você
fique aqui, Lam. – Disse Torkil, para surpresa de Lamark.
- Você zomba de mim
se acha que vou ficar.
- Sei que você é a
pessoa em que mais posso confiar naquele barco amaldiçoado, mas Lam, você tem
um filho, você tem uma mulher. Eu não tenho nada, eu estou indo porque tenho a
esperança de ainda ter alguém. Mas você tem, irmão, não desperdice isso. Não
quero a inimizade do nosso pai, ele tem planos que não devemos parar agora.
Você poderá dar continuidade enquanto estiver fora. Com a aproximação do yule,
ele com certeza está planejando algo contra Olaf.
Lamark encarou-o
desapontado, pois ele tinha razão.
-
Não vou abandonar você nessa situação, irmão, não dessa vez.
-
Se não quer me abandonar, faça o que peço.
-
E quanto a Eldorin?
-
Ele está se tornando um homem, mas não sei se está pronto pra isso.
-
Leve-o. Esta é minha condição.
No
dia seguinte, com uma tênue luz frágil que surgia no horizonte, já era
‘’manhã’’ e todos estavam se preparando para a partida. Eldored não fez nenhuma
carranca quando Eldorin disse que iria.
-
Ele está virando um homem, e quero que tome suas próprias decisões. - Disse ao velho Lamm.
-
Você tem certeza disso? – Respondeu incrédulo o velho – Eu não sei porque me
preocupo tanto, estou agindo como uma cabra parideira, não é?
-
É – riu Eldored.
Quando todas as
bagagens foram postas, todos os caixotes guardados e todos os homens prontos
para partir, vieram as despedidas. Todos estavam ali para desejar boa sorte
para uma viagem tão sem sorte. Todos, menos Larza e o pequeno Eldred. Torkil
abraçou Silned que inconscientemente estava grata por Lamark não ir. Levantou
Lanark e o segurou nos braços enquanto falou com Lamark.
- Eu voltarei, irmão,
faz tua parte aqui.
- É meu único irmão,
não me deixe sozinho com todos esses malucos.
- É o meu único
também. – Encararam-se e não houve sorrisos – aqui – indicou Lanark ao pai – Se
cuide, grandalhão, quando voltar, irei lutar com você outra vez.
- Vou sentir sua
falta, tio. – e estava falando a verdade. Nunca tinha conhecido o tio até
aquele dia em que retornara, e descobrira nele um segundo pai.
- Eu vou voltar.
O Velho Lamm veio ter
com ele.
- Vá tua viagem e
tenha minha sorte, mas, tem certeza disso? Eu não quero perder outro filho.
- E eu não quero
perder uma filha.
- Você já a perdeu,
Torkil.
- Pai – disse- você
não faria o mesmo por mim? Por Lamark, por Jortun?
O velho Lamm
silenciou e concordou.
- Vá com os deuses.
Lamark observou o
irmão voltando ao barco e pediu aos deuses que não fosse a última vez que o
estivesse vendo. Que quando retornar, não seja mais um dos derrotados. Ficou
ali com Lanark observando os dois barcos se desfazerem no contorno dos fiordes.
Voltou para casa, com Lanark seriamente quieto, não estava tão agitado como
costumava. Lamark sentiu o filho apertar um pouco sua mão quando disse:
- Ele não vai voltar,
não é?
- Ele vai voltar.
Após um almoço monótono,
o Velho convocou Lamark para sua tenda perto da árvore Skald. Nada melhor do
que ocupar a mente nesse momento. Quando alcançou a tenda, estavam os dois
velhos a conversarem e planejarem, como sempre faziam desde então, Lamark já
não imaginava mais Eldored retornando a sua fazenda, os dois pensavam juntos em
tudo.
- Sente-se, temos
muito o que decidir, mesmo com a ausência do teu irmão. – Disse o Velho Lamm.
Procurou onde sentar-se e prestou atenção no que o pai tinha a dizer. – Sabe
que semelhante ao nosso yule, esses cristãos tem uma comemoração parecida? –
começou – Eles chamam de natal, algo sobre o nascimento do seu deus. Bem, isso
está chegando, mais próximo que a noite de nossa comemoração, e estive pensando
que deve ser esse o momento de darmos o troco aos desgraçados. Com fogo e aço.
***
Quando o barco alcança o alto mar, as ondas ganham uma
proporção que não se tem quando a observamos da costa e é um inferno se você
não souber manobrar contra os gigantes que se erguem. Cavalgar as ondas é uma
situação que fustiga o coração de todo homem, seja por medo ou por sentir
aquele real prazer de estar vivo. Ainda estavam muito próximos da Escandinávia,
mas já podia se perceber o céu clareando a medida que seguiam para o oeste. O
barco ia pesado com os tantos caixotes armados e preenchidos com panos e
cereais. Torkil e Eldorin iam juntos no mesmo barco, o Barriga Cheia, fazendo
uma rota já conhecida por Eldorin e muito mais por Torkil, que nos seus tempos
mais jovens, fizera bastante esse caminho. Retornar para o continente no qual
fora expulso lhe pesava o peito, juntando a isso as recordações que antes
sepultadas, agora retornavam. Helga. Não conseguia deixar de imagina-la. Como
estaria, pequena, grande? Havia puxado a mãe? Tanto tempo que já deixara esse
passado para trás, tanto tempo...
Fior seguia resoluto, como se estivesse fazendo mais uma
transição de mercadorias, mas ninguém poderia dizer o que realmente ele
pensava. Torkil contava com sua traição, mas era a única boa coisa em que
podia-se apostar na altura em que as coisas corriam. Eldorin ia ansioso,
apreensivo, ele também pensava em Helga, sentia-se mal por ela, por esse tempo
todo na situação terrível em que deve estar. E ela era tão bonita para ficar em
uma situação dessas, como podia?
Os dias seguiram, cada vez mais o céu clareava com a
proximidade da costa irlandesa e não demorou muito para enfim surgir na
distância os dentes rochosos crescendo no horizonte. A costa rochosa, Eldorin
sentiu um arrepio em rever aquela maldita paisagem, antes bela, mas as
recordações que lhe traziam mudava tudo. Encontraram o riu Liffey e seguiram
por ele, passando pelas casas e fazendas a beira-rio. Torkil sentiu uma
corrente nostálgica ultrapassá-lo, aquilo tudo já fizera parte de seu passado,
pensamentos mordiscaram até finalmente chegarem em Dublin.
