quarta-feira, 6 de março de 2013

Nós somos os lobos I

Acordou todo cheio de preguiça, esticando-se na sua pequena cama forrada com palha e algumas cochas bem grossas.
            - Vamos, levante-se, se quiser ir comigo, tem que ser agora.
            Olhou pro pai sentado em sua cama, tentou abrir os olhos e vencer o sono, coçou o rosto e bocejou, reclamando.
            - Mas ainda ta de noite.
            - Já é quase dia, venha. – Disse, já estava arrumado, levantou e saiu pra fora de seu quarto, o pequeno garoto se espreguiçou mais um pouco e saiu relutante da cama. Vestiu-se e pegou sua capa para protege-lo do frio. Logo sentiu o sono indo embora, dando lugar a ansiedade, estava indo acompanhar seu pai em uma caçada.
            Quando saiu para fora, a mãe estava preparando uma caneca com leite quente e um pouco de pão para ajudar a acordá-lo. Beijou seu rosto e sentou junto dele a mesa enquanto ambos quebravam o jejum. Lentamente a luz ia surgindo, tímida, através da janela. Comeu, apressado para ir logo, mas a mãe o fez terminar a pequena caneca. De barriga cheia foi até fora de casa e encontrou o pai separando algumas das lanças, arcos e coisa do tipo que ele usava para caçar. Havia duas lanças, um pequeno arco, uma aljava com algumas flechas e o que surpreendeu; um pedaço de carvalho apontado. Quando o pai percebeu seu olhar, ele confirmou e disse.
            - Aqui está, esta será sua lança.
            - Uma lança? Vou poder caçar também?
            - Ora, mas você vai caçar comigo, não vai? Precisa de algo para isso, pegue, consegue segurar isso direito?
            - Olhe só, eu sou o senhor da caça – animou-se e pegou a pequena lança, era proporcional ao seu tamanho, embora ainda se atrapalhasse um pouco.
            - Venha cá – indicou o pai – Vou mostrar como você deve fazer. – E segurando suas mãos, colocou-as na posição certa ao longo do corpo da lança, dobrando os braços, mostrou como devia ser feito o movimento – puxe para trás e então estoque, estocar é fazer isso – e esticou os braços mostrando como se fazia – entendeu? – Olhou o rosto confuso do filho – Bem, pratique um pouco, eu vou lá dentro conversar com sua mãe.
            - Diga pra ela que eu vou levar uma lança pra caçada!
            - Ela vai ser orgulhar, agora pratique direito, afinal, queremos trazer um javali do tamanho de uma vaca. – riu. 
            - Caramba, um javali vaca...
Estava muito animado, seguindo para dentro da floresta enquanto tentava não topar em nenhum tronco ou raiz que começavam a se torna mais traiçoeiras e brincalhonas em seus formatos e tamanhos à medida em que se aprofundavam. Adorava pular e rolar entre elas, mas hoje ele não podia ficar agindo assim, estava caçando e isso era muito sério. Viu como o pai andava em meio as arvores e galhos, prestando atenção, atento e silencioso, um caçador, e era isso que ia fazer, observou o jeito que ele seguia, com a lança pesada apoiada no ombro, apoiando-a do mesmo jeito, porém, atrapalhou-se e topou, caindo com estardalhaço nos galhos, troncos e raízes.
-Silencio imbecil! – disse áspero e depois deu seu sorriso velho e caloroso enquanto o levantava com um puxão pelas roupas e o jogava em pé contra uma árvore – mantenha-se silencioso, lembre-se do que eu falei, e pare de se comportar como o barulho do traseiro de um boi. – riu e bagunçou o seu cabelo já tão bagunçado.
Seu pai havia prometido que dessa vez vai deixá-lo estocar a lança na corça quando conseguissem abater uma. Dessa vez não teria força para arremessar e atravessar a corça, mas garantiu que permitiria tirar a vida dela. – é bom aprender a tirar vidas desde cedo, para seu bem. – sempre lhe dizia, e era verdade.
            Não demorou muito para ouvirem não tão longe os leves passos de uma corça fêmea esmagando folhas mortas, olhando incerta ao redor, como que pronta para disparar ao primeiro sinal de intrusos, mas deixou seu senso de alerta de lado e voltou a se entreter com o mato verde do ultimo verão. Pai e filho esgueiraram, mas o pobre garoto se atrapalhou mais uma vez com a lança desajeitada demais para ele, afastando a corça.
