Acordou
todo cheio de preguiça, esticando-se na sua pequena cama forrada com palha e
algumas cochas bem grossas.
- Vamos, levante-se, se quiser ir
comigo, tem que ser agora.
Olhou pro pai sentado em sua cama, tentou
abrir os olhos e vencer o sono, coçou o rosto e bocejou, reclamando.
- Mas ainda ta de noite.
- Já é quase dia, venha. – Disse, já
estava arrumado, levantou e saiu pra fora de seu quarto, o pequeno garoto se
espreguiçou mais um pouco e saiu relutante da cama. Vestiu-se e pegou sua capa
para protege-lo do frio. Logo sentiu o sono indo embora, dando lugar a
ansiedade, estava indo acompanhar seu pai em uma caçada.
Quando saiu para fora, a mãe estava
preparando uma caneca com leite quente e um pouco de pão para ajudar a
acordá-lo. Beijou seu rosto e sentou junto dele a mesa enquanto ambos quebravam
o jejum. Lentamente a luz ia surgindo, tímida, através da janela. Comeu,
apressado para ir logo, mas a mãe o fez terminar a pequena caneca. De barriga
cheia foi até fora de casa e encontrou o pai separando algumas das lanças,
arcos e coisa do tipo que ele usava para caçar. Havia duas lanças, um pequeno
arco, uma aljava com algumas flechas e o que surpreendeu; um pedaço de carvalho
apontado. Quando o pai percebeu seu olhar, ele confirmou e disse.
- Aqui está, esta será sua lança.
- Uma lança? Vou poder caçar também?
- Ora, mas você vai caçar comigo,
não vai? Precisa de algo para isso, pegue, consegue segurar isso direito?
- Olhe só, eu sou o senhor da caça –
animou-se e pegou a pequena lança, era proporcional ao seu tamanho, embora
ainda se atrapalhasse um pouco.
- Venha cá – indicou o pai – Vou
mostrar como você deve fazer. – E segurando suas mãos, colocou-as na posição certa
ao longo do corpo da lança, dobrando os braços, mostrou como devia ser feito o
movimento – puxe para trás e então estoque, estocar é fazer isso – e esticou os
braços mostrando como se fazia – entendeu? – Olhou o rosto confuso do filho –
Bem, pratique um pouco, eu vou lá dentro conversar com sua mãe.
- Diga pra ela que eu vou levar uma
lança pra caçada!
- Ela vai ser orgulhar, agora
pratique direito, afinal, queremos trazer um javali do tamanho de uma vaca. –
riu.
- Caramba, um javali vaca...
Estava muito animado, seguindo para dentro da floresta enquanto
tentava não topar em nenhum tronco ou raiz que começavam a se torna mais
traiçoeiras e brincalhonas em seus formatos e tamanhos à medida em que se
aprofundavam. Adorava pular e rolar entre elas, mas hoje ele não podia ficar
agindo assim, estava caçando e isso era muito sério. Viu como o pai andava em
meio as arvores e galhos, prestando atenção, atento e silencioso, um caçador, e
era isso que ia fazer, observou o jeito que ele seguia, com a lança pesada
apoiada no ombro, apoiando-a do mesmo jeito, porém, atrapalhou-se e topou,
caindo com estardalhaço nos galhos, troncos e raízes.
-Silencio imbecil! – disse áspero e depois deu seu
sorriso velho e caloroso enquanto o levantava com um puxão pelas roupas e o
jogava em pé contra uma árvore – mantenha-se silencioso, lembre-se do que eu
falei, e pare de se comportar como o barulho do traseiro de um boi. – riu e
bagunçou o seu cabelo já tão bagunçado.
Seu pai havia prometido que dessa vez vai deixá-lo
estocar a lança na corça quando conseguissem abater uma. Dessa vez não teria
força para arremessar e atravessar a corça, mas garantiu que permitiria tirar a
vida dela. – é bom aprender a tirar vidas desde cedo, para seu bem. – sempre
lhe dizia, e era verdade.
Não demorou muito para ouvirem não
tão longe os leves passos de uma corça fêmea esmagando folhas mortas, olhando incerta ao redor, como
que pronta para disparar ao primeiro sinal de intrusos, mas deixou seu senso de
alerta de lado e voltou a se entreter com o mato verde do ultimo verão. Pai e
filho esgueiraram, mas o pobre garoto se atrapalhou mais uma vez com a lança desajeitada
demais para ele, afastando a corça.
