terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Rezando o suficiente


    

    Para os seus pais, Elizabeth Cather teve o melhor destino possível, apesar do pobre condado onde seu pai era senhor, conseguiu casar-se com o príncipe Derick Donsaint, senhor das terras ao sul da Normandia, terra esta que poderia vir a se chamar de Inglaterra, mas nessa época ninguém pensava nisso, pelo menos não nessa historia. Ainda assim, não era surpresa alguma tal conquista, pois sua sutil beleza cativou o desejo de muitos homens, e entre eles, o príncipe.  Seu pai chorou de alegria e alívio ao ver o primeiro beijo do casal em seu grandioso casamento, e não só ele, como também muitos outros, vendo par tão perfeito, ela, com seus  olhos tão profundos e fortes, cabelos negros cascateando em uma coroa de rosas, em uma sereno contraste com sua pele tão branca quanto a pérola em sua aliança, sustentando o olhar de uma forma tão harmoniosa com o do príncipe Derick, seu homem, príncipe, senhor e rei.                    Mas não foi assim.
    A primeira noite foi carregada de lágrimas, sangue e dor. O príncipe a maltratou tanto que não é válido descrever o que lhe foi infligida, basta saber que o que aconteceu em uma só noite foi capaz de destruir a vida inteira de uma garota que podia ter sido feliz.  Ferida, tremendo, rasgada, a sensação de ter sido invadida, de ter sido destruída por dentro a corroia, e mal se deu conta quando percebeu que estava sendo arrastada, puxada pelos cabelos até a igreja pessoal do príncipe. Lá foi jogada.
-Reze pelos pecados que cometeu hoje! – Disse, dando um forte chute em seu estomago.  Apesar da descrença de que aquilo poderia ser real, perguntou:
-Mas – disse, enquanto tentava puxar algum pouco de ar – mas que pecado? Você, vo...- Ela foi atingida por um soco.
- Ora, você, pecadora, me fez cometer tudo isso! Me fez ser impuro! Agora pague por isso e reze! – E a chutou novamente.
Ela parou ali e chorou. Chorou e rezou.

    O padre Justino Cavalcante estava outra vez impaciente com a pouca arrecadação que conseguira extrair dos camponeses da redondeza para a reforma da igreja. Aparentemente ela não precisava de reforma, mas ele dizia que era necessário uma peça de prata vinda do Santo Padre, de Roma, para abençoar esse lugar, e para isso precisava de muitas moedas, o que não conseguia ali. Precisava falar com o príncipe, ele entenderia e daria um jeito de aumentar os impostos, era preciso. Um pobre diabo esbarrou em sua perna.
-Santo padre, dai-me do que comer – Chorou o infeliz.
-Não – afastou o pé com nojo – mas rezarei para ti, que Deus lhe abençoe.
Os guardas no portão não se importarão com sua passagem, mas barraram com extrema violência uma camponesa que vinha pouco depois dele. 
- Está no jardim. – disse uma mulher bela, com os lábios cortados e marcas pelos braços, mas bonita, ainda assim, admirou-a, e desejou-a, imaginado coisas que transcendiam sua batina. Cumprimentou-a antipaticamente e dirigiu-se para o Jardim. O padre se encabulou um pouco  quando encontrou o príncipe com as mãos embaixo das saias de uma das empregadas que estavam com ele, sorriu ao vê-lo.
- Ora padre, quer também? – Justino empertigou-se e ficou vermelho de raiva, mas conteve-se, lembrando de seu propósito.
-Sabe que não admito isso, meu senhor, venho aqui pedir algo importantíssimo! – O príncipe afastou a mulher com um tapa em suas costas, onde saiu assobiando da dor na mão pela força usada.
-Diga, padre, e eu concederei.
-Preciso do artifício do Santo padre, senhor, se não essa terra não terá benção! – Disse, como se carregasse a cura da doença em suas palavras. O príncipe sorriu, e o padre soube que era bom.
-Conseguirei seu dinheiro, e , o que é isso? – sorriu, pois tinha identificado perversão em seu olhar. – olhando para minha princesa?
O padre encabulou-se todo, em um misto de surpresa e ofensa, mas não adiantava, tinha sido pego e só Jesus poderia livrá-lo de tal vergonha. Mas sentiu um prazer crescer e dominar seu membro viril, porque aquele sorriso sugeria coisas melhores.
- Padre, sabe que o que quiser, pode pedir, pois tudo que é meu é da casa de Deus. – e apontou para onde o padre evitava olhar, para ela. Elizabeth.

