Saíram da borda da floresta, pai e filho, e naqueles
tempos de frio, havia uma diferença quando se saia para o campo aberto sem o
acolhimento das arvores, Lamark Landson viu seu filho se encolher com o
primeiro beijo do vento frio em seu rosto, porém não se preocupou em aquecê-lo,
ele precisava aprender a se virar desde pequeno. Desceram a pequena encosta da
borda da floresta e seguiram pela trilha batida que levava para suas terras,
terras estas pertencentes a o que é chamada hoje de Noruega, terras frias e
duras. A Noruega é um lugar frio, mas belo, como o gelo é belo, e apesar do
frio, também é um lugar muito verde, possui suas planícies, tundra e suas
florestas, pelo menos enquanto o gelo não vem, há também suas altas montanhas,
estas em grande quantidade, entrecortadas pelo mar do atlântico norte, formando
os famosos fiordes noruegueses. Consegue imaginar? Em mim, sinto a saudade
desta minha terra, mas nunca esquecerei suas paisagens em meu coração, penso
que a quem nunca viu tal dimensão de imensidão, nunca compreenderá por simples
discrições, mas encarar um fiorde é se sentir consumido por tal, ser invadido
somente em olhar, temer pela imensidão, como se um gigante de gelo fosse se
erguer dali e anunciar o fim dos nossos dias.
Carregava o veado da caça em seu ombro, enquanto com a outra mão
incitava o filho a se apressar, era um norueguês e como era costume, tinha uma
bela e farta barba, que sempre vinha com uma trança ou outra de sua mulher. O
cabelo longo e castanho como carvalho vinha solto, preso a frente, para evitar
que atrapalhasse sua visão em caçadas e coisas do tipo. Usava seu gibão de
couro por cima de sua túnica, de um azul apagado e velho. Sua capa cinzenta
ajudava a suportar o frio. Olhou e viu o filho fechar os olhos com o vento, mas
ele iria se acostumar, e até gostar, como ele mesmo gostava. Não demoraram para
chegar as suas terras, uma das poucas que possuíam um forte naqueles tempos, o Velho
Lamm sempre esteve com um pé à frente, como todos diziam. Na fazenda do Velho
Lamm às coisas eram da seguinte forma, era uma grande propriedade com várias
casas construídas, algumas em madeira, outras em
pedra e torso, todas seguindo a mesma forma básica, nelas residiam os moradores
e trabalhadores responsáveis por manter as coisas em ordem, resumidamente. Na
propriedade encontrávamos encostas e poucos planaltos, possuía planície
suficiente para criar gado, porco e bode, ainda assim, havia mais espaço para o
cultivo e outras atividades, mesmo a agricultura não sendo algo muito favorável
em nossas terras. Era um lugar agradável e a saudade que sinto desse
lugar urge em meu interior. Cães corriam para todos os lados, crianças
brincavam, mulheres trabalhavam e homens caçavam. Já a casa do velho Lamm e de
sua família era mais diferenciada, chegando a ser um edifício rural mais amplo
e mais ricamente mobiliado, lá era um lugar onde podia se encontrar alimento,
calor e abrigo, tendo sempre musica e historias para se ouvir e admirar em
tempos de festança.
No entanto, como eu havia dito a propriedade também
possuía um forte, e em seus limites era reforçada com muros de madeiras
engenhosamente encaixadas e erguidas para a defesa daquelas terras e mesmo por
trás de tanta tranquilidade, aquelas pessoas que ali viviam tinham a guerra no
sangue e não demoraria um momento para a fazenda se tornar um forte pronto para
enfrentar um cerco de guerra.
Os cachorros vieram recebê-los e o jovem Lanark deitou e rolou com eles, estava alcançando
seus oito anos, era uma criança feliz e sorridente, o cabelo de um castanho
claro, com uma trança aqui e ali feita pela mãe e várias marcas nos cotovelos e
joelhos das muitas quedas e cortes de suas brincadeiras, tinha olhos alegres,
não havia os puxado do pai. Lamark o puxou para continuar com ele. Pararam na
casa de mantimentos.