- Pelo bom olho de Odin! Maldito seja, sangue de meu sangue! – Disse o pai, tomando a lança do garoto, - você ainda não esta na idade, vou levar isso aqui, e não faça essa cara.
- Desculpe pai, eu juro que vou levar direito, uma chance? - Seu pai o olhou sem intenções de mudar de idéia – uma chance?
- Que seja, mas haverá momentos em que você não terá uma chance, tem de entender isso, mas desta vez basta, tome – e deu a lança em suas mãos. Agarrou-a e a equilibrou mais uma vez imitando o pai, com toda a cautela que conseguia reunir para não fazer outra besteira. Por sorte, encontraram a corça não muito longe de onde estavam, e desta vez o pai o alertou com um olhar, como que ‘’não estrague tudo dessa vez’’.
Aproximaram-se com extrema cautela, tão silenciosos quanto alguém poderia ser em uma floresta. Quando estavam perto o suficiente, o pai preparou-se para jogar a lança, mas, em seu ultimo instante, deteve-se.
- Mas... – quis indagar o garoto sendo interrompido por ele, depois, em um gesto de indicação do pai, olhou para um determinado ponto da mata. E lá estava um lobo.
Estava olhando para eles, com olhos espertos que transmitiam o aviso de que tinha chegado primeiro. Era formidável, seu pelo cinzento escuro combinando perfeitamente com as sombras e a mata, e se não parar para observar bem, é perceptível apenas seus olhos amarelados como a lua. O garoto sentiu medo, mas estava com seu pai, que assistia tudo e indicou para que ele assistisse também.
Decidido de que não seria interrompido ou que devesse agir antes deles, saltou do seu esconderijo, com a boca escancarando-se a medida que se aproximava da corça, mostrando sua coleção de presas formidáveis, em um encaixe perfeito na vítima, enterrando-as como se enterra uma faca no queijo. A corça ainda se agitou, mas sob a pressão da mordida, amoleceu, entregando-se a morte. Provavelmente era um lobo solitário e velho, pois não dividiu a presa com nenhum outro.
De qualquer maneira, o pai arrastou o filho para longe, nunca se sabe quando há uma alcatéia.  Quando se encontrou longe o suficiente para sentirem-se seguros, disse:
-Trouxe você aqui para te dar uma lição, mas a que presenciamos aqui vai além da que simplesmente queria te dar, nessa nossa vida, na sua vida, precisamos fazer escolhas, há pessoas como a corça e há pessoas como os lobos, e você precisa decidir qual dos dois você será, você prefere devorar ou ser devorado? Vencer ou ser derrotado, caçar ou ser caçado?
-Bom, nós estávamos caçando, não é? – Disse indeciso, frente à questão complicada demais, colocada inesperadamente.
-Sim, nós caçamos, mas a vida vai muito além do que simplesmente caçar uma corça, meu sangue, você precisará aprender a devorar homens, pois você possui o sangue do norte.
-Devorar homens? – disse, meio horrorizado.
-Não devorá-los realmente, filhote de bode – e balançou-o pelos ombros, brincando – você tem de devorá-los em batalhas, em guerras e em saques, compreende isso?
- Como nas historias? – arriscou a resposta, meio certo de que era isso.
-Sim, como nas minhas historias, venha cá – aproximou-se – Você precisa fazer uma escolha para a sua vida, e você vai levar isso para sempre com você, me diga, você é um lobo ou uma corça? Você viu como o lobo agiu? Silencioso, astuto, rápido e feroz e suas presas dão a morte.
- Sim – concordou e o pai continuou.
- E a corça, você viu como ela agiu? Como uma presa, fraca, pronta para fuga, nascida para ser devorada. Há pessoas assim, fracas, estúpidas e que fogem dos problemas, apenas esperando a vida devorá-las, mas nós não somos assim. Somos astutos, somos fortes e ferozes, nos agimos rápido e temos nossas presas, as nossas espadas, e com elas damos a morte, e sabe por que fazemos isso?
-Por que?
-Porque nós somos os Lobos.


Agora, faça sua escolha. 

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