sábado, 27 de abril de 2013

O Retorno dos Derrotados III


            Era triste ver uma frota tão pequena retornar para casa quando tantos barcos partiram formidáveis e esplendorosos, no seu deleite da aventura e da promessa de saque e guerra. Naqueles tempos, apreciávamos uma terra não tão dura quanto a nossa, amávamos nosso lar, de fato, mas havia a promessa de um lugar mais caloroso, um lugar não só de riquezas, mas de mulheres, de conforto, onde o intermitente frio não assola o nosso coração. Então partimos, buscamos esse lugar novo, e claro, sabíamos que haveria luta, e isso não seria razão para nos alegrarmos ainda mais? Um povo fraco que partíamos ao meio com facilidade, mas tem sido diferente, eles têm resistido e tem mandado nossos guerreiros de volta, isso tem acontecido com mais frequência e é o que veremos agora. Dos mais de 200 barcos que partiram daqui na ultima expedição, não chega a 15 os que retornam.
O inverno já estava alto quando os barcos finalmente atracaram em nossas praias, ao som das ondas e dos choros de saudade. As recepções costumavam ser alegres, mas de uns tempos pra cá isso foi se perdendo, essas viagens tem tornado-se infrutíferas e poucos são os que conseguem retornar com pouca prata e muita historia para contar. Torkild era um deles, filho do velho Lamm, forte como um touro, esperto como uma raposa e com o coração grande de uma baleia, porém, costumava ser assim, pois o Torkild que desembarcou naquelas praias era um ser atormentado, duro e frio como os ventos de sua terra natal. Desceu do barco, com ajuda dos que o acompanhavam, estava envolto em sua capa e suas botas encharcaram-se com a água invernal. Olhou ao redor, como que procurando sentir algum conforto ao rever aquela terra, conforto que somente aqueles que abandonam o lar sabem do que estou dizendo.
Quando atingiu as margens, foi abraçar seu pai e irmão, e Lamark observou seu andar desajeitado, estava manco.
- Pai. – disse, ao cumprimentar o velho Lamm, que o abraçou. Estava realmente acabado, os lábios rachados pela sede, os olhos fundos, a barba suja e grisalha. Dirigiu-se ao irmão e também o abraçou. – irmão.
- Irmão – retribuiu Lamark e achou que o rosto do irmão iria trincar quando ele sorriu para o seu pequeno Lamarkson.
- Então esse é o guerreiro, será forte quando crescer.
- Que os deuses lhe ouçam. – dessa vez quem retornou a resposta foi a mãe, Silned, esposa de Lamark, esta era uma mulher jovem e sábia a seu modo, seus cabelos escuros e encaracolados era sempre um contraste com a neve do inverno, Silned, a neve negra, era uma colocação irônica pois só havia calor em seus braços. – Sinto muito por tudo, e seja bem vindo de volta.
- Obrigado, irmã.
Caminharam pelas margens e sentaram-se para aguardar enquanto os servos e os demais retiravam as poucas bagagens.
- Conte-me como foi o fim dele. – Disse o Velho Lamm e referia-se a Thundrell. – Teve honra?
- Teve honra. – Respondeu Turien, parou por um momento, como que observando o peso das palavras que se seguiriam, em sua mente, parecia que elas teriam o poder mágico de deixar o inverno mais severo. – Teve honra, segurou o machado em seu fim e foi enterrado nas terras de Danelaw com os sacrifícios que pudemos fazer e com a promessa de erigir uma pedra em sua terra natal e levar a historia de nossa saga para os nossos Skalds, hoje vamos erigir esta pedra em sua honra, pai, mas isso precisa esperar.
Aquilo balançou um pouco o Velho Lamm, pois a amargura da perda aguarda o acalento inútil das palavras de como se deu a queda de mais um membro de seu sangue. Torkild continuou.
- Perdoe-me, pai, mas tenho um compromisso em especial, uma promessa, e os deuses estão me olhando.
O Velho Lamm não insistiu.