Quando os homens atracaram no porto, Torkil lançou um
olhar para Fior que simplesmente continuou seu trabalho, sem indicar nada.
Torkil mandou um de seus homens, Balder, ficar de olho em Fior e em suas ações.
Era um veterano, colega
de Torkil, um dos que retornara com ele para a Noruega, tinha olhos azuis com
cabelos negros raspados nas laterais de sua cabeça, nenhuma barba descia por
seu rosto. Pilleris, o homem do porto, chegou para
inspecioná-los. Fior se adiantou e foi falar com ele, a partir daqui Torkil era
apenas mais um homem da tripulação. Ambos conversaram distantes, enquanto Fior
apontava e explicava para Pilleris, que olhava incerto e com algum desgosto.
Torkil começou a suspeitar e indicou com um olhar para Balder se adiantar
também. Balder correu, pulando por cima da borda do barco, chegando no plano do
porto, seguiu e disse:
- Senhor – falou com Fior – Por onde colocamos os
caixotes?
- Os caixotes... – Fior olhou sem expressão para Balder.
– Retire-os e empilhem ali – quando percebeu que Balder não saiu de perto
deles, continuou – como estava falando com nosso amigo Pilleris, trouxemos 5
caixotes com cereais e um caixote com seda para Gorto, pode nos adiantar as
coisas? – Pilleris olhou suspeito.
- Você costuma trazer sacas, porque caixotes?
- Porque encontrei-os no meu último saque e achei válido,
algum problema?
- Obviamente que não, mas posso checar?
- Claro. – Disse Fior e olhou de esguelha para Balder, este
lançou um olhar alarmado para Torkil.
- Mas que merda.
Pilleris esperou até que retirassem os caixotes e mandou
dois homens verificarem. Dois guardas foram em direção aos caixotes, com pés de
cabra, pronto para desencaixar as tampas quando Fior veio e disse a Pilleris.
- Você sabe como Gorto é com suas encomendas, não é? –
Pilleris não se intimidou.
- Eu sei que meu trabalho é verificar tudo que entra e
que sai desse porto. – então sentiu uma pontada na lateral de sua barriga,
quando abaixou os olhos, viu a ponta da navalha alisando o pano que cobria sua
banha, porém constatou um saco de moedas que Fior segurava.
- Sei que você aprecia um bom dinheiro, amigo, tome isso,
em sinal de nossos anos de negociação. – disse, apertando ainda mais a ponta
contra a pele.
- Ei rapazes – gritou Pilleris quando um dos homens abriu
a tampa de um dos caixotes. – Vejo que não há necessidade disso, deixe que
passem, vai levar para o Gorto – virou-se para Fior enquanto pegava
sorrateiramente a bolsa. – Aqui, passou um envelope. – Meu selo de verificação
está ai. Vou mandar um de meus homens avisarem que estão chegando, vou mandar
também eles pegarem a carga.
- Obrigado – agradeceu Fior – mas nós levaremos –
Pilleris olhou suspeito – você sabe, não quero culpar ninguém se alguma
mercadoria for danificada. – virou-se
para os homens no barco – Ei desgraçados! O que estão esperando? Tragam logo
essa porcaria toda pra fora! – Voltando para Pilleris. – Tem alguma carroça que
possa ser alugada?
- Logo ali – apontou no fim do porto.
Foram necessárias duas carroças para levar os
caixotes rua acima através de Dublin. Foram deixados vinte homens nos barcos e
o resto seguia ao castelo de Gorto.
-
Vai ser complicado entrar com esses trinta homens sem levantar suspeitas. –
Alertou Fior.
-
Dez entraram conosco. Os demais entraram quando rendermos a guarda. – Disse
Torkil. Fior olhou com uma cara de ‘’ vocês querem mesmo fazer isso?’’. A
situação foi explicada aos demais, aguardariam em uma das ruas próximas até que
fossem chamados pelo sinal combinado. Pararam em uma taberna e aguardariam até
escurecer, assim as coisas não chamaria tanta atenção, sendo orientados que
andassem em grupos, para que uma tropa de trinta homens passasse despercebida.
Eldorin
não pode deixar de pensar onde poderia estar Crane, mas na situação alarmante
em que estavam, não havia como se preocupar em fazer isso agora. Quando o
crepúsculo começou a tocar a paisagem, eles decidiram partir. Em cada esquina
foi deixado um grupo de cinco homens. A partir do momento em que o primeiro
grupo saísse, sucessivamente o segundo seguiria aonde estavam os primeiros e os
terceiros onde estavam os segundos, seguindo dessa maneira. Quando entrassem no
castelo, deveriam ir aos caixotes e se armarem. E então esperar o sinal.
Quando
todos se espalharam, a pequena comitiva seguiu com as duas carroças. No portão,
a guarda olhou desconfiada até ver Fior e ele descer para falar com eles.
Explicou a situação e mostrou o selo de Pilleris. O guarda quis questionar o
fato de já estar escurecendo, mas Fior insistiu que precisaria partir
imediatamente amanhã e por isso não havia como esperar mais tempo. Devido já
ter o selo e já estar tudo verificado por Pilleris, eles passaram. Foi pedido
que deixassem as armas na porta de entrada e assim foi feito. Torkil tentou não
pensar em nada, não pensar que a qualquer momento encontraria por ali sua
filha, tentou pensar frio, mas isso era impossível. Quando todos foram
vistoriados para ver se não possuíam arma alguma, entraram no pátio do castelo.
O mesmo homem esguio que recebeu
Eldorin e Fior na última visita apareceu para eles.
-
O senhor foi informado de sua chegada – olhou tentando identificar quem eram os
que acompanhavam Fior – perdão, quem são estes?
-
Meus homens – disse Fior – e interessados em fazerem acordo com nosso belo
Gorto.
-
Claro, obviamente – concordou o homem – venham, seguiam-me.
Eld,
Torkil e Fior seguiram o homem, os outros ficaram para trás, enquanto
descarregavam a carroça, estes que seriam responsáveis em dar conta da guarda.
