segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Quando a Guerra chama pt1


Muitas espadas foram forjadas por sua causa, como também, muitas foram trincadas, muitos escudos feitos e partidos, muitas vidas nascidas e perdidas. A senhora Guerra faz o seu chamado. Tem se passado alguns anos desde que ela chamou, desde que os homens tem atendido ao seu chamado, uns por liberdade, outros por amor, outros por poder, outros por prazer.
Ele estava sentado perto da fogueira do acampamento amolando um punhal velho que encontrara, um rapaz jovem ainda, não tão jovem talvez, nesses tempos escuros tornavam-se homens mais cedo. Chamava-se Cornell Brown. Ouvira que esse seria o ultimo confronto, a máxima de todos os dois exércitos se concentravam ali, naquela planície, separados apenas por alguns poucos quilômetros, esperando o momento para o derradeiro fim.
Milhares de homens se aglomeravam entre capas velhas de barraca e pedaços de madeira ao seu redor, do outro lado podia se ver no horizonte o resto do campo coberto por uma mancha escura de onde aqui e ali subia colunas de fumaça escura. O exercito de Sete cabeças, era como chamavam todo aquele espaço escuro que se movia. Dava Leviathan, ou como preferia que o chamassem, o Rei de Sete cabeças, era o dono daquele exercito. E a guerra tinha um papel a realizar para ele.
Há muito tempo atrás dizia se que o mundo era regido por Leviathan, o dragão do caos, o devorador de anjos, aquele que o vôo era tão alto e devastador que ia ao próprio céu se alimentar de anjos, até que ele adormeceu, definitivamente, não se sabe como, se foi um papel do próprio Deus, se houve algum anjo que realizou tal, mas ele adormeceu. Embaixo da terra, eternamente enterrado e preso no mais profundo sono. Mas isso remota há tantos séculos, milênios, que não era mais que um mito. Os Leviathan, uma família poderosa, respeitada por todos os reinos, apesar de seu comportamento incomum, envolvidos com necromancia, bruxaria, coisas do gênero, mas temidos pelo seu exercito ameaçador, até que o Rei de Sete Cabeças decidiu realizar uma empreitada de caos, como gostava de expressar. Nos escritos da família dizia-se ‘’Quando as Sete cabeças derramar sangue de todos mortais, inocentes e corrompidos em exagero sobre as terra marcada, o sangue molhara, o fedor cheirará e assim o Devorador retornará para restabelecer o caos de outrora... ’’. Dava em sua eloqüência, autoproclamou-se o Rei de Sete cabeças e agora estava empenhado em realizar a profecia de sua família.
O caso era que poucos deram credibilidade a essa ‘’profecia’’ até que se começou a matança em escala exorbitante, Dava massacrou cidade após cidade, a fim de derramar por toda a terra o sangue para assim molhar e cheirar. Para impedir essa insanidade, os homens livres reuniram-se para enfrentar tal causa em comum, guiados pelo rei Elbereth e isso tem durado quase 10 anos, até essa noite.
Cornell voltou de sua retrospectiva quando um homem sentou-se a seu lado e começou a preparar uma lebre para a fogueira com pressa, enquanto mais outros dois se aproximavam e sentavam-se ao redor da fogueira.
-Dizem que será a meia-noite – Falou o homem da lebre, podia sentir a divisão do medo em cada sílaba pronunciada.
-É, eu soube algo do tipo – Disse outro que descalçava as luvas tentando transmitir um pouco de descaso, pensar muito antes só piorava as coisas. Aproximou as mãos do fogo e as esfregou uma na outra.
- Os homens não estão muito confiantes – disse outro, menor que os outros, mas bastante robusto, tinha um machado pendurado à cintura, confundiam-no facilmente com um anão.
- O Conde parece animado com a estratégia de combate, estão preparando trincheiras e chegou outra remessa de lanças do sul, de Estevan, a frente dos lanceiros irá resistir bastante, e dizem que há muitas montarias nos Sete Cabeças. – Disse o próximo ao fogo.