- Que seja, o coração amargurado de um velho esta destinado a esperar para sentir o desgosto da morte o resto da vida, não é verdade? Diga que compromisso é esse que ofende minhas intenções?
Torkild não se atingiu pelas palavras frias mais que o próprio vento, resignou-se.
- Em Sciringesheal, onde a família de Eldar deve estar.
Todos observaram que Eldar não estava presente nos que retornaram e não era preciso nenhuma colocação para ser clara a explicação do destino de tal. Eldar, mais um dos companheiros que pereceu em terras estrangeiras.
- Não pedirei ao senhor que me acompanhe, porém, Lamark poderia seguir comigo.
Lamark não disse nada, era isso. Mas o Velho Lamm não gostou.
- Vejo que ainda continua atrevido, ahn? Ora desgraçado, sou velho apenas em nome, seguirei com vocês – Disse, levantando-se.
- Não quis dizer... – tentou explicar Turien, mas foi cortado pelo Velho Lamm, olhou de soslaio para Lamark que retribuiu o olhar. Aquilo fez os dois sorrirem, um olhar trocado entre garotos, crianças, meninos, procurando intrigas em uma fazenda, subindo em árvores, a primeira espada de madeira, os punhos cerrados, as mordidas de cachorro, o gosto de ser uma criança trabalhosa e feliz, o primeiro castigo, aquele dia, aquela queda na areia, aquela briga com os garotos, a censura dos pais, a morte da mãe.
- Pai, eu...
- Chega, Aesir – Aesir era um dos empregados do Velho Lamm – Traga-me os cavalos e leve Silned e o pequeno para a fazenda, depois venha com mais cinco a cavalo, esperaremos no bordel do Mud.
E para Sciringesheal foram.
 Sciringesheal era uma das cidades portuárias dos nórdicos antigos, apropriada para o comercio, venda e troca de mercadorias, das que eram trazidas pelos comerciantes, pelos saqueadores e por quem quer que fosse, mas ainda assim, havia quem morasse aos arredores, e uma dessas era a família de Eldar, filho de Eldored. A movimentação dentro da cidade já fora maior em outros tempos, com comerciantes vendendo de tudo, com escravos de diversas terras e cores e com todo o tipo de cheiro que se tivesse interesse em sentir. Agora, porém, as ruas estavam frias e brancas e eram poucos os que ainda abriam as portas no inverno. Uma delas era a de um velho bordel, onde pararam para encontrar um pouco de abrigo e esperar os outros homens. 
O lugar não era tão quente quanto lá fora, mas pelo menos os protegiam do vento, lá encontraram um velho gordo e ranzinza, Mud, que os recebeu.
- Só temos a velha Selly, ela ainda não está tão fria quanto o vento lá fora, então, qual dos, ó deuses, perdão, meu senhor.  – Disse ao ver o Velho Lamm tirar o capuz, e perdeu a fala, pois não sabia o que dizer a um senhor, se ele queria uma prostituta, pão mofado, leite talhado ou ainda cerveja velha? Preferiu ficar calado. E fez bem.
Não consumiram nada, apenas aguardaram, sentaram-se em uma das mesas, com cadeiras de madeira úmida e podre e ficaram em silêncio. Lamark observou os dois. O velho Lamm estava quieto e pensativo e o Torkild tinha certo prazer de estar naquela joça, respirou fundo, e Lamark soube que estava apreciando aquele ar frio, sabia que sentira falta disso. Não queria perguntar sobre Thundrell, isso viria em seu tempo, mas queria romper o silencio, não era do tipo disso, gostava de apreciar o silencio, o som do vento correndo ao seu redor ou mesmo da chuva lá fora, ou do inverno suspirando seus desejos em uma terra fria, mas aquele era um tipo de silencio incomodo, seu pai e irmão estavam com mentes explosivas e emotivas, e aquele silencio era como um elfo negro provocador entre os dois.
Estava prestes a lançar algumas palavras no ar quando o som de cascos lá fora quebrou o silencio antes dele, seguiu-se a isso a entrada de alguns homens. Não eram os homens do Velho Lamm.