Apesar da última visita, Eldorin ainda se espantou com a quantidade de mulheres
seminuas desfilando pra cima e pra baixo. Aquilo formigou o sangue de Torkil
que sentiu os miolos se revirarem só em imaginar a pequena Helga passando por
algo desse tipo. Mas aquilo era um bom sinal, via-se mulheres por todos os
lados, mas não tantos homens. Os olhos de Eldorin disparavam por todos os lados
em busca dela, mas nada ainda. Então chegaram ao pátio. A luz do dia já estava
se dissipando, tochas estavam sendo acesas dando uma luminosidade festiva ao
ambiente. Gorto estava em seu banco branco, com duas garotas ao seu lado. Quando
viu os visitantes, afastou-as.
-
Ora, ora, seja bem-vindo, Fior, embora confesso que não esperava vê-lo. Mas é
sempre bom saber que você me traz mais dinheiro, haha! – Disse abraçando alegre
Fior, então virou-se para os outros. – E vocês, a quem devo a honra? Você já
conheço, é um dos homens de Fior, mas você – indicou Torkil.
-
Sou um homem de desejos diferentes – disse. – e soube que você também é.
-
Ah – olhou um tanto satisfeito – é verdade – riu – digamos que tenho certa
reputação – com o braço estendido, indicou as mulheres que traziam bebidas e
comidas, algumas usavam apenas avental. Agarrou uma delas pela cintura, puxou
um seio para fora e o mordeu. A garota gemeu baixinho a dor que sentiu, para
não irritar seu senhor. Torkil sorriu. Puxou o rosto da garota pra próximo e o
largou.
-
Na verdade – disse se aproximando – eu achei essa ai um tanto quanto velha para
mim.
Gorto
olhou espantado mas compreendendo, não com suspeita, mas com um certo prazer de
achar alguém que pensava de forma semelhante a ele. – De repente acho que
podemos fazer bons negócios – sorriu.
-
Eu também.
Gorto
virou-se para Fior
-De
qualquer forma, as obrigações primeiro, onde está o inventário? – Porém Torkil
interrompeu.
-
Amigo, eu sou um homem que tem pressa em saciar certos desejos. – Gorto sentiu
que iria conseguir mais dinheiro com a negociação que estava prestes a fazer
com Torkil do que com qualquer mercadoria que Fior estivesse trazendo.
-
Que assim seja, amigo. – Enfatizou a última palavra. – Quer nos acompanhar ou
prefere esperar aqui? – Perguntou a Fior.
-
Sou um homem curioso.
-
Então venham comigo. – abriu um sorriso.
Saíram
do pátio e voltaram ao salão do castelo, seguiram-no por uma escada que levava
a um primeiro andar, ao longo do caminho, acertou tapas nas ancas de todas as
garotas que passavam. Torkil ia tentando ser o mais interessado possível em
toda aquela safadeza, engolindo o desesperado desejo de reconhecer alguém que
não conhecia mais. Chegaram então a um andar onde havia vários quartos, todos
bem adornados, mas que no fundo, pareciam celas. Convidou para entrarem em um
deles.
-
Olhe só – chamou a atenção – essas aqui, apesar de serem novas, tem uma
experiência sem igual, é quase o melhor dos dois mundos. – Quando abriu a porta
encontraram várias garotas, para não se dizer crianças, havia umas quatro ou
cinco. Cada uma possuía sua cama e seu baú com roupas. Havia uma mesa com
espelho onde elas podiam se produzir. – Ellie – chamou uma delas, era pequena e
loira, com olhos verdes. – Hoje eu estou satisfeito, por isso, vou deixar que
experimente uma coisa, para ver como estou falando a verdade, Ellie, minha
querida, faça um agrado com sua boca. – Disse indicando Torkil. A garota
primeiro encarou ele e depois se resignou a fazer o que foi pedido. Ajoelhou-se
mas depois mudou de ideia, pois não alcançaria. Ficando de pé, começou a
procurar a fivela de Torkil, apalpando sua cintura.
-
Agradeço – disse, retendo ela com a mão em sua testa. – mas meu interesse ainda
não é esse amigo. Eu gosto de compartilhar uma garota dessas com outro homem.
Me entende?
-
Entendo – disse Gorto, como se Torkil falasse algo seriamente profissional.
-
Eu tenho um interesse em especial, amigo.
-
Sou todo ouvidos – disse, enquanto retornavam ao corredor.
-
Uma certa garota que está em seu poder – começou Torkil, mas a fronte de Gorto
alterou-se, era muito ciumento.
-
Lamento, meu caro, mas eu não sou um homem que gosta de dividir as minhas.
-
Todo homem tem seu preço, não?
Gorto
olhou desconfiado e incerto, mas havia realmente uma coisa que ele gostava mais
que mulher, dinheiro.
-
Tente uma proposta.
-
Gostaria de ver uma certa garota chamada Petri.
Gorto
ficou vermelho. Torkil pensou a que altura deveria estar rolando os planos por
baixo dos lenções. Já deviam ter rendido a guarda, e alguns homens já deveriam
ter entrado no castelo e se armado.
-
Não gosto que falem em minha Petri. – Disse.
-
Sua? – Riu Torkil.
-
Minha – o olhar de Gorto transformara-se.
-
Como pode dizer que é sua se sequer sabe o seu nome?
-
O seu nome é Petri.
-
Não, ela se chama Helga Landson
-
Gorto! – gritou Fior. E começou.
Gorto
sacou sua espada e Fior fugiu pelos corredores. Torkil gritou para Eldorin:
-
Chame os outros! É agora! – nesse momento Gorto lhe desferiu um golpe de
espada, esquivou, pulando para trás, o segundo golpe, não se saiu tão bem,
cortando o pano mas sendo retido por sua cota de malha, o desgraçado era
rápido.
Eldorin
disparou enquanto ouvia Fior gritar à frente ‘’ Ataque! Ataque!’’. Eldorin
alcançou as escadas, vendo os guardas conversarem com Fior, tentando entender o
que estava acontecendo, nesse momento, os homens de Torkil apareceram na
entrada, vinte e tantos armados. Devem ter entendido o sinal de Fior para eles
e não aos guardas. Quando uma garota passou correndo por ele, agarrou-a pelo
braço e a puxou para um dos quartos. Quando ela tentou gritar, tampou sua boca
e disse:
-
Você não será machucada, preciso que me ajude. – conseguiu ver os olhos
marejarem de lágrimas da garota – preciso que me leve até Petri.