- Essas montarias cospem fogo, foi o que me disseram, elas precisam mesmo é de um pesado machado como esse no meio das narinas ferventes.
Riram fracamente, um sorriso cansado para cada um.
- Quer um pouco, Brown? – Apontou o homem da lebre um pedaço para Cornell – hum?
- Não Edgar, obrigado, isso tudo ta me tirando o apetite.
- Não pode ficar sem se alimentar, precisará de força, meu jovem – Disse o do machado, Carl.
De trás de todos os outros surgiu um homem, um tipo diferente, bastante parecido com Cornell, com uma aparência levemente mais velha, com cabelo e olhos bem mais escuros, possuía uma armadura e cota de malha, desgastadas, mas com a sua devida qualidade, no braço uma atadura manchada com gotas vermelhas.
- Bem rapazes, está na hora. - Disse sorridente. Os cabelos escuros brilhavam castanhos á luz da fogueira.
- Sente-se conosco Simon, ainda tem um pouco de lebre – Falou Edgar.
- Só se for para palitar os dentes, não é? Vamos, o Conde está nos convocando, preparem suas coisas. – Os demais se levantaram e seguiram em direções diferentes, menos Cornell, Simon sentou-se ao seu lado.
-Tome cuidado hoje a noite, papai gostaria de nos ver aqui. – Agora estava sério, eram bastante parecidos, cabelos escuros ao vento, olhos castanhos, e a pele suavemente queimada.
- Você também...
- Não vá chorar, venha, o capitão está mandando nos preparar, o rei descerá em breve.
- Descerá? – Cornell ficou surpreso.
- Sim, ele vai tentar estabelecer condições de guerra.
Foi até a sua barraca e tirou de lá o resto de seus equipamentos, colocou a bainha na cintura, retirou a espada e a observou, a lamina pálida e limpa, viu o reflexo fraco do seu rosto nela, segurou a firme e sentiu o equilíbrio que lhe proporcionava, a embainhou e apertou o cinto. Verificou a cota de malha, seu colete de couro fervido, seu sobretudo de couro, luvas e botas. Pensou se dessa vez não seria mesmo a ultima vez em que se vestia, flexionou os dedos dentro da luva e sentiu a força dos dedos aderindo ao couro, sentiu gosto pela vida, olhou para o céu bem iluminado pelas estrelas, um céu muito alegre para uma noite tão triste, mas era pra ser assim, talvez tudo tivesse um final feliz.
Dentro da barraca desenrolou um pequeno porta retrato e o observou, havia uma pintura de uma jovem mulher, passou o polegar ao redor do seu rosto, como se pudesse acariciar ela, enrolou-o em um pano e o guardou, desarmou a barraca e levou sua bagagem para o deposito do exercito. Após isso subiu para a reunião do capitão da tropa que pertencia, a tropa do Conde de Lacert, ele estava dando as devidas instruções, ele permaneceria na terceira frente, atrás dos lanceiros, iria parar aqueles que as lanças não fossem capazes de derrubar. Foi preparado pequenas trincheiras com pouco mais de um palmo de largura para quebrar as patas dos cavalos e de homens desatentos. Simon disse que a tropa de Estevan do sul estava chegando, talvez no meio da noite, infelizmente teriam de começar a guerra sem eles, mas seria uma surpresa para o inimigo. Desceram para a planície e se posicionaram nas suas devidas formações. Não ficou próximo de Simon, que participava da cavalaria, mas tinha seus amigos ali.
O rei Elbereth surgiu em seu cavalo saudando a todo o exercito, cavalgou de cima a baixo, encorajando a todos os homens com palavras de esperança e força, era um rei como contavam as historias, forte, austero e corajoso, na cabeça possuía uma coroa trincada, a mesma que o pai usara quando morrera em combate, muitos povos trouxeram coroas belamente forjadas em prata, ouro, com rubis e diamantes, mas ele fazia questão de honrar a memória do pai e continuar com a velha e trincada coroa, porém, ainda assim, em sua decadência, bastante bela. No horizonte se via também o exercito de Sete Cabeças em formação, mas não podia se ver bastante, apesar do céu estrelado. Da direção do exercito veio o mensageiro apressado, como que com a morte a suas costas, o que não deixava de ser, disse que Dava concordara em negociar, Elbereth fez questão de ir sozinho e Dava também. Elbereth se dirigiu sozinho para o centro da planície.