- Não achei que ainda tivesse inimigos, pai. – Disse Turien.
- Eu os tenho por toda parte, os desgraçados perceberam que viemos sozinhos.
Nesses tempos, a Noruega tem passado por impasses de poder por todo o território. Nossos contatos com o povo britânico que acreditam no deus pregado na madeira influenciou alguns mais fracos de suas convicções divinas. Certos escandinavos começaram a acreditar na magia de algo chamado de cristãos e, não sei o que se deu na cabeça, entenderam de levar isso aos outros, procurando, como eles dizem ‘’converter para a salvação’’, agora, chamam-nos de pagãos, aqueles que ainda mantêm os costumes dos antigos deuses nórdicos, que tem fé em Odin, Thor e outros. Esses cristãos menosprezam nossos deuses e dizem que são servos do demônio e que somente o deus deles traz a salvação. Isso não nos importava, eram apenas crenças e que vivam com elas, mas eles passaram a obrigá-las. Nosso povo tem sido obrigado a aceitar esses costumes estranhos a nós, e isso tem passado a ser imposto a força. Isso tudo começou com a subida do Rei Olaf Tryggvason, o rei em exílio, retornou das terras estrangeiras com convicções insensatas do deus pregado e achou de infestar nossas terras com conversas de converter para a salvação, de cristo senhor e muitas magias do cristão, algo que chamam de ‘’milavres’’. Muitos não se opuseram desde que quem quisesse ter seus costumes, que fossem respeitados, só que o rei Olaf não honrou certos acordos e deu por caçar ‘’pagãos’’. E nós somos pagãos.
- São homens de Olaf.
Um deles se adiantou, era alto e sua barba era cor de palha, olhos escuros e tinha uma das peças de madeira em um cordão que os convertidos passavam a usar em troca de seus amuletos de martelo. Era uma peça que diziam ter o mesmo valor que nosso amuleto de boa sorte e de favor a Thor. Arrastou uma das cadeiras e sentou-se a nossa mesa, os outros ficaram em pé, eram cinco sem contar com ele.
- Velho Lamm.
O Velho Lamm não respondeu, ele não tratava com esse tipo de pessoa, o tipo mais cretino na Noruega naqueles tempos, então, apenas olhou-os com o olhar que ganhou através de suas muitas guerras no estrangeiro. Aquilo intimidou o sujeito. Seus companheiros percebendo isso o incitaram a falar com alguns gestos e empurrões, o infeliz reuniu alguma coragem.
- Velho Lamm, nosso senhor tem o procurado e estamos aqui para levá-lo em segurança para seu encontro. 
Engraçado como essas coisas funcionavam. Olaf andava torturando os senhores influentes da Noruega até convertê-los para a salvação, como falam. Não temos provas disso, mas muitos conhecidos entre nosso povo sofreram com essas atitudes e era do conhecimento deles essas intenções mesquinhas. O Velho Lamm tinha resposta pra esse tipo de coisa.
Sorriu e olhou para seus filhos, e eles sorriram também. Sabiam o que devia ser feito e é isso.
- Venha cá, rapaz, me diga o que o seu senhor deseja resolver comigo? – Falou o Velho Lamm.
- Ele desej... – o punho de Lamark veio como o choque das paredes de gelo no rosto do sujeito, lançando-o fora da cadeira, nessa oportunidade Torkild vira a mesa podre em cima dos outros dando uma pisada para dar pressão na madeira. Maldita idéia, pois a madeira se rompe e prende seu pé, e acabou virando em cima dos sujeitos, os deuses deviam olhar por ele, pois nenhum dos homens sacou punhal algum. O Velho Lamm teve a cautela de não sacar nenhuma arma, isso poderia ser um estimulo desastroso. Continuou sentado e assistiu a seus filhos. Era uma briga de bar. Era, pois virou uma batalha quando as espadas foram sacadas.
Eram dois contra seis, era uma desvantagem, mas era o que tinha de melhor depois de coxas quentes no inverno. Houve aquela suspensão no ar, quando todos se encaram, com aço em mãos e pensam rapidamente no que fazer, um dos homens de Olaf gritou e ergueu seu machado, mas foi interrompido pelo Velho Lamm.
