sábado, 6 de abril de 2013

Prelúdio a uma busca II

Saíram da borda da floresta, pai e filho, e naqueles tempos de frio, havia uma diferença quando se saia para o campo aberto sem o acolhimento das arvores, Lamark Landson viu seu filho se encolher com o primeiro beijo do vento frio em seu rosto, porém não se preocupou em aquecê-lo, ele precisava aprender a se virar desde pequeno. Desceram a pequena encosta da borda da floresta e seguiram pela trilha batida que levava para suas terras, terras estas pertencentes a o que é chamada hoje de Noruega, terras frias e duras. A Noruega é um lugar frio, mas belo, como o gelo é belo, e apesar do frio, também é um lugar muito verde, possui suas planícies, tundra e suas florestas, pelo menos enquanto o gelo não vem, há também suas altas montanhas, estas em grande quantidade, entrecortadas pelo mar do atlântico norte, formando os famosos fiordes noruegueses. Consegue imaginar? Em mim, sinto a saudade desta minha terra, mas nunca esquecerei suas paisagens em meu coração, penso que a quem nunca viu tal dimensão de imensidão, nunca compreenderá por simples discrições, mas encarar um fiorde é se sentir consumido por tal, ser invadido somente em olhar, temer pela imensidão, como se um gigante de gelo fosse se erguer dali e anunciar o fim dos nossos dias.
Carregava o veado da caça em seu ombro, enquanto com a outra mão incitava o filho a se apressar, era um norueguês e como era costume, tinha uma bela e farta barba, que sempre vinha com uma trança ou outra de sua mulher. O cabelo longo e castanho como carvalho vinha solto, preso a frente, para evitar que atrapalhasse sua visão em caçadas e coisas do tipo. Usava seu gibão de couro por cima de sua túnica, de um azul apagado e velho. Sua capa cinzenta ajudava a suportar o frio. Olhou e viu o filho fechar os olhos com o vento, mas ele iria se acostumar, e até gostar, como ele mesmo gostava. Não demoraram para chegar as suas terras, uma das poucas que possuíam um forte naqueles tempos, o Velho Lamm sempre esteve com um pé à frente, como todos diziam. Na fazenda do Velho Lamm às coisas eram da seguinte forma, era uma grande propriedade com várias casas construídas, algumas em madeira, outras em pedra e torso, todas seguindo a mesma forma básica, nelas residiam os moradores e trabalhadores responsáveis por manter as coisas em ordem, resumidamente. Na propriedade encontrávamos encostas e poucos planaltos, possuía planície suficiente para criar gado, porco e bode, ainda assim, havia mais espaço para o cultivo e outras atividades, mesmo a agricultura não sendo algo muito favorável em nossas terras.  Era um lugar agradável e a saudade que sinto desse lugar urge em meu interior. Cães corriam para todos os lados, crianças brincavam, mulheres trabalhavam e homens caçavam. Já a casa do velho Lamm e de sua família era mais diferenciada, chegando a ser um edifício rural mais amplo e mais ricamente mobiliado, lá era um lugar onde podia se encontrar alimento, calor e abrigo, tendo sempre musica e historias para se ouvir e admirar em tempos de festança.
No entanto, como eu havia dito a propriedade também possuía um forte, e em seus limites era reforçada com muros de madeiras engenhosamente encaixadas e erguidas para a defesa daquelas terras e mesmo por trás de tanta tranquilidade, aquelas pessoas que ali viviam tinham a guerra no sangue e não demoraria um momento para a fazenda se tornar um forte pronto para enfrentar um cerco de guerra.
Os cachorros vieram recebê-los e o jovem Lanark deitou e rolou com eles, estava alcançando seus oito anos, era uma criança feliz e sorridente, o cabelo de um castanho claro, com uma trança aqui e ali feita pela mãe e várias marcas nos cotovelos e joelhos das muitas quedas e cortes de suas brincadeiras, tinha olhos alegres, não havia os puxado do pai. Lamark o puxou para continuar com ele. Pararam na casa de mantimentos.
