quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Entre correntes e laços



Certa noite tive um sonho estranho, nele me encontrava em uma planície cinza, a relva clara como prata, o céu azul escuro, mas com uma tonalidade perfeita, montanhas escuras no horizonte e o mar escuro que só se diferenciava do céu pela falta de estrelas. Parecia ser altas horas da noite, eu me vestia de uma maneira atípica, estava sem camisa, com um jeans escuro, não, era uma calça de couro, botas e em minhas mãos estavam às correias de duas coleiras onde nelas se encontravam dois cachorros, Huskies, um acinzentado e outro escuro, lindos, perfeitos, sempre foi o cachorro que mais cobicei ter, e parecia que a mim eles eram conhecidos já de outros tempos, como se fizessem parte de mim. Eu tinha para elas uma estima sem igual, os acariciei e eles corresponderam, era magnífico, me sentia em um conto nórdico. Sentei-me com eles dois e observamos juntos o céu e as estrelas, pareciam falar comigo, conosco. Mas então o céu fechou, nuvens negras vieram do oeste e cobriram toda a claridade das estrelas, a terra tremeu, e uma sensação ruim se apossou de mim. A chuva começou a cair e os cachorros se reuniram em minha frente, a terra começou a rachar e dela brotou um ser, e á medida que esse tal ser saia da terra, o vento soprava com mais força, não sei explicar nem descrever como era isso, essa criatura, mas quando ela saiu da terra e se pois de pé, não havia sujeira de terra em sua pele, sua roupa. Era algo bizarro, suas vestes desciam como uma capa que cobria todo seu corpo, negra e rasgada, podia se ver correntes saindo por baixo da capa, via-se também suas mãos pálidas com dedos e unhas compridas e finas, seu rosto, e ai que está o mais intrigante, não havia, era uma cabeça nua, como uma bola, exceto por uma incomum boca com dentes pontudos e língua comprida. Os cachorros começaram a latir e rosnar para ele. Ergueu a mão e fez-se silêncio absoluto, o vento forte cessou, a chuva passou a cair fraca e leve e então ele falou:
- Chegou à hora de pagar sua dívida, filho da ganância. - Sua voz era reverberante, de uma maneira monstruosa. Eu não sabia do que estava falando, mas sabia de que não tinha nenhuma dívida com ele.
- Eu não tenho dívida alguma com você. – Respondi, saiu um chiado estranho de sua boca e a enorme língua lambeu os dentes e os lábios.
- Claro que sabe ou não se lembra do nosso acordo? Tornar-te-ia humano e em troca me daria sua alma após mil anos de desfrute dos desejos carnais do homem, seu maior desejo, sua ganância. Vai dizer então que não reconhece os seus irmãos? – Apontou para os cachorros. Eles rosnaram e latiram.
- Como assim, está insinuando que não sou homem?
- Cale-se, não estou aqui para relembrar historias, chegou a hora de levar você comigo! – E erguendo sua mão de dentro da capa, brandiu uma espada negra e apontou em minha direção. Os cachorros saltaram em sua direção e o atacaram. Ele apontou a espada para eles que pararam e ficaram paralisados, de sua boca saiu um chiado e os cachorros começaram a tremer, após alguns segundos começaram a latir entre si e a se morderem. Aquilo me afligiu muito, estavam se destruindo, tão belos e unidos, e agora estavam se tingindo um com o sangue do outro.
- É isso que você quer? A destruição dos seus irmãos?
- Pare, eles... Isso, não tem sentido! – Mas ele riu mostrando os dentes horrorosos e pontudos e continuou. Então eu corri em sua direção e não sei de onde vi aquela espada, mas lá estava ela cravada no chão, a empunhei e segui na direção dele, o vento começou a soprar contra mim, mas nada que me impedisse. Ao me aproximar ele ficou sem reação, e sem esperar mais enterrei a espada em sua barriga. Ele se desfez em tecido negro e corrente, me afundei neles. Cai no chão e me senti enrolado e preso, tentando me levantar e se desvencilhar de toda tralha. Enfim, consegui, me levantei tirando todos os farrapos negros e pedaços de correntes, porém senti um peso no pescoço e quando percebi estava com uma corrente em volta dele, presa, seguindo como uma coleira até a mão da Criatura.
- Agora tu és meu cachorro, meu domado, meu bicho, meu animal, farás o que minhas ordens indicarem, para toda eternidade. – Tentei protestar contra suas palavras mas minha voz não saiu, lati, olhei para meu corpo mas não era mais o mesmo, eu estava rosnando, eu era um cão como meus irmãos. A compreensão vinha de eras e eu agora compreendia, meu desejou, minha queda. A terra começou a tremer e se abriu embaixo dos seus pés e ele começou a afundar nela, desaparecendo. A corrente apertou e me puxou em direção ao tremor de terra, ao buraco. Tentei me afastar, finquei minhas patas no chão, mas era tudo esforço inútil. Meus irmãos tentaram morder a corrente e percebi que em meu próprio pensamento via eles como irmãos, mas na altura que as coisas seguiam, isso não me impressionou. Sentia a corrente apertar e minha respiração dificultar, meu medo estava crescendo até que uma luz branca surgiu, não sei bem de onde, e um velho homem apareceu, estava todo de branco, tinha um cajado em mãos, seu rosto era austero e sábio, sua barba descia branca dele, sua chegada parecia ter acalmado tudo, o chão parara de tremer, o vento forte mais uma vez se acalmara, olhou para nos com ternura, meus irmãos o reverenciaram, algo para mim dizia que era ele, ‘’o branco’’. Ele se aproximou e com o cajado bateu na corrente que se partiu. Olhou para mim e disse:
- Volte para casa, há razões, há motivos... – E pronunciando algumas palavras em um idioma que desconheço, senti um impulso e...
Acordei atordoado, suado, tonto, me levantei e senti a brisa da noite na janela me acalmar. Algo ardia em meu pescoço. Bebi um pouco de água e fui até o banheiro lavar meu rosto, após jogar umas três vezes água no meu rosto, vi em meu reflexo marcas no pescoço, marcas de corrente.

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