- Chega! Mas que inferno, seus vermes, calem-se, essa porcaria acabou, agora se sentem! Ei você! – apontou pro sujeito que havia se pronunciado no começo – Levante esse traseiro imundo e leve seu fedor desgraçado pro seu senhor cristão de madeira, ou o que for, diga que se ele quiser ter palavras com o Grande Lamm, que venha pessoalmente! Agora vocês, saiam já daqui!
Eles se entreolharam como que pensando se acatavam ou não, mas houve o estimulo perfeito para a obediência quando ouviram o sacar de aço as suas costas dos homens do Velho Lamm, liderados por Aesir, ao entrarem no bordel. Aquilo os convenceu e partiram.
A fazenda de Eldored não era longe dali, era nos arredores de Sciringesheal. A propriedade não era grande e formidável, mas tinha suas casas e organização, a casa de Eldored se destacava das demais, com grandes portas de carvalho, e enormes vigas sustentando o teto de palha e couro. Não havia muitos andando pela propriedade, era tempo de se abrigarem do vento agressor, mesmo os animais, mas de qualquer forma, foram recepcionados por homens armados, que não hesitaram em liberar passagem ao saberem do Velho Lamm e seus filhos. Logo foram indicados para dentro do salão do senhor Eldored.
Ali estava um ambiente que realmente era aquecedor, um verdadeiro refugio do vento, penduraram suas capas e dirigiram-se para o salão, no centro havia uma lareira onde o fogo ardia e próximo dele estava Eldored, um homem velho e rígido, cansado da vida mas austero a seu modo, estava cercado de muitos outros, moradores e familiares, a seu lado direito estava seu filho de menor idade e agora único, Eldorin e ao seu lado esquerdo estava Larza, a mulher de Eldar, em seus braços havia uma bebê embrulhado em muitas peles. Levantou-se e procurou ansioso por alguém entre os recém-chegados.
-Vejo muitos rostos conhecidos, porém o que mais estimo não está entre eles... Sinto que noticias mais frias que o inverno lá fora está prestes a assolar esse salão.
Essas palavras agitaram a todos no salão, principalmente a Larza, sua inquietação, ao procurar entre os homens do Velho Lamm acabaram por acordar a criança em seus braços e o choro juntou-se aos vários murmúrios e olhares ansiosos. O Velho Lamm fez sinal a Turien.
- Esta certo em sua adivinhação, Senhor Eldored, sou Turien, filho do Velho Lamm, como todos vocês sabem e venho aqui com uma promessa feita a Eldar Darison em seu ultimo respiro de morte, com todos os deuses em testemunha, de que a primeira coisa que faria em nossa terra natal seria vim entregar-lhes isso – sacou uma espada de uma bainha entre suas capas - e contar o que se deu com ele e com meu irmão. Aqui – adiantou-se – Essa é Presa Quente, sua espada, pediu que a trouxesse e que fosse dada a seu filho quando tivesse idade – entregou-a a Eldored que tomou-a em mão e a empunhou, sua expressão era de incredulidade, como se Torkild estivesse dando as noticias de forma rápida demais. A Larza entregou um pequeno tufo de tranças. – E para você, pediu que lhe entregasse isso, disse que a trança que você fez antes dele partir, em nossos dias nas terras estrangeiras nunca a desfez. – Larza a tomou em meio a lágrimas e balbuciou alguma coisa que poderia ser algum agradecimento, ele deu um momento para todos se recomporem, quando Eldorin falou.
- Conte-nos o que aconteceu.
Nós adorávamos isso, uma história, fogo para nos aquecer e o vento lá fora.
...
