quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

Balmung VI

Estranhamente, tudo era vermelho, a água do mar era vermelha, o sol brilhava vermelho, tudo possuía um tom avermelhado. Eu estava em meus dias antigos de gloria. Navegávamos no nosso barco de guerra, Presas de Fenrir. Ao longe, avistávamos terra, uma vila dos saxões. Via-se de longe uma grande torre, com uma cruz em seu topo. Isso era bom, eles enchem essas porcarias com ouro! Eldored estava comigo, firme e forte, vestido em aço, com Gori não era diferente, meu bigode não era branco como hoje, mas negro como o céu, minha força era o dobro da que possuo hoje em apenas um braço e a espada que aguardava em minha bainha retalhara muitos inimigos. Nós e a tripulação ovacionávamos com a promessa de saque e luta. O balançar das ondas aumentava nossa ansiedade e desejo e o corvo que voou a nossa frente era sinal de um bom presságio.
Aproximamo-nos da terra, os saxões preparavam-se para a resistência, isso era bom, pois nos prometia divertimento. Pus meu elmo, desci a viseira, o aço fechou-se ao meu redor, os demais fizeram o mesmo. Estávamos prontos para o ataque. Encalhamos o barco na praia e saltamos. O salto da guerra, como dizia o meu pai. Caiamos em terra e sei que fizemos o chão tremer. Éramos a guerra, a força, o vento do norte que vinha devastar a todos. Com espada em punho marchamos juntos ao longo da praia, em direção aos nossos inimigos. Alguns se aventuravam a nos enfrentar destemidamente apenas para darmos o abraço da morte a todos eles. Trucidamos todos eles. Um saxão veio em minha direção, o machado mal desferido, facilmente desarmado, pagou o preço de seu erro com minha espada em sua garganta. Joguei-o ao chão e continuamos nossa marcha mortal. Tudo estava naquele momento. Somos feitos para isso, tudo esta em jogo aqui. Nosso prazer está aqui.
Os inimigos saxões formaram a parede de escudo e juntos possuíam um número muito maior que o nosso. Era certo assim, pois nada que vem fácil é bom. A parede de escudo fechou-se em frente à grande igreja deles. Para lá corriam todas as crianças, mulheres, idosos e riquezas. Os saxões estavam confiantes, pois eram a maioria, ovacionaram insultos para nós. Formamos nossa parede de escudos, Gori e Eldored comigo. Batemos nossas espadas em nossos escudos e o trovão ecoou por toda a praia. Era a prova de que Thor estava em nosso favor.
Os covardes decidiram por jogar lanças e atirar flechas em nossa parede. Em vão. Avançamos mantendo nossa formação, dando passos precisos para que a parede não perdesse a forma. Nossa disciplina e firmeza assustaram os saxões, que desistiram de usar os truques baixos e apertaram-se em sua parede. Gritei para que mudássemos a formação para focinho de javali. Transformamos a formação de parede de escudo no formato de uma lança, para assim perfurarmos a parede inimiga e despedaçarmos eles. Não é algo fácil, obviamente, a parte dianteira, a que se faz a ‘’ponta da lança’’ leva o trabalho mais complicado, e claro, eu estava lá. O escudo no braço rígido, me escondi atrás dele, ao meu lado os outros faziam o mesmo, avançamos a frente enquanto os demais iam estreitando a parede, formando um tipo de triangulo. Forçamos a parede inimiga com nossa ‘’ponta’’, com toda a força de nossa parede ao nosso lado e logo eles não resistiram e romperam. É o inferno, pancadas de escudo, cortes de machado e beijos de navalha chovem por todos os lados. Não me feri uma única vez ali, várias vezes fui salvo pelo escudo amigo e pela cota de malha, já bastante avariada. Mas esses ferimentos sequer chegamos a sentir, apenas o desejo do combate prevalece em nós enquanto nosso sangue está quente.
Desfeita a parede de escudos após muito esforço, começamos uma chacina, despedaçando e desmantelando qualquer um que se mantivesse em nosso caminho. A formação deles fora desmontada de tal forma que agora abandonávamos nossa parede e avançávamos para o massacre. A minha espada ia e vinha com a facilidade que você corta a água com o remo de um barco. Muitos caíram aos meus pés até aparecer alguém que estava a minha altura. Alto e forte, quase o dobro de minha largura. Carregava um grande escudo a espada que possuía era diferente das demais.
Era esperto, mal veio em minha direção, lançou o escudo em mim, dando um grande empurrão, quase me lançando ao chão, com minha posição defensiva perdida, desfere um golpe onde o que me restou foi a esquiva, que adiantou por muito pouco, a lamina ainda beijou minha pele. Ele já estava pronto para me acertar com o escudo outra vez quando rolei para trás, ganhando espaço para pensar melhor. Ao meu redor a guerra se desenrolava e a terra bebia todo o sangue de seus filhos. Ele veio em minha direção, dessa vez eu fui também, com o que sobrara de meu escudo. Chocamos nossos escudos e nos encaramos por alguns segundos. Olhos furiosos me encaravam. Olhos da guerra. Eu sorri. Bati meu escudo no dele, forçando com meu ombro, isso o desestabilizou, aproveite. Rolando para o seu lado, acertei então um golpe preciso, em sua perna, bem atrás de seu joelho, onde temos a articulação. Apesar da malha de aço que protegia ali, o feri.