- Mais um pra sua coleção – Disse Lamark, largando o veado no balcão de madeira.
-Ah, meu amigo, disso ai nunca é demais, já estou indo salgar este aqui. – Quem retornou foi Gori, o responsável pelos mantimentos na propriedade do Velho Lamm, um homem de enorme barriga, costeletas fartas e gordurosas, um nariz de batata e um sorriso grande com o que acabara de receber.
- Onde esta ele? – Referia-se a seu pai.
- O Velho Lamm esta embaixo da árvore Skald, e foi bom ter perguntado, pois ele está te esperando e é essa a razão para não pedir a você que fique aqui e me ajudar com essa outra porcaria.
- Na próxima vou tratar de encontrar um veado sem tripas pra você, coisa que temos em todos os campos, principalmente nos do Hel, né? – estava falando dos salões frios e condenados do inferno nórdico – te vejo depois, Gori - Riu dando umas tapinhas no balcão antes de seguir, puxando o pequeno Lanark.
A árvore Skald era uma antiga árvore da propriedade onde em tempos memoráveis, os Skalds, poetas nórdicos, se reuniam para contar e cantar a façanha de outros guerreiros que não eles, e isso, de alguma forma, era formidável. Encontrou seu pai lá, o Velho Lamm, um veterano das invasões às terras além mar, seu bigode comprido e branco já foi negro e provou muito das guerras e do saque. Apesar de velho, era rígido como uma rocha, os cabelos brancos emolduravam um rosto castigado pelo tempo, com um longo bigode contornando o velho sorriso. Chamado antigamente de O Grande Lamm, foi participante de várias incursões aos terrenos estrangeiros e fez parte do Grande Exercito que assolou as terras dos saxões por anos, não só os saxões como os francos e muitos outros, a exemplo das grandes incursões pelo território dos mouros, chegando a buscar uma antiga cidade de valor dos romanos, a própria Roma. As suas andanças fizeram-no lucrar o suficiente para ser o que é hoje, um senhor de muitas terras. Ainda assim, por ser velho e possuir um simpático sorriso, a fraqueza de seus ossos não lhe tiram a reputação dos anos de guerra.
Agora é hora de conhecê-lo. Estava sentado á sombra da árvore, segurando alguns pergaminhos velhos. Foi até o seu lado e sentou-se junto a ele, largando enfim o pequeno para brincar.
- Hoje você demorou, esta ficando impotente na mira já nesta idade? – Aqui esta a primeira fala de Lamm nestas crônicas.
- Estava ensinando o pequeno alguns fundamentos de caça.
- E deu certo?
- Isso é o que veremos. – observaram juntos o pequeno Lanark brincar no campo, enquanto corria na pequena encosta e descia rolando, fazendo todos os movimentos possíveis. – Esse ai não para quieto.
- Você não era diferente dele nessa idade, parecia um cachorro com fogo no traseiro, e veja no que se tornou hoje em dia.
- Um guerreiro – completou, com um sorriso frio.
- Um bode ranzinza acho, mas, enfim, não é isso que quero tratar por hora, recebi noticias.
- Deles? – agora se referia a seus irmãos. 
- De quem mais? Eles foram rechaçados, todos, e Jortun caiu. Torkil ainda vive e está retornando, deverá chegar na próxima lua cheia... – Jortun e Torkil eram seus irmãos, ambos participantes das campanhas de expedição em busca de conquistar o solo britânico.
-Mas que raios, eles foram o que? Jortun, por Odin, o que aconteceu com ele?
-Não tive muitos detalhes, Torkil chegará e nos deixará a parte do que se passou. Essas campanhas, isso não está dando certo, Lamark, nós só estamos pegando esses escandinavos sujos e derramando como um balde de bosta naquela terra dos sonhos, isso não está dando certo, definitivamente – e ele tinha razão.  
- Éodred, Jortun... quantos mais? Maldição essa! – quis se irritar, mas o olhar do Velho Lamm o restringiu.