Torkild Landson começou
- Vocês devem se lembrar da situação que nossos irmãos do outro lado do mar se encontravam quando partimos em seu auxilio. Meu irmão, Thundrell Landson era um deles, já vivia nas terras saxônicas há anos e estava sofrendo o intermitente choque do martelo de Aethelstan, filho e herdeiro do Rei Eduardo de Wessex. Há alguns anos estendeu um ataque no remo de York e muitos dos nossos companheiros caíram sob seu propósito. Essas vitórias seguidas do novo rei, juntamente com alianças do Pais de Gales e da Escócia encurralou os nossos irmãos. Ainda assim, foi feita uma ultima aliança entre nosso povo, juntamente com nossos companheiros em Dublin e dos povos celtas. Tentamos reunir o máximo de alianças para depositar nossas esperanças em uma campanha máxima para definitivamente estabelecermos nossa conquista escandinava e derrotar os saxões.
‘’Era o golpe final no governo de Aethelstan, nossos grandes exércitos se encontraram em Brunanburh e lá teve o que os celtas chamam de Grande Guerra. Estive lado a lado naquela batalha com Thundrell e com Eldar e eles morreram bem, como contarei a vocês. Estávamos na linha de frente da parede de escudos, e ela se estendia por muitos metros a nossa volta, conosco estavam nossas tripulações e nossos próprios guerreiros. Thundrell, escudo com escudo junto a mim, estava com seu machado em mão, atrás de nós, dando cobertura estava Eldar, pronto para nos proteger sobrepondo seu escudo em nossas cabeças.
‘’Antes do primeiro choque, veio uma chuva de lanças e nossos escudos foram danificados, um desses tiros quase atingindo meu rosto, deu-me essa cicatriz – apontou para o canto do olho esquerdo- essa maldita lança quebrou a bossa de aço do meu escudo, o que era um presságio ruim para uma luta que sequer havia começado, porém não se deu destino muito diferente a meus companheiros, após a terceira saraivada de lanças, decidimos avançar, passo a passo, antes que eles conseguissem neutralizar nossa parede de escudos. E os malditos saxões entenderam nossa intenção e decidiram adiantar-se também. E então tivemos nosso primeiro choque!
‘’No início, há o primeiro contato dos escudos, madeira na madeira, e quando menos se espera, começamos a ser fustigados de cima e de baixo, é como... Lutar contra o universo. Lembro de dar muitas pancadas com o escudo esperando a oportunidade certa de apontar minha espada no rosto do primeiro que abaixasse a guarda. Um, dois, três, e muitos outros iam caindo, Thundrell e Eldar estavam trabalhando juntos, Thundrell com o gancho de seu machado, puxava a bossa do escudo inimigo e Eldar aproveitava a deixa para desferir o golpe certeiro. Houve muito sangue e cheiro de bosta naquele abraço apertado de madeira e aço, e estávamos intocados demais para não sermos beijados pela navalha...
‘’O primeiro foi Thundrell, um maldito saxão atingiu-o por baixo do escudo com um punhal, quando percebi, tentei afastar o desgraçado com meu escudo, mas o próprio Thundrell cuidou do sujeito. Lembro dele gritar ‘’substituam-me, vou avançar!’’ e lançou-se fora da parede de escudos, antes mesmo de alguém tentar impedi-lo. Eldar tomou seu lugar.
‘’Thundrell impulsionou o saxão com seu escudo antes de larga-lo, ficou apenas com seu machado, desceu-o como um raio e partiu elmo e crânio do sujeito. Tentou atingir outros, mas foi engolido, espadas cortaram seus pés e ele perdeu seu apoio, voltou-se com um golpe de baixo para cima no rosto do primeiro guerreiro que viu, mas o miserável atingiu a bossa do escudo em sua cabeça... Eu não o vi perder a consciência, vi que resistiu, mas não pude dar mais atenção, pois estava envolvido nos meus próprios confrontos. Um saxão puxou a bossa do meu escudo fragilizado com seu machado e partiu-o, nisso eu tive o impulso de fazer o mesmo que Thundrell, mas fui puxado para trás e me substituíram. Nossa parede continuou inteira.
‘’Com tantos mortos, não é difícil conseguir outro escudo e logo voltei a linha de frente, lado a lado com Eldar, este que se mantinha bem, na verdade, estávamos firmes, conseguíamos nos manter e assim ficamos por horas a fio na demanda da guerra. E eu estava tão alto que havia esquecido do meu próprio irmão, precisávamos vencer, eu pensava, preciso fazer valer sua morte, eu pensava.