Dava assustou metade do exercito quando avançou em seu garanhão negro. Era incrivelmente grande, devendo ter quase três metros, alguns diziam que crescera assim por bruxaria para montar o Leviathan. Sua armadura negra cintilava opaca com o céu claro, mas o que chamava atenção a Dava era seu enorme elmo com chifres do tamanho de braços humanos, com aquela altura e vestimenta, não teriam dificuldade em confundi-lo com o demônio em pessoa, mas, o que realmente assustou foi o brilho dourado que era emanado de dentro do elmo pelas frestas dos olhos, como se fogo estivesse ardendo lá dentro. Cornell teve certeza que metade do exercito estremeceu ao ver Dava Leviathan aparecer.
Não se pode ouvir o que os dois falaram, apenas alguns sussurros de Elbereth, mas quando Dava respondia as suas exigências, um rugido vindo dele levantava-se e cortava o tenso silencio da noite. Os dois sacaram as espadas e desceram dos cavalos, iriam lutar. A linha de frente do batalhão quis avançar mas Elbereth ergueu a mão sinalizando que aquilo estava de acordo, iriam lutar e não desejavam ser interrompidos.
Elberth sacou sua espada, uma longa espada que a empunhava com as duas mãos, Dava fez o mesmo com sua arma, uma enorme espada que, incrivelmente a manejava com uma mão apenas, das costas tirou um tenebroso escudo e o prendeu em seu braço esquerdo, de dentro do seu elmo exalava calor. Era uma luta de titãs e a esperança dos homens estavam depositadas em Elbereth.
Dava avançou com força o escudo na direção de Elbereth, acertando e lançando-o ao chão, virou-se e desceu a espada com tremenda velocidade, e teria partido Elbereth ao meio se este não tivesse rolado a tempo. Em rápida subida, Elbereth atinge o braço esquerdo de Dava fazendo com que as correias do escudo se soltassem, em seguida desferiu um pesado golpe na perna mas foi parado a meio caminho por um soco em cheio de Dava, foi lançado alguns metros no ar e caiu no chão procurando algum vestígio de ar para aliviar a dor dos ossos recém quebrados. Dava apressou o passo em sua direção, brandindo a espada acima da cabeça, Elbereth apertou o punho da espada e levantou-se com dificuldade. O golpe de Dava veio tão rápido quanto o outro e Elbereth saltou para trás, e em seguida outro e mais outro, Elbereth precisava encontrar uma brecha, o corpo de Dava era inteiramente coberto por sua maciça e negra armadura, mas viu, conseguiu ver que nas juntas dos braços e do pescoço havia espaços, era ali que precisaria acertar. No golpe seguinte de Dava, Elbereth desviou e, ao invés de saltar para trás, avançou e desferiu precisamente um golpe nas juntas do braço direito de Dava. Para Elbereth, o tempo que o golpe levou para ser desferido pareceu uma eternidade até enfim atingir o alvo. A espada penetrou e transpassou, renascendo do outro lado, uma chama branca brotando de dentro do aço duro e negro.
Urros de alegria vieram do exercito e Cornell sentiu um alivio subir de sua barriga que não sentia a mais de cinco anos. Elbereth girou a espada a fim de decepar o braço de Dava em um só golpe. Quanto a Dava, não parecia ter demonstrado nenhum sinal de ter sido atingido, com a mão esquerda livre desferiu um forte soco na garganta de Elbereth, arrebentando-lhe o elmo e o queixo e lançando-o longe. O silencio estalou no exercito como um raio. Dessa vez Elbereth se contorcia tentando respirar enquanto engasgava com sangue e aço. Dava quebrou a ponta da espada que havia transpassado seu braço e a enterrou no peito de Elbereth, ali, naquele golpe, ele não matou só Elbereth, mas toda a esperança que um dia os homens tiveram.