- Mais um pra sua coleção – Disse Lamark, largando o
veado no balcão de madeira.
-Ah, meu amigo, disso ai nunca é demais, já estou indo
salgar este aqui. – Quem retornou foi Gori, o responsável pelos mantimentos na
propriedade do Velho Lamm, um homem de enorme barriga, costeletas fartas e
gordurosas, um nariz de batata e um sorriso grande com o que acabara de receber.
- Onde esta ele? – Referia-se a seu pai.
- O Velho Lamm esta embaixo da árvore Skald, e foi bom
ter perguntado, pois ele está te esperando e é essa a razão para não pedir a
você que fique aqui e me ajudar com essa outra porcaria.
- Na próxima vou tratar de encontrar um veado sem
tripas pra você, coisa que temos em todos os campos, principalmente nos do Hel,
né? – estava falando dos salões frios e condenados do inferno nórdico – te vejo
depois, Gori - Riu dando umas tapinhas no balcão antes de seguir, puxando o
pequeno Lanark.
A árvore Skald era uma antiga árvore da propriedade
onde em tempos memoráveis, os Skalds, poetas nórdicos, se reuniam para contar e
cantar a façanha de outros guerreiros que não eles, e isso, de alguma forma,
era formidável. Encontrou seu pai lá, o Velho Lamm, um veterano das invasões às
terras além mar, seu bigode comprido e branco já foi negro e provou muito das
guerras e do saque. Apesar de velho, era rígido como uma rocha, os cabelos
brancos emolduravam um rosto castigado pelo tempo, com um longo bigode
contornando o velho sorriso. Chamado antigamente de O Grande Lamm, foi
participante de várias incursões aos terrenos estrangeiros e fez parte do
Grande Exercito que assolou as terras dos saxões por anos, não só os saxões
como os francos e muitos outros, a exemplo das grandes incursões pelo
território dos mouros, chegando a buscar uma antiga cidade de valor dos
romanos, a própria Roma. As suas andanças fizeram-no lucrar o suficiente para
ser o que é hoje, um senhor de muitas terras. Ainda assim, por ser velho e
possuir um simpático sorriso, a fraqueza de seus ossos não lhe tiram a
reputação dos anos de guerra.
Agora é hora de conhecê-lo. Estava sentado á sombra da
árvore, segurando alguns pergaminhos velhos. Foi até o seu lado e sentou-se
junto a ele, largando enfim o pequeno para brincar.
- Hoje você demorou, esta ficando impotente na mira já
nesta idade? – Aqui esta a primeira fala de Lamm nestas crônicas.
- Estava ensinando o pequeno alguns fundamentos de
caça.
- E deu certo?
- Isso é o que veremos. – observaram juntos o pequeno
Lanark brincar no campo, enquanto corria na pequena encosta e descia rolando,
fazendo todos os movimentos possíveis. – Esse ai não para quieto.
- Você não era diferente dele nessa idade, parecia um
cachorro com fogo no traseiro, e veja no que se tornou hoje em dia.
- Um guerreiro – completou, com um sorriso frio.
- Um bode ranzinza acho, mas, enfim, não é isso que
quero tratar por hora, recebi noticias.
- Deles? – agora se referia a seus irmãos.
- De quem mais? Eles foram rechaçados, todos, e Jortun caiu. Torkil ainda vive e está
retornando, deverá chegar na próxima lua cheia... – Jortun e Torkil eram seus
irmãos, ambos participantes das campanhas de expedição em busca de conquistar o
solo britânico.
-Mas que raios, eles foram o que? Jortun, por Odin, o
que aconteceu com ele?
-Não tive muitos detalhes, Torkil chegará e nos
deixará a parte do que se passou. Essas campanhas, isso não está dando certo,
Lamark, nós só estamos pegando esses escandinavos sujos e derramando como um
balde de bosta naquela terra dos sonhos, isso não está dando certo,
definitivamente – e ele tinha razão.
- Éodred, Jortun... quantos mais? Maldição essa! –
quis se irritar, mas o olhar do Velho Lamm o restringiu.