***
Estavam
no grande salão do castelo, vendo Fior e os guardas conversarem alarmados e
Balder percebeu que precisavam ser rápidos, precisavam encontrar logo Torkil e
Eldorin e darem logo o fora dali, o maldito Fior estava alertando cada
desgraçado embaixo daquele teto. Mas antes disso, tinham de silenciar os
miseráveis.
-
Ataquem esses desgraçados, e sejam rápidos! – Gritou, e todos obedeceram a
ordem, avançando decididos a trucida-los. Precisavam aproveitar que ainda eram
poucos e estavam sem formação, e ainda fazer que o alarme soasse o mínimo
possível, mas não se faz matança sem alarde. Balder girou seu machado na cabeça
de um dos guardas que ficou atordoado pelo choque em seu elmo, deu um escorão
com seu escudo, derrubando-o, desferindo um golpe de machado direito em seu
peito. Virou-se e balançou o machado no joelho de outro guarda, que dobrou-se,
acertou a boça de aço do escudo em seu rosto e passou por cima de seu corpo.
Não via nem Torkil nem Eld, muito menos Fior que desaparecera do ataque, só
conseguia ver mais guardas chegarem de todos os lados. Quando conseguiram
derrotar os poucos guardas no salão, o melhor que poderiam fazer era tentar
alcançar o salão seguinte e derrotar os outros guardas que encontrassem antes
que se unissem e formassem uma força maior ou aguardar e resistirem em uma
parede de escudos. – melhor continuar em movimento – pensou, então indicou que
seguissem para o pátio. Havia mulheres correndo para todos os lados, a maioria
uma coisa linda de se ver, e lamentou não poder parar para apreciar a paisagem.
Não encontraram nenhum guarda no pátio que estava vazio. – mas que merda. - Tentaram
vasculhar o lugar, mas não tinham muito para onde ir, procuraram retornar só
que já havia uma força considerável se formando no pátio do palácio, enquanto
incendiavam a carroça de armas. A merda não poderia feder mais, pensou Balder,
quando entraram pelos portões os homens de Fior armados. Agora os inimigos
estavam realmente em maior número.
***
Torkil acertou um soco em
Gorto, mas esse deslizou e girou a espada em sua barriga, mais uma vez rasgando
sua túnica e encostando mais um beijo em sua cota de malha.
- Desgraçado – cuspia
Gorto, desesperado por ainda não ter conseguido ferir o homem desarmado a sua
frente.
- Eu vim levar o que é
meu e fazer você pagar o que merece. – Anunciava Torkil, irritando-o ainda
mais.
- Ela é minha, minha! – e
tentou ataca-lo outra vez, Torkil virou, deixando que o golpe passasse por ele.
- É minha filha. – Socou
outra vez seu rosto, dessa vez Gorto recuou atordoado, com a cabeça balançando,
mas retribuiu com um golpe, atingindo o antebraço desprotegido de Torkil,
fazendo com que recuasse, apertou o ferimento, passo a passo para trás,
perdendo espaço. – como pode? Ela é apenas uma criança... – suspirou indignado.
- Eu posso fazer o que
quiser com o que é meu.
Torkil fechou os olhos.
Era isso, uma tontura perpassou ele, um sentimento, uma causa, uma ação, o
caos. Abriu os olhos e encarou Gorto, irado. Sentindo-se ligeiramente
intimidado, Gorto assustou-se com a quietude de Torkil. Girou outro golpe em
sua direção, riscando o outro braço, abaixo do ombro, sentindo a espada
trincando na cota de malha. Torkil recuou mais um pouco, aproveitando que a
espada precisaria voltar para desferir outro golpe e lançou-se em cima de
Gorto, mas ele era rápido e a espada estava apontada em sua direção. E sangue
escorreu.
***
- Parede de escudos! –
Gritou Balder. Agora era a única saída, não havia como fugir disso, tudo sempre
terminava em uma parede de escudos. Os miseráveis estavam em maior número, em
um balance de dois para um, o que dava alguma esperança, com sorte e um tanto
de maestria, conseguiriam contornar essa encrenca. Alguns guardas tentaram
avançar e acertar alguns ataques, mas a parede foi efetiva, rechaçando e
acertando alguns deles, o restante recuou e percebeu a má ideia. Os homens de
Gorto, mais experientes, prepararam a parede de escudos e a guarda uniu-se a
ela. A maldita parede era mais larga e grossa que a deles, e isso nunca foi um
bom sinal. E foram eles que começaram a avançar.
- Firmem-se e não deixem
que nenhuma formiga sequer passe por essa porra! – Gritou Balder, sentindo uma
pontada de medo perpassar do seu calcanhar ao seu pescoço, não foi a primeira
nesta noite e nem será a última. A parede se movia rápido, e logo estavam
próximas. – Agora! – indicou para se chocarem e dar início.
Escoraram-se
com tudo, empurrando para trás os primeiros da frente, abrindo espaço em
seguida para que os homens que estavam atrás da parede pudessem perfurar alguma
carne, conseguindo acertar algumas canelas e coxas. Dado o primeiro assalto,
recuaram para se reposicionarem, em seguida tentaram fazer o mesmo, mas a
parede inimiga já estava preparada e não foi pega de surpresa. Chocaram-se,
escudo com escudo e olhares irados se encontraram. Então começou a chover
pontadas de cima a baixo. Os homens de trás tentavam puxar os escudos para
baixo com o gancho do machado, procurando encaixá-lo na boça do escudo inimigo,
atrás de Balder, Deliv, um de seus guerreiros, tentou fazer isso com o escudo à
sua frente, só que um machado inimigo acertou seu braço, partindo-o no meio,
deixando o antebraço pendurado por um terço da carne. Os olhos de Balder
mancharam-se com o sangue que jorrou. Um machado cravou-se na boça de seu
escudo e deslizou fora. Tentou girar seu machado por cima mas também só fez
resvalar em algum escudo. Sentiu pressionarem a parede e percebeu que estavam
recuando. Outro homem chegara no lugar do ferido Deliv, mas sequer teve tempo
de perceber quem era. O sujeito desferiu um golpe que acertou um dos inimigos
por cima do escudo. O machado cravou-se na testa do desgraçado, quando puxou de
volta, enganchou o machado e deixou que o escudo caísse. O corpo do sujeito
desabou, deixando uma brecha na parede. Balder indicou isso, direcionando a
parede para que ali conseguissem arrebentar e desfazer a parede inimiga,
tentando então se aprofundar até conseguirem separar todos os homens.