O desgraçado não se deixou abater e veio em minha direção, dessa vez, jogou o escudo em mim, e passou a usar a espada com as duas mãos. Em seu primeiro golpe, conseguiu partir meu escudo. Idiota. Com a espada presa nos pedaços de madeira e na borda de ferro do escudo, aproveitei para lhe acertar com o punho da espada o seu olho. Urrou de dor, acertei um ponta pé para afastá-lo de mim e assim que consegui isso, minha espada o mandou para outro mundo. Ela atingiu sua garganta, passando como se passasse uma faca em um queijo, deixando o grande corte como um sorriso em seu pescoço. O sangue jorrou como uma fonte. Seus olhos não eram mais de guerra.
Outro veio em minha direção, mas agora eu era o carrasco e ele só veio a mim para encontrar sua morte. Outros fizeram o mesmo e a todos dei o mesmo fim. Até que percebi uma coisa diferente. Um lobo estava ali, ele me circulava. Enquanto eu combatia, entre os golpes desferidos, entre os homens que caiam, eu vi. Mas não era só um, outro estava ali também. Não eram lobos normais, eram terríveis e formidáveis. Do tamanho de um boi, me circulavam, cheirando o sangue e me encarando. No meio da guerra eu vi um homem surgir. Não era nem alto, nem baixo, vinha em um passo lento, usava uma roupa negra e em sua mão não havia um cajado, mas uma lança. Era velho, uma barba branca como a alvorada descia de seu rosto. Em seus ombros havia dois corvos. Os lobos pararam cada um ao seu lado e quando me toquei, não havia combate, nem nenhum dos meus parceiros por perto, estava sozinho com ele.
- Lamdrak Landson, eu tenho um propósito para você. – Sua voz não era humana. Parecia que vinha do alto, não dele. Os lobos rosnavam e latiam ao seu lado, as presas brilhando como laminas de espada. Até então seu rosto estava encoberto por um chapéu velho, quando olhou em minha direção, revelou possuir apenas um olho. Era ele.
- Minha espada seguirá a direção de seu propósito.  
- Eu sei. Meu povo precisa de ajuda. Há um deus do outro lado do mar que quer subjugar os meus filhos, eu não permitirei isso. Preciso que encontre algo que irá mudar o que se passa. Seu povo precisa de um artefato que tenha meu poder. – Nesse instante ele bate sua lança no chão e faz tudo desaparecer. Estamos no vazio, apenas sentia os meus pés molhados em um lago sem fim. Então ele apontou a lança e eu olhei em sua direção. O que vi fez meu sangue de guerreiro gelar.
Um dragão levantou-se da água. Era enorme, maior do que qualquer coisa que eu já vi. Tinha cabeça de serpente e corpo de lagarto, Vi os dentes e senti como se eles cortassem minha pele, era difícil destituir qualquer coisa pois era negro como o céu, contrastando apenas os olhos, olhos cor de fogo que me encararam, a besta virou-se em minha direção, mostrando os dentes e sua imensidão negra cobriu os céus, mas ao ver Odin, parou e mudou de idéia, retomando o que ia fazer. Rugiu e fez tremer tudo.
Após o som do rugido se perder no tempo, ouvi uma respiração ofegante e o som de passos ao longe, chapinhando na água. Olhei e vi um guerreiro vindo em nossa direção, era jovem e forte, vestia uma roupa de couro surrada e pouco ali o protegeria em uma batalha. Passou por nos dois e seguiu em direção ao dragão.
- Ele é...?
- Sim, Sigurd e Fafnir. – Disse o velho caolho.
Sigurd brandia uma espada apenas, e foi ao dragão sem demonstrar medo algum. Este rugiu para ele, com o hálito fétido espalhando seu odor por todos os lados, cegando seus olhos com a podridão entrando por eles. Mas Sigurd não tinha medo e avançou para a besta. Esta tentou golpeá-lo com as garras, porém o jovem era rápido e destemido e, rolando para lá e para cá, chegou suficientemente próximo da besta para atingir-lhe um golpe.
Enfiou a espada na barriga da criatura, e por incrível que pareça, conseguiu perfurá-la! A couraça sólida como ferro que cobria a criatura rachou aonde o guerreiro investiu. Forçando a espada, rasgou a barriga da criatura até atingir o coração grande e negro. O monstro guinchou e rugiu até suspirar e cuspir para fora o ultimo ar de vida que havia. Do corte da criatura fez jorrar o seu sangue. O jovem, pequeno em frente a imensa criatura, se viu coberto por seu sangue. Ainda segurava a espada fincada no coração da besta enquanto berrava ao sentir o sangue percorrer todo o seu corpo. Retirou a espada do grande ferimento e ficou ali, no meio do sangue e vísceras da criatura que escorria e o cercava. Então Odin disse:
- Esta era a antiga espada Notung, vinda de minhas próprias mãos, mas despedaçada pelo castigo, agora então, refeita para a vitoria de Sigurd sobre o dragão Fafnir, a grande Balmung. Viu do que ela é capaz e é dela de que precisa. Encontre-a. Longe de suas terras, no lago onde os barcos fúnebres descansam a eternidade, Valsgarde.

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