- Nós temos um problema, Lamark, essa coisa de
expedições por conta própria, isso não é estrategicamente efetivo, sei que isso
tem dado certo, e que essas expedições renderam o que temos hoje, mas o que
queremos agora é algo muito grande, não são saques, entende? É maior do que o
que empilhamos nesses últimos tempos. Esses desgraçados não compreendem isso.
- Não... não compreendem.
- E nem você, por sinal, pergunte ‘’aonde você quer
chegar?’’
- Aonde você quer chegar? – estava pensando a perda
dos irmãos demais para acompanhar o raciocínio frio do pai, mas era isso que
devia ser feito.
-Nós precisamos de um líder, Lam, esse é o problema de
toda essa porcaria, não temos liderança e isso está acabando conosco. Não
precisamos de um Jarl ou outro, precisamos de um líder acima de todos os
Jarl's, de todos esses condes no nosso continente frio, precisamos de alguém
que os una e que faça levarmos um exercito arrebatador para aquele continente
além-mar.
Aquilo era verdade, não tínhamos um senhor, um rei,
algum líder em potencial, apenas nos reunia a quem melhor pagasse prata e ouro,
éramos um povo muito forte para nos submetermos a simplesmente um sujeito.
- Sim, mas não somos o tipo de pessoa que dobra o
joelho – disse.
- Não, e isso é o que esta nos atrasando, aqueles
saxões, nortumbrianos, que se dobram não só a um rei, mas também aquele Deus
ganancioso e louco que pregou o filho em uns pedaços de pau, essa devoção os
une além da prata e ouro da guerra e por isso eles são melhores que nós.
- Tem sentido em suas palavras, pai, mas não possuímos
esse líder e duvido que encontremos alguém que faça todos seguirem-no, talvez o
Jarl Ubber, ou mesmo Harald, entre outros, mas todos somente os seguiram pela
prata que for prometida.
- Sim, mas eu tenho percebido uma coisa, precisamos de
algo divino, Lam, algo que transcenda essa busca por pilhagem e coxas quentes,
algo mais importante, sabe do que falo?
- Algo com os Deuses?
O velho Lamm coçou sua barba rala e seu bigode
comprido e branco.
- Sim, os deuses vieram para mim Lamm. Tive um sonho
com Odin, e isso é um sinal.
O assunto estava ficando sério demais.
- Pai, pense nas palavras que esta para falar.
- Sabe que sou um homem de palavra, agora me escute.
Em meu sonho, estava em meu antigo barco, e era ainda jovem, com minha antiga
tripulação, o Gori, ainda era forte e ágil, e não a pilha gorda que vive na
cozinha, e você e seus irmãos não passavam da idade do pequeno Lanark. Íamos
pilhar uma daquelas vilas, mas no meio do fogo da destruição que nós
proporcionávamos e festejávamos em sangue e luta, eu o vi, e eu sei que era
ele, Lam, vi seu olho cego, pois me encarou e falou comigo, seus lobos me
cercavam e seus corvos grasnavam em seus ombros, e derrepente só havia nós
dois. E ele me mostrou a irá de Sigurd, o conhecido matador de Fafnir, o
gigante convertido em dragão, e em sua irá ele empunhava uma arma além de
qualquer outra que eu já tenha visto, uma espada empunhada pelo próprio Odin em
outra era, e eu sabia que era isso, Lam, a espada Balmung, a cólera nórdica,
ele quis dizer isso para mim.
- A espada Balmung, sabemos de sua historia. – Disse,
acompanhando as idéias do pai, com um temor reverente.
- Sim, e Odin me mostrou onde ela se encontra. Sabe
como se teve fim Sigurd, com as diversas mortes e traições em sua trama, porém
a espada ainda persiste escondida e abandonada nas nossas terras escandinavas,
e agora os deuses indicam o caminho dela para nós. Há um propósito, Lamm, ela
dará a liderança que nosso povo precisa. E você irá buscá-la.
Não respondeu, era isso e devia ser feito.
- Os deuses estão conosco?
- Estão – disse o velho. Lamark observou seu filho
brincando.
- Engraçado como ele esta satisfeito, não é? Como pode
ser feliz com tão pouco. Eu o invejo.
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