    Um mês se passou até chegar o dia em que a peça abençoada chegasse a Igreja, nesse dia houve louvores e comemorações, o dia em que Deus abençoou a todos, não bem todos. A Igreja resplandecia e todos gozavam de conforto e bem estar, pois estavam certos de que o olhar de Deus recaia ali e deleitava-se com o que via.
Elizabeth não tinha ido a comemoração e nem havia saído do quarto naquele dia, decidira rezar do seu cômodo, e teve a sorte de conseguir pois segundo o padre Justino, era uma ofensa ter a presença de um ‘’objeto’’ tão usado por todos. Quando bateram em sua porta, de alguma forma sabia o que era, tentou ser forte e encarar quem entrava, mas quando a porta se abriu, não resistiu o choro.

    Era noite quando foi levada para a igreja. Dois Guardas e um monge a carregavam as escondidas. Quando  entraram nos fundos da Igreja, passaram uma corrente em seu pescoço e o monge a arrastou. Ela perdeu a conta de quantos cômodos passou até entrar em um cômodo escuro e ser jogada lá dentro, com a corrente pesando em seu pescoço. Sentou se no chão gelado e tentou retirar à corrente, em vão. Quando seus olhos acostumaram-se a escuridão, feriu-os com a luz de uma vela que surgiu em meio ao breu e através da nova fonte de luminosidade, viu o silencioso padre Justino balançar o fósforo no ar para apagar a ponta em chamas enquanto olhava para ela de forma dura e inquisitória.
- Deve saber o porque está aqui, Elizabeth.
-Eu devo ter pecado, senhor.
-Ah, sim, e parece que não andou rezando o suficiente.
-É... parece que não... – Disse, sem forças, sabendo o que estava por vir.
-Cuidado com sua língua!- Disse o padre, agarrando seu rosto cruelmente com a mão, espremendo até sentir as lágrimas escorrerem por entre seus dedos. – Darei uma melhor função a ela, sua cadela do diabo! – largou-a no chão e começou a rasgar suas roupas com uma adaga. Elizabeth suspiro com o aço frio em contato com sua pele. O padre empertigou-se enquanto levantava a bata e procurava alcançar seu membro viril embaixo de tantos panos. Alegre por enfim alcançá-lo, pegou-o e segurou-o bem como que com medo de que pudesse fugir e apontou-o para ela, feliz.
Então começou.