-
Pelo bom olho de Odin! Maldito seja, sangue de meu sangue! – Disse o pai,
tomando a lança do garoto, - você ainda não esta na idade, vou levar isso aqui,
e não faça essa cara.
-
Desculpe pai, eu juro que vou levar direito, uma chance? - Seu pai o olhou sem
intenções de mudar de idéia – uma chance?
-
Que seja, mas haverá momentos em que você não terá uma chance, tem de entender
isso, mas desta vez basta, tome – e deu a lança em suas mãos. Agarrou-a e a
equilibrou mais uma vez imitando o pai, com toda a cautela que conseguia reunir
para não fazer outra besteira. Por sorte, encontraram a corça não muito longe
de onde estavam, e desta vez o pai o alertou com um olhar, como que ‘’não
estrague tudo dessa vez’’.
Aproximaram-se
com extrema cautela, tão silenciosos quanto alguém poderia ser em uma floresta.
Quando estavam perto o suficiente, o pai preparou-se para jogar a lança, mas,
em seu ultimo instante, deteve-se.
-
Mas... – quis indagar o garoto sendo interrompido por ele, depois, em um gesto
de indicação do pai, olhou para um determinado ponto da mata. E lá estava um
lobo.
Estava
olhando para eles, com olhos espertos que transmitiam o aviso de que tinha
chegado primeiro. Era formidável, seu pelo cinzento escuro combinando
perfeitamente com as sombras e a mata, e se não parar para observar bem, é
perceptível apenas seus olhos amarelados como a lua. O garoto sentiu medo, mas
estava com seu pai, que assistia tudo e indicou para que ele assistisse também.
Decidido
de que não seria interrompido ou que devesse agir antes deles, saltou do seu
esconderijo, com a boca escancarando-se a medida que se aproximava da corça,
mostrando sua coleção de presas formidáveis, em um encaixe perfeito na vítima,
enterrando-as como se enterra uma faca no queijo. A corça ainda se agitou, mas
sob a pressão da mordida, amoleceu, entregando-se a morte. Provavelmente era um
lobo solitário e velho, pois não dividiu a presa com nenhum outro.
De
qualquer maneira, o pai arrastou o filho para longe, nunca se sabe quando há
uma alcatéia. Quando se encontrou longe o suficiente para sentirem-se
seguros, disse:
-Trouxe
você aqui para te dar uma lição, mas a que presenciamos aqui vai além da que
simplesmente queria te dar, nessa nossa vida, na sua vida, precisamos fazer
escolhas, há pessoas como a corça e há pessoas como os lobos, e você precisa
decidir qual dos dois você será, você prefere devorar ou ser devorado? Vencer
ou ser derrotado, caçar ou ser caçado?
-Bom,
nós estávamos caçando, não é? – Disse indeciso, frente à questão complicada
demais, colocada inesperadamente.
-Sim,
nós caçamos, mas a vida vai muito além do que simplesmente caçar uma corça, meu
sangue, você precisará aprender a devorar homens, pois você possui o sangue do
norte.
-Devorar
homens? – disse, meio horrorizado.
-Não
devorá-los realmente, filhote de bode – e balançou-o pelos ombros, brincando –
você tem de devorá-los em batalhas, em guerras e em saques, compreende isso?
-
Como nas historias? – arriscou a resposta, meio certo de que era isso.
-Sim,
como nas minhas historias, venha cá – aproximou-se – Você precisa fazer uma
escolha para a sua vida, e você vai levar isso para sempre com você, me diga,
você é um lobo ou uma corça? Você viu como o lobo agiu? Silencioso, astuto,
rápido e feroz e suas presas dão a morte.
-
Sim – concordou e o pai continuou.
-
E a corça, você viu como ela agiu? Como uma presa, fraca, pronta para fuga, nascida
para ser devorada. Há pessoas assim, fracas, estúpidas e que fogem dos
problemas, apenas esperando a vida devorá-las, mas nós não somos assim. Somos
astutos, somos fortes e ferozes, nos agimos rápido e temos nossas presas, as
nossas espadas, e com elas damos a morte, e sabe por que fazemos isso?
-Por
que?
-Porque
nós somos os Lobos.
Agora, faça sua
escolha.
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