Encaixou-se ali e pressionaram, separando aos poucos e a muitas machadadas os
homens que se espremiam.
Sentiu
fisgarem o pé do seu colega de parede com o gancho do machado, puxaram e
arrebentaram-lhe a batata da perna, perdeu o apoio mas um dos outros tentou
sustenta-lo. Ergueu o braço e tentou atacar alguém, mais uma vez resvalou em
outra boça de escudo, fez de novo e obteve sucesso, enganchando e puxando para
baixo, e quando assim o fez, alguém atrás dele meteu outra machadada onde antes
havia um escudo erguido. Outro homem desabou e mais espaço eles estavam
conseguindo recuperar. Então a parede inimiga afastou-se abruptamente, recuando
o máximo que podiam. Um dos guardas gritou, dando sinal para alguma coisa.
Quando Balder percebeu, estavam encurralados em uma das paredes do pátio e
acima, nas janelas dos andares do castelo, havia alguns homens com uma enorme
bacia que liberava muito vapor. E fizeram seu conteúdo jorrar.
Uma
chuva quente derramou-se em cima dos homens e o desesperou instalou-se entre
eles. Não havia coragem que resistisse ao calor penetrando e arrancando a pele
por onde passasse. Acabaram se separando, desfazendo toda a formação, quatro ou
cinco homens caíram ao chão, largando suas armas, agarrando-se aos rostos,
loucos, enquanto ferviam com o líquido quente escorrendo por todo corpo, outros
tentavam desesperados arrancar a cota de malha que esquentava o corpo inteiro.
No meio desse caos, os homens de Fior e de Gorto mergulharam entre eles,
subjugando a todos com golpes impiedosos. Balder procurou alguma formação mas
agora era uma luta aberta e a única esperança que poderia ter era morrer com
honra, virou o escudo em um dos guardas que vinha em sua direção, acertando a
boça de aço em seu rosto, girou e deslizou o machado em sua garganta. Procurou
outro alvo e não foi difícil encontrar, pulando em direção a um homem de Fior
que fustigava o escudo de um dos seus. Escorou-o com o escudo, jogando o
miserável no chão, balançando o machado em sua nuca.
Seus homens estavam
reagindo com fúria, só que os inimigos agora eram a grande maioria, tentou
gritar para refazerem a parede de escudos quando foi atingido em sua coxa
direita por um corte de espada, virou-se afastando a arma com o escudo, girando
o corpo para dar mais força ao golpe do machado, acertando de baixo para cima o
queixo do atacante. O sujeito caiu com o machado preso e seu maxilar. Quando
largou a arma presa, sentiu a dor do ferimento abraçar sua perna. Abaixou-se
com dificuldade para apanhar a espada do homem morto quando outro ataque veio
em sua direção, por sorte alguém conseguiu defende-lo e ocupar o outro
atacante. Procurou manter-se em pé e conseguiu, porém não possuía mais tanta
mobilidade. O guerreiro que o ajudara, havia sido sobreposto pelo desgraçado
inimigo, um outro homem de Fior, que virou-se desferindo um golpe com toda a
força que possuía. Conseguiu resistir com o escudo, porém, perdeu o equilíbrio.
Virou e lançou o escudo no homem, que atrapalhou-se, aproveitando a deixa para
balançar agilmente a espada do joelho até o braço e então corta a garganta com
tempo de ver olhos irados se desmancharem com o corpo que desabava.
Então um machado desceu
rápido como o voo de um corvo e cravou-se em seu ombro, outro golpe veio e
acertou sua canela esquerda. Dobrou-se e caiu de joelhos no chão. Nesse momento
gritos vieram do lado de fora do castelo, e quando conseguiu ver, guerreiros
jorravam do portão, mas não eram guardas nem os desgraçados de Fior, eram os
guerreiros do barco de Torkil. Mas porque demoraram tanto, pensou, no instante
em que uma espada era pressionada em seu torço. Sentiu o sangue subir por sua
garganta, rasgando e dilatando por onde passava, sentiu algo escorrer por sua
boca e sua vista escureceu. Para sempre.
***
A garota estava levando-o para o segundo andar pelas escadas da cozinha,
virou-se em uns tantos corredores, escondendo-se eventualmente sempre que os
guardas passavam correndo por eles. A princípio, ela não entendera o que falava,
porque ele obviamente não falava irlandês, mas conseguiu identificar o que ‘’
Petri’’ significava, e pelo esforço exercido por ele, compreendeu que queria
que chegassem a ela. Quando o ultimo guarda passou por eles, viraram e seguiram
por mais um lance de escadas. Correram por uns tantos corredores. Em outros
momentos, Eldorin teria se atrapalhado com o corpo jeitoso da garota que o
guiava, apenas um véu transparente com rendas finas o cobria e sentia se
arrepiar inteiro quando sentia seu corpo quente encostar nele. Ela indicou um
quarto, onde uma porta grossa de carvalho trancava o cômodo. Não havia nenhum
guarda ali, provavelmente correra para a confusão no pátio. Foi até a porta e
constatou que não conseguia abri-la. Quando virou-se para a garota, ela havia
desaparecido e xingou sozinho enquanto tentava pensar em uma solução para o
problema.
- Petri? – tentou perguntar por entre a porta. – Petri? – Ouviu um
movimento do outro lado, alguém estava ali, realmente.
- Quem está ai? – Falou, surpresa, porque nenhum homem falava com ela a
não ser Gorto. Sua surpresa era ainda maior pelo idioma que ouviu, não era
Irlandês, era nórdico. Sabia esse idioma, crescerá sabendo. Mas nunca o usou
perto de Gorto, ele não apreciava isso. Uma pontada estranha percorreu seu
corpo quando ouviu a voz estranha falando um idioma estrangeiro.
- Sou alguém que veio te ajudar, sou Eldorin, amigo de Crane... Você
lembra dele? – foi com alivio que Eldorin ouviu a resposta, primeiro porque
significava que Helga estava ali, apenas um palmo de madeira de distância e depois
que ela entendia o que ele falava.