- Nós temos um problema, Lamark, essa coisa de expedições por conta própria, isso não é estrategicamente efetivo, sei que isso tem dado certo, e que essas expedições renderam o que temos hoje, mas o que queremos agora é algo muito grande, não são saques, entende? É maior do que o que empilhamos nesses últimos tempos. Esses desgraçados não compreendem isso.
- Não... não compreendem.
- E nem você, por sinal, pergunte ‘’aonde você quer chegar?’’
- Aonde você quer chegar? – estava pensando a perda dos irmãos demais para acompanhar o raciocínio frio do pai, mas era isso que devia ser feito.
-Nós precisamos de um líder, Lam, esse é o problema de toda essa porcaria, não temos liderança e isso está acabando conosco. Não precisamos de um Jarl ou outro, precisamos de um líder acima de todos os Jarl's, de todos esses condes no nosso continente frio, precisamos de alguém que os una e que faça levarmos um exercito arrebatador para aquele continente além-mar.
Aquilo era verdade, não tínhamos um senhor, um rei, algum líder em potencial, apenas nos reunia a quem melhor pagasse prata e ouro, éramos um povo muito forte para nos submetermos a simplesmente um sujeito.
- Sim, mas não somos o tipo de pessoa que dobra o joelho – disse.
- Não, e isso é o que esta nos atrasando, aqueles saxões, nortumbrianos, que se dobram não só a um rei, mas também aquele Deus ganancioso e louco que pregou o filho em uns pedaços de pau, essa devoção os une além da prata e ouro da guerra e por isso eles são melhores que nós.
- Tem sentido em suas palavras, pai, mas não possuímos esse líder e duvido que encontremos alguém que faça todos seguirem-no, talvez o Jarl Ubber, ou mesmo Harald, entre outros, mas todos somente os seguiram pela prata que for prometida.
- Sim, mas eu tenho percebido uma coisa, precisamos de algo divino, Lam, algo que transcenda essa busca por pilhagem e coxas quentes, algo mais importante, sabe do que falo?
- Algo com os Deuses?
O velho Lamm coçou sua barba rala e seu bigode comprido e branco.
- Sim, os deuses vieram para mim Lamm. Tive um sonho com Odin, e isso é um sinal.
O assunto estava ficando sério demais.
- Pai, pense nas palavras que esta para falar.
- Sabe que sou um homem de palavra, agora me escute. Em meu sonho, estava em meu antigo barco, e era ainda jovem, com minha antiga tripulação, o Gori, ainda era forte e ágil, e não a pilha gorda que vive na cozinha, e você e seus irmãos não passavam da idade do pequeno Lanark. Íamos pilhar uma daquelas vilas, mas no meio do fogo da destruição que nós proporcionávamos e festejávamos em sangue e luta, eu o vi, e eu sei que era ele, Lam, vi seu olho cego, pois me encarou e falou comigo, seus lobos me cercavam e seus corvos grasnavam em seus ombros, e derrepente só havia nós dois. E ele me mostrou a irá de Sigurd, o conhecido matador de Fafnir, o gigante convertido em dragão, e em sua irá ele empunhava uma arma além de qualquer outra que eu já tenha visto, uma espada empunhada pelo próprio Odin em outra era, e eu sabia que era isso, Lam, a espada Balmung, a cólera nórdica, ele quis dizer isso para mim.
- A espada Balmung, sabemos de sua historia. – Disse, acompanhando as idéias do pai, com um temor reverente.
- Sim, e Odin me mostrou onde ela se encontra. Sabe como se teve fim Sigurd, com as diversas mortes e traições em sua trama, porém a espada ainda persiste escondida e abandonada nas nossas terras escandinavas, e agora os deuses indicam o caminho dela para nós. Há um propósito, Lamm, ela dará a liderança que nosso povo precisa. E você irá buscá-la.
Não respondeu, era isso e devia ser feito.
- Os deuses estão conosco?
- Estão – disse o velho. Lamark observou seu filho brincando.

- Engraçado como ele esta satisfeito, não é? Como pode ser feliz com tão pouco. Eu o invejo.

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