‘’Houve muito sangue naquele dia, e morreram tantos saxões, quanto celtas, irlandeses, noruegueses, dinamarqueses, suecos, tantos... Aquela terra bebeu do sangue de todos os povos de nosso mundo. Até que enfim os Deuses decidiram de quem seria o sangue que mais iria manchar. Nossa parede quebrou... E quando isso acontece parece que nosso coração para, como se a própria Hel tocasse com seus dedos gelados nele, senti seus dedos frios em todo meu corpo... Não há coragem nesse momento, é vida ou morte. E nós fomos feitos para morrer lutando.
‘’Quando uma parede se rompe, é como ver a devastação tomar conta do nosso lado, eu não vi onde ela rompeu nem como isso aconteceu. Quando isso acontece, tentamos manter a parede e irmos abrindo, formando grupos, reagrupar, só que logo a parede se rompeu do outro lado, e do outro e logo aqui e ali e quando menos percebi estávamos lutando em terreno aberto. Eles eram muitos, e não adiantava matar um que logo dois ou três se colocavam em seu lugar. Mas ainda assim, resistimos, mesmo sentindo que a derrota nos precederia.
‘’Eldar estava comigo quando foi atingido por uma lança em seu calcanhar, um saxão fincou-a, praticamente estraçalhando seu tornozelo, quando pretendeu estocar outra vez com ela, lancei-me sobre o infeliz e o furei como se fosse feito de queijo. Voltei-me e corri para Eldar, ele estava meio bem, não sei, precisava tirá-lo dali! A nossa guerra estava perdida. Meu instinto dizia para ficar e morrer lutando, mas não podia deixar Eldar ali, então jurei a mim mesmo que depois retornaria para a batalha. O pus em meus ombros, mesmo pestanejando e por pouco não fomos mortos, pois a guerra estava se desenrolando, ela não dá trégua, porém conseguimos cobertura e saímos dali. Mas não há fuga, a guerra é como uma inundação, ela engole a todos, ela logo nos atingiu e eu voltei-me para o fim. Larguei-o no chão e lutei como se não houvesse amanhã...
‘’Estoquei na garganta de um deles, não podia perder tempo, atingi outro com o punho, feri mais um, outro, outro, eu estava ali para fazer jus à guerra! Urrando, chutei suas bundas, eles não podiam comigo e logo os afastei! Ah... e então Eldar... Haviam estocado-o com uma lança, e eu... eu não pude fazer nada, a guerra acontece de todos os lados... Simplesmente fincaram-na ali, seu olhar vidrado encarava o céu... ‘’irmão’’ ele disse... ‘’leve nossa historia para aqueles que pertencem a meu coração, leve uma de minhas tranças a minha Larza e diga que nunca as desfiz, para o meu pai, diga que morri bem, com honra, e para meu pequeno, dê minha espada, que ele a use quando tiver em seu tempo, e olhe-o por mim, o meu pequeno. ’’
‘’Essas foram suas ultimas palavras, e eu jurei, pelos deuses, que o faria assim que chegasse aqui. Eu...
Torkild vacilou, cansado. Larza chorava e Eldored estava calado e pensativo, encarava Torkild, não se sabe com desgosto por realmente não ser seu filho por esta ali, mas como que se tocando de tudo que se sucedeu, assumiu uma gratidão reverente pelo ocorrido. Torkild caminhou cansado para o pacote em pelos de Larza.
Uma criança com rosto rosado, olhos grandes e escuros, com poucos fios dourados em sua cabeça. Tocou sua testa.
- Eu sinto muito, eu realmente sinto muito. Eldred.
Lamark tocou seu ombro.
-Irmão, essa saga ainda não terminou.

Naquela noite erigiram duas pedras em memória de Thundrell Landson e de Eldar Darison, por esses homens que caíram em Brunanburh na Grande Batalha. 

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