Ela ficou congelada, Crane. Ela apanhou muito por ter conversado com ele
e apanharia mais ainda quando a pegassem conversando com outro homem. – vá
embora! – gritou – se me pegarem com você irão me castigar e você também! Vai
embora enquanto ainda é tempo!
- Você não entendeu, nós viemos tirar você daqui.
- Me tirar daqui?
- Sim, seu... bem, isso pode esperar, você tem como sair daí?
- Que garantia eu tenho de que está falando a verdade? E se for mais um
teste dele?
- Teste?
- Você foi mandado por ele, é isso?
- Não, não, olha só, nós viemos resgatar você, precisa vir comigo.
Helga sentou-se na cama
e tremeu de nervosismo, era impossível, nunca aconteceu nada bom em sua vida,
não seria agora... mas tudo fazia sentido, ela não tinha nada a perder. Ela
odiava aquele lugar. Hesitou um pouco e respondeu.
- Eu estou presa aqui.
- Eu vou tirá-la daí. – Ouviu a voz dizer isso e ficou cheia de
esperança. Então um estrondo a assustou. Eldorin tentou jogar-se a porta mais
uma vez, mas a maldita estava muito bem pregada. Olhou ao redor e não viu nada
que pudesse ajuda-lo. Pelo menos sabia onde ela estava, só precisava abrir a
porta, só isso. Então ouviu passos sorrateiros subindo as escadas e quando
virou-se a garota estava ali, disse algo que não compreendeu e passou por ele,
foi até a porta e, usando uma chave, destrancou e correu para dentro, Eldorin
ouviu ela começar a conversar com Helga algo no idioma local. Quando foi em
direção a porta, fecharam e trancaram.
- Ela está dizendo que estão atacando o castelo – disse Helga. – E que
você está me procurando. Quem são vocês?
- Viemos da Noruega para levar você de volta a sua família.
- Eu não tenho família. Minha mãe e meu pai morreram em um incêndio.
- Não, ele está aqui e veio te levar de volta para casa. – Esperou em
silêncio enquanto tentava ouvir o que debatiam lá dentro. A porta destrancou e
as duas saíram. Então tudo parou. Ele já a tinha visto antes mas o olhar que
recebeu, um olhar de esperança, um olhar de gratidão, o desfez inteiro em uma
sensação que nunca sentiu antes. Ela estava envolta em uma capa e havia calçado
umas botas velhas grandes pro seu tamanho.
- É verdade?
- Sim.
A garota que acompanhava Helga pegou
uma bainha que havia trazido com ela e passou para ele, disse algo que Helga
traduziu. – Ela disse que precisaremos disso. – os três seguiram de volta pelo
caminho que fizeram, elas o levaram pelas escadas, passando por mais alguns
corredores até que ouviram passos subindo as escadas que estavam prestes a
descer. Foi então que surgiu Fior, com espada sacada e desprezo em seu olhar.
- Vocês vem comigo, e você – apontou
para Eldorin – vem para a minha espada.
Eldorin sacou a espada e não disse
nada, encarou os olhos de Fior e pediu aos deuses ajuda. Fior era experiente e
estava decidido a acabar com aquilo logo, foi em sua direção e desferiu dois
golpes rápidos, Eld conseguiu rechaçar um deles, mas o segundo acertou seu
braço, fazendo uma mancha tímida borrar a espada de Fior. Não deixou que ele
sentisse o corte e já avançou outra vez, Eld recuou e tentou aproveitar o
momento que a espada passou por ele para tentar ataca-lo, mas Fior era bom na
espada, voltando a lâmina a tempo de bloquear o golpe, virou-a e desferiu outro
choque que desajeitadamente Eldorin conseguiu mandar para longe.
O desespero tentou morder sua nuca
mas afastou isso, era a única esperança e não ia deixar isso passar com facilidade,
sentiu a inspiração dos deuses e agiu. Fez que ia atacar com a espada de um
lado mas virou-se na outra direção, atrapalhando a defesa de Fior, riscou a
coxa dele com a espada, voltando ela em outro corte em seu joelho, quando
retornou seu braço desceu o punho da espada em seu olho, sentindo algo estourar
em seu choque. Fior caiu para trás e vibrou irado com a dor que partia ao meio
sua cabeça. Mas para desgosto de Eld, levantou-se irado e avançou em cima dele
– devia tê-lo estripado quando pode, filho de uma vagabunda. – O golpe que
desferiu foi aparado por Eldorin, porém, girou a lâmina, encaixando a na
espada, forçando-a para fora, jogando ela para longe da mão dele. Desarmado,
Eldorin tento proteger as garotas, ficando na frente delas, porém Fior dançou a
lâmina atingindo sua perna direita, isso o afastou, fazendo com que se apoiasse
na parede para não cair. Fior hesitou um pouco, passando a mão no rosto
empapado de sangue, como se fosse para ter mais raiva ainda. Socou Eldorin, que
tentou se esquivar, mas o agarrou e jogou no chão. As meninas gritavam e ele
encostou a lâmina em seu peito.
O aço perfurou a carne e brotou do
outro lado, o sangue jorrou e Fior caiu de joelhos sem conseguir respirar. A
espada foi arrancada e Torkil chutou-lhe as costas para que fosse ao chão.
- Venham! – Gritou e então reteve-se
quando, enquanto encarava a todos os que estavam ali, encontrou o rosto de
Helga. Era ela. Ele soube assim que pôs os olhos nela. Ele a reconheceu. Ficou
estático, parado, e pareceu uma eternidade naquele momento em que contemplou
sua filha. Sentiu uma corrente incontrolável percorrer sua mente, lembranças
formigavam em sua cabeça, era ela, era a sua Helga. Pensou em abraça-la, mas
não ainda. Agora ele tinha uma razão para viver e não sairia de lá morto.
- Precisam sair daqui – olhou para
as duas – sabe um caminho que possam chegar ao porto sem serem percebidos? –
falou em irlandês. – Um meio de sair daqui? A garota fez que sim e explicou o
caminho que havia, ele voltou-se para Eldorin e resumiu o que entendeu. – Há
uma saída por trás do pátio, onde dá nos currais, mais a frente, pelo que
entendi, irão encontrar uma saída para a estrada, não se preocupe, ela sabe o
caminho, protege-as, faça isso por mim.
- Farei por você o que meu irmão
Eldar faria.
Torkil sorriu, virou-se para Helga,
pois, não sabia se chegaria a vê-la depois do combate no pátio.
- Sabe, garota, eu só queria dizer
que te amo – disse, sem jeito – talvez pareça estranho, mas... mas sou o seu
pai e... – sentiu uma lágrima borrar a sujeira que estava pregada em seu rosto
na medida em que escorria. – e eu nunca mais deixarei nenhum mal lhe acontecer.
- Tentou tocar-lhe o rosto, mas evitou que a mão suja de sangue seco
encostasse, ela tocou sua mão e encostou em seu rosto. – Filha. – caiu de
joelhos e a abraçou, apertou e sentiu o seu cheiro suave, ficou ali e nunca
mais quis soltá-la. Helga estava tão confusa, não entendia nada, era seu pai,
ela conhecia aquele cheiro, aquele olhar, mas ela não sabia quem ele era, mas
rendeu-se ao abraço, e sentiu se desfazer nele, estava salva.
Olhou uma última vez para ela e foi
embora.
Gorto estava desacordado aos pés da escada, quando Torkil passou, o
colocou por sobre o ombro e seguiu carregando-o. Ouvia os gritos e a confusão
no pátio abaixo. Aproximando-se do pátio, viu o caos. Ao que parecia, havia
mais guerreiros seus do que havia planejado. Havia uma força próxima do portão,
outra encurralada no pátio e no meio uma força com guardas e os homens que
pareciam ser de Fior. Era um cabaré. Provavelmente seus homens perceberam
alguma ação suspeita dos guerreiros de Fior e trataram de investigar. Havia
pelo menos 100 homens se batendo feito loucos. Então ele foi para o centro.
- Desgraçados! – gritou, alguns repararam nele, gritou mais uma vez e os
outros se tocaram e pararam para olhá-lo, estava com uma espada apontada para o
corpo inerte de Gorto – Um movimento – disse – apenas um, e ele irá para a
morte comigo. – andou para o pátio, todos estavam encarando ele, seus homens
com alívio, e os de Fior curiosos e intrigados, os guardas estavam pasmos em
ver seu senhor desacordado. – Este homem – anunciou – cometeu um crime sem
perdão – continuou andando até chegar à frente de seus homens, agora reunidos,
largou o corpo no chão e apontou sua espada – não só um, mas vários. Esse homem
merece pagar pelo que fez. Eu não tenho nada contra vocês – disse, indicando
aos homens de Fior e os guardas reunidos – porém, se insistirem em me impedir
de fazer esse homem pagar pelo que fez, vocês também serão meus inimigos.
Observando o silencio indeciso de todos os homens, aproveitou para
fustiga-los com mais dúvidas – este homem cometeu crimes sórdidos não só a
minha filha mas a muitas outras, agiu com crueldade e merece pagar pelo que
fez, vocês sabem disso, vocês sabem que eu estou falando a verdade.
Encararam-no com indecisão, mas um homem saiu a frente, era alto e tinha
o queixo torto, a cabeça era raspada e uma cicatriz circundava seu pescoço, cuspiu
e disse – senhor, estou pouco me fodendo se esse desgraçado ai fodeu com sua
filha, eu só quero é mandar seu rabo pro inferno.
Torkil não disse nada, indicou para seus homens arrastarem Gorto para
algum canto do pátio, e pediu para alguém lhe passar algum escudo. Virou-se e
gritou. – PAREDE DE ESCUDOS!
Todos se encaixaram e firmaram a parede. Os homens de Fior também
fizeram o mesmo – Iremos fazer esses desgraçados pagarem – gritou – iremos
faze-los se mijarem de arrependimento – continuou- eles vão conhecer o pior de
um homem! Eu quero sangue! - Gritou – Eu quero sangue!
E seus homens retribuíram, batendo com suas armas no escudo. Então
começaram a avançar destemidos. – Eu quero sangue! – Torkil deu continuidade ao
coro e seus homens o seguiram e logo todos estavam amedrontados e encolhidos
atrás da parede de escudos. O arrependimento batia cada vez que escutavam o
clamor dos oponentes. Então bateram as paredes e mais uma vez fez se sangue. Os
homens instigados por um líder começaram a saltar e a arrebentar seus machados
por cima dos escudos inimigos, vendo aqui e ali uma cabeça rachada desabando e
desfazendo cada vez mais a parede inimiga. Tentaram erguer um machado contra
Torkil, mas este escorou e retribuiu o golpe com uma espadada, afastando o
desgraçado com metade dos dedos a menos. Eles não estavam oferecendo desafio,
Torkil urrava para animar seus homens. Lançou um golpe por baixo e cortou uma
canela, o homem a sua frente vacilou e ele pressionou, derrubando-o e passando
por cima, fazendo com que sua parede avançasse e sobrepujasse a inimiga. Sentiu
em suas botas o sangue do homem que acabara de passar por cima, escorrendo pelo
pátio. Alguém escorou nele e o chão escorregadio fez com que perdesse o
equilíbrio, outro impulsionou contra ele e acabou virando para trás, caindo.
A parede rompeu-se em cima dele, e então os homens mergulharam nela. Em
um desespero louco, a única saída era darem tudo que podiam, por isso, quando
viram a parede liberar uma brecha, avançaram tentando desfaze-la, sem se
preocupar se desfariam a deles também. Quando viram Torkil no chão não foi
menos de três machados que tentaram acerta-lo quase ao mesmo tempo. Mas ele era
bom com o escudo. Conseguiu esconder-se atrás do escudo do primeiro e do
segundo golpe, o terceiro, porém, foi abaixo, acertando sua coxa, chegando a
arrebentar a cota que a cobria e perfurar um tanto a carne.
Por sorte, os seus homens conseguiram puxá-lo para trás e protege-lo. Foi
levantado e conseguiu manter-se de pé, retornando ao combate, que não precisou
de muito esforço para isso, porque agora haviam começado um combate aberto.
- Vamos lá, vamos trucidar essas cabras! Eu quero sangue! – disse,
procurando direcionar e controlar o ataque, sem deixar que se perdesse em uma
luta desenfreada. Avançou com os homens lhe acompanhando e já começou travando
a espada no primeiro infeliz que bateu com ele, mirando de forma experiente,
deslizou a lâmina na garganta do guarda. Afastou-o com um ponta pé, virando
para outro guarda que se assustara com sua ação, descendo a espada em suas
costas ao tentar fugir, quando o sujeito caiu de joelhos, enfiou a espada em
seu torso. Viu o homem que desprezou sua proposta e gritou para ele. O
desgraçado de queixo torto havia acabado de acertar uma machadada no ombro de
um de seus homens, havia largado o escudo, lutando apenas com o machado de duas
mãos. Pisou no peito do homem para desprender o machado e virar-se para o
desafio.