    Gritos começaram a surgir da escuridão como sombras surgem ao aparecimento de alguma luz. O padre parou, afrouxou a mão e os tecidos o cobriram novamente.
-Mas que demônios, Jesus, esta acontecendo lá fora? – A duvida começou a perder lugar para um medo.        Os gritos agora eram de fúria. A perplexidade dele fez Elizabeth sorrir inconscientemente, não se preocupando com a sua vida, mas ver o medo no rosto do santo homem era impagável. O padre irou-se
-Foi você, não foi? Bruxa fodida! – Disse, puxando a corrente de Elizabeth, mas nesse exato momento a porta escancarou-se, esbarrando em seu rosto, jogando-o para trás.  O quarto encheu-se de fúria e aço e o padre foi feito em pedaços em relâmpagos de luz refletidas nas laminas.  Elizabeth ficou pasma com a explosão a sua frente e preparou-se para o fim quando foi encarada pelos tenebrosos intrusos. Encararam-na mas não a despedaçaram, como ela pensou que fariam, imaginando ser demônios que vieram acabar com tanto pecado. Mas eles sorriram e pegaram ela, jogaram-na em seus ombros e a carregaram, como um saco de espólio. Ela estava abismada ‘’me levaram para o inferno por tudo o que fiz, ó, meu doce senhor!’’. Rapidamente estavam fora da igreja, jogaram-na junto de outras mulheres e ela viu o príncipe, o seu príncipe.
    Ele estava com espada em punho, gritando por soldados, mas todos estavam fugindo ou mortos. O homem que tinha carregado ela, virou-se para um dos que estavam com ele e disse algo em uma língua que ela não entendeu, agora que estavam fora, viu que eram homens do norte, vestidos em aço, uns com espadas, outros com machados, carregando escudos redondos, cada qual com desenhos e cores em mil variações. Ela sabia disso porque seus pais lhe ensinaram sobre eles, sobre seus ancestrais do norte. O homem do norte jogou o elmo para um dos companheiros, jogou o escudo para o outro e dirigiu-se para o príncipe, com um machado em mãos. Ele mandou os outros se afastarem e parece que riram e obedeceram, eles estavam se divertindo com isso, porém o príncipe não, nem um pouco, por sinal. O homem gritou algo que ela não compreendeu e parece que o príncipe também não, mas pelos gestos, entendeu-se que era uma luta entre os dois.
    O príncipe partiu para cima do homem do norte, brandindo a espada, calculando o golpe perfeito, porém este se deslocou com facilidade para esquiva-se do golpe, desferindo em sua canela uma machadada. O golpe foi forte e o príncipe vacilou, caindo de quatro. Os homens riram e o homem do norte chutou sua bunda, enterrando sua cara na lama. Mandou que se levantasse, mas ele ficou e chorou no chão. Era uma cena cômica, e até os camponeses sitiados gozaram do acontecimento, mesmo estando à beira da morte. O homem do norte agarrou os cabelos loiros do príncipe e o puxou para que se levantasse, quando finalmente ergueu o humilhado, havia tufos loiros em sua mão. Porém, quando mal percebeu, o príncipe cravou uma adaga em seu estômago. O homem do norte ficou sem acreditar, dobrou-se, caiu no chão e ficou lá. Um ‘’ohhhh’’ soou entre os expectadores.
    O príncipe riu e quando conseguiu reunir confiança para desafiar outro inimigo, uma flecha soou e cravou-se em sua garganta. Não acreditou, então outra brotou em seu peito, tamanha era a velocidade que mais parecia que nascia dele, e então mais uma, e outra, e logo estava de joelhos com várias flechas no corpo. Gaguejou algo, mas o sangue gorgolejava em sua boca, então, não entendeu quando todos caíram na gargalhada, o homem do norte, que ele havia matado, se levantara e estava rindo com os outros, vários companheiros correram para ele e riram juntos da pegadinha que havia pregado em todos, a maldita adaga do príncipe sequer atravessara a cota de malha do sujeito. Todos estavam rindo e o abraçando, enquanto o príncipe encarava suas mãos ensanguentadas.
    Elizabeth levantou-se e saiu em direção ao príncipe, os homens do norte não se preocuparam em detê-la, todos estavam rolando de rir para lá e para cá. Pegou uma espada qualquer e dirigiu-se até lá. Os homens pararam de rir quando ela chegou perto, mas o tal sujeito do norte fez um gesto como que para indicar que não a interrompessem. Ela foi até o príncipe. Ele não tinha palavras, mas seus olhos ainda estavam cheios de frases. Ela colocou a espada em sua garganta e desceu-a, demorou, porque era difícil, mas conseguiu, e quando o fez, todos estavam rindo muito mais, e aplaudindo-a. Alguém chegou e a agarrou e fez como que dançasse, ela não sabia o que fazer, tudo era um turbilhão de coisas, suas roupas estavam rasgadas, suas mãos sujas de sangue, tudo queimava, mas ela encontrou paz naquele caos.

    A ultima vez em que ela olhou para a vila, o corpo do príncipe estava amarrado de cabeça pra baixo em um pedaço de pau, nu como um porco.  A vila estava sendo atacada e a igreja queimava, e ai Elizabeth soube que rezou o suficiente.