Correu e chegou em Torkil desferindo um golpe de cima a baixo que, ao
defender com o escudo, fincou-se a ponto de quase atingir seu braço,
desprendeu, soltando os pedaços das lascas do escudo despedaçado. Virou-se e
tentou acertar-lhe outro golpe avassalador, mas Torkil recuou, deixando que o
golpe passasse direto, aproveitando o retorno lento do machado, acertou-lhe
dois golpes rápidos com a espada e depois, aproveitando seu desequilíbrio deu
um ponta pé para derrubá-lo. Nesse momento, outro sujeito o ataca pelas costas,
com a lâmina resvalando para fora por sua cota de malha.
Virou-se e atacou o sujeito, mas o desgraçado do queixo torto já havia
se levantado e preparava outro ataque e um golpe com a força que ele empregava
seria avassalador. Rolou saindo de sua direção, fazendo com que cravasse o machado
na cabeça de seu colega. Torkil aproveitou a deixa, subindo com a lamina na
barriga do sujeito. Perfurou-o até atravessa-la do outro lado, travando os
dentes enquanto encarava com olhar irado o homem que agora gorgolejava sangue.
- Eu quero o seu sangue – disse, torcendo a espada, enquanto o liquido
quente se derramava em suas mãos.
Virou-se para o campo de batalha e viu um grupo de homens acuados no
pátio, estavam desarmados, ao que parecia haviam largado as armas no chão.
Passou por seus homens, exaltando a vitória que conquistaram e foi até o grupo.
- Aceite nossa rendição, senhor – a maioria era da guarda de Gorto, os
homens de Fior foram mortos por completo. – Reconhecemos, agora, que Gorto era
um chefe cruel e – disse, tentando ser convincente – é direito seu tomar sua
vida.
- As suas também – disse, apreciando o medo se espalhar entre eles. –
mas eu compreendo, e eu aceito a rendição de vocês.
Acabou, o cheiro acre pairava no ar e finalmente conseguia sentir os
músculos tensos relaxarem. Mandou os homens em melhores condições procurar
Eldorin, Helga e a criada que partiram para o porto e outros criarem uma grande
pira. Aos criados que encontrou, pediu que levassem Gorto e cuidasse de seu
ferimento. Precisava estar consciente para ter o que merecia.
Não demoraram para encontra-los, estavam dentro do barco de Torkil.
Quando chegaram encontraram o pátio ‘’ limpo’’, se não considerar a pilha de
corpos no canto. Tudo de valor fora retirado e o castelo estava sendo saqueado,
as carroças estavam sendo preenchidas com as riquezas que haviam ali. Muitos
dos empregados foram embora, as crianças e criadas que permaneceram, Torkil
considerou leva-las para a Noruega, onde poderiam crescer e aproveitar o pouco
de infância que ainda poderiam ter.
Sentado no banco do jardim de Gorto, Torkil deixou os acontecimentos
sentarem em sua mente. Aguardava com uma ansiedade sem igual para rever sua
filha. Já havia chegado e estava esperando ela ali. Não demorou muito para
aparecer tímida no umbral do jardim. Caminhou até ele e sentou ao seu lado.
- Tudo aconteceu tão rápido, não tive tempo de me explicar – começou
ele, mas ela sorriu e disse, desanimada:
- Na verdade, demorou muito para acontecer. – Ela não tinha dúvidas de
que ele era seu pai, mas não havia se acostumado com a ideia de ter alguém, de
ter uma família. Tudo que possuía eram lembranças distorcidas que nunca
conseguiu vê-las nítidas, não até sentir o abraço, o cheiro. Ela reconhecia
ele, mas não sabia quem ele era.
- Sua história é longa e triste, eu
procurei tanto por você... me desculpe. – Ela não respondeu. Ficaram em
silêncio durante um tempo, até que a mão tímida de Helga encostou em sua mão.
- Obrigada... Pai. – E deitou a
cabeça em seu colo.
- Lembra-se de seu nome?
- Nunca o esqueci. Helga.
E ficaram ali conversando sobre o futuro e até chegou a parecer que nada
de ruim acontecera. Acabou um pesadelo, pensou Helga, e iria para casa. Uma
casa que nunca esteve mas que será seu lar. Um novo lar, uma nova vida, onde
era filha, onde era feliz.
Então Gorto acordou.
Torkil mandou que o trouxesse para o
pátio, onde todos esperavam o seu julgamento, ou melhor, sua punição. Quando
dois homens o trouxeram, enquanto ele olhava incrédulo para o seu castelo,
viu-se vacilar em seu passo.
- O que você fez? – perguntou
indignado quando chegou aos pés de Torkil.
- Foi o que você fez. – Disse Torkil,
indicou para Helga se aproximar, mas estava com medo. – Não precisa ter medo,
hoje ele não te fará mal, nem nunca mais fará. – Ela chegou perto, lenta,
receosa. – vê ela?
- Minha Petri – tentou sorri para
ela.
- Seu nome é Helga. Você destruiu a
vida de minha filha, você arruinou o que ela poderia ter chamado de infância.
Você dormiu com ela? – Gorto ficou em silêncio, ponderando o nome que o
silenciou, filha... depois respirou fundo, e respondeu:
- Dormi, sim.
- Você dormiu com essa criança?
- Sim. Eu posso.
- Pode?
- Posso fazer o que quiser com o que
é meu.
- Fico pensando – Torkil continuou - se eu deveria cortar seu pau fora e
deixa-lo viver sendo pego por trás pro resto da vida, eu pensei nisso, eu
realmente pensei, mas você não merece viver, nem que seja a vida de um cão,
você não vale isso. Mas eu pensei em algo simbólico para a sua morte, meu
amigo.
Gorto levantou o olhar e encarou com desgosto. Torkil pediu que levassem
Helga dali.
- Seu merecimento. – e fez sinal para que trouxessem uma estaca de 1
metro e meio